para José Lara, CHUVA BRANCA NO CERRADO
A morte certa para todos nem sempre calada para alguns. No repente minha língua não cabe grossa, pesada. O pensamento vagueia. Aquele dia tudo era serro. Neblina primeiro, depois chuvisco e cobrindo a várzea buritis chuva maldita.
Num grupo de matutos, eu tinha passado no João Soares pra pegar enxada e trabalhar na roça. Mas chuva desabou forte, de mansa branquinha foi só no começo, virada em diluvio cobriu o cerrado e nós com medo no ermo.
Dois dos homens continuaram, destemiam no terreiro, mas eu entrei na casa do Quintino. Lá fora o breu cobria o mundo. Eles tudo ficaram com medo, mas não davam o braço pra cobra torcer. Cabra macho não tem medo, ouvia. Isso foi até quando o João Soares mandou entrar e vieram tudo atrás pro cômodo. Cada qual com seu medo diferente do meu, eu temia nunca mais ver Luzia.
Me deixaram sozinho na sala. A inteira casa tremia. O esteio de aroeira tremia. Nada de relâmpago, muito travão. Só o angico majestoso resistia depois da porteira.
O telhado de buriti barulhava no alto da comunheira. Meti o medo debaixo da cama fiquei menino, quase chorei. A chuva que zunia no descampado o vento trouxe para dentro da casa. O João Soares só rezava. O compadre Luís desesperou primeiro, subiu correndo a estrada, acho que deu de pensar: se corro a favor do vento chego na Vila Costina. Passou o curral pulando os cochos, subiu o morro e topou de cara com a canga d’água, e sumiu da nossa vista.
Então aconteceu, o Gerado mais o filho do João Soares saíram da casa sabendo segurança no angico, e deram de esconder na confiança de Santa Bárbara debaixo do gigante.
Eu não ia e não fui, meti a fuça nas mãos cheio de pecado. Se fosse abraçar o angico Santa Bárbara nem ia me ver, tudo era branco. E aconteceu a desgraça: do céu caiu fogo que lascou o tronco em duas partes queimando os dois amigos meus.
Depois do estrondo, fomos medir o ocorrido O céu secou as lágrimas e nós chovemos de dor.
A notícia que as mulheres teriam era essa: compadre Luís não foi longe, bateu a cabeça e desmaiou com a cara no barro e morreu cheio d’água na barriga; o fogo matou o angico, matou Geraldo mais o filho do João Soares.