Memórias de Um Colégio Interno
Por mais tempo que possa passar, nunca vou me esquecer de quando estudei no colégio interno em Paraguaçu. Centro Educacional Sagrado Coração de Jesus (Juvenato), onde éramos chamados Juvenistas e nossos Mestres de Irmãos. Nossos dias eram sempre cheios de afazeres, e tínhamos horários para tudo.
Época muito feliz de minha vida como também de quase todos os meus colegas, a nossa maior preocupação era dar conta dos estudos. Rezávamos bastante, fazíamos a limpeza do colégio e áreas externas. Depois destas tarefas cumpridas, estávamos livres para brincar no salão de jogos, praticar esportes e aproveitar o máximo as nossas horas de folga. Em sequência vou narrar alguns eventos que jamais sairão de minha memória. Pequenas travessuras e causos enraçados que ocorriam em nosso dia a dia.
Quarto do Irmão Mestre
I- O irmão que era nosso mestre dormia em um quarto dentro de nosso dormitório, tínhamos hora para tudo inclusive para dormir e acordar. Na porta de seu quarto tinha uma campainha para chamá-lo quando precisássemos. Ele detestava que batêssemos em sua porta, o que só descobríamos depois de uma broca. Quando chegavam juvenistas novos que não sabiam deste detalhe, dizíamos para eles que a campainha não funcionava. Orientávamos para bater com bastante força na porta, pois o Irmão não escutava direito! E assim, sobre nossas orientações o jovem mancebo procedia. O Irmão saia do quarto muito irritado e dizendo se o infeliz do juvenista não sabia o que era campainha. O garoto tentava se desculpar e saia o mais rápido possível para que ninguém visse a descompostura. Eu e os outros colegas ficávamos escondidos e quase morríamos de tanto rir!
A Sirene
II- Na porta do quarto do Irmão também tinha uma sirene, que era usada para nos acordar todo dia pela manhã bem cedo. Como eu odiava esta campainha! Quase me matava de susto e sempre me pegava na melhor parte do sono. E digo de passagem: naquela época o sono era quase eterno e toda parte dele era ótima! Certa vez eu estava escalado para limpar o dormitório juntamente com outros dois colegas. Tive a brilhante idéia de desligar a sirene, com um pouco de lábia convenci os meus dois colegas a me ajudarem nesta tarefa. Encostei o ouvido na porta do quarto e ouvi o irmão roncando em sono profundo. Um de meus colegas que era menor subiu em minhas costas e nas costas do outro colega para alcançar a sirene. No momento em que ele desligou a sirene o irmão mexeu na fechadura da porta. Simplesmente corremos para o banheiro e o juvenista que estava em nossas costas estatelou-se no chão aos pés do irmão. A nossa sorte foi que ele perdeu a fala com o tombo, e não pode nos delatar para o irmão. Dissemos para o mestre que ele estava correndo e caiu, e o ajudamos a levar o mudo para a enfermaria. O irmão mestre foi em busca de socorro e nós ficamos com ele enquanto recuperava os sentidos. Fizemo-lo prometer que não contaria nada, ninguém podia ficar sabendo de nossa arte. O irmão voltou, percebendo que o nosso colega estava bem, e falou: _Vocês sabem que é proibido correr dentro do dormitório, aqui é lugar de descanso e silêncio! Depois de um pequeno sermão nos liberou. Pela manhã fomos acordados pelo Mestre com um porrete batendo em uma lata. Saímos do espeto e caímos na brasa, o susto foi ainda maior.
Pacote de Balas
III- Um dia quando estávamos indo passar o fim de semana no Rancho São José que era de propriedade da congregação. O Irmão mestre “Palmeirense doente”, nos prometeu um saco de bala se seu time ganhasse naquele dia do maior rival, o São Paulo. Todos nós torcemos pelo Palmeiras, ou melhor, pelo saco de balas, infelizmente a porcaria do time perdeu de 4X0. Como não íamos ganhar nada como recompensa, convencemos um de meus colegas que era muito magrinho passar pelo vitrô da despensa e pegar na confiança o saco de balas. Depois da façanha concluída, corremos para o dormitório do rancho com o nosso prêmio. Os demais juvenistas descobriram o que havíamos feito e exigiram bala para todo mundo ou contaria para o Mestre. Repartimos o produto de nosso afano em partes iguais com os demais colegas. Como os demais colegas não tinham o que temer, jogaram papel de bala por todo o lado, tivemos que catar papel a noite toda para o Irmão não descobrir o que havia acontecido.
Salão de Estudos
IV- No colégio interno havia um enorme salão de estudos onde passávamos algumas horas do dia. Quando o Irmão mestre estava em sua mesa que ficava em frente minha carteira era um silêncio só. Certa vez ele teve de se ausentar por um tempo, nós começamos a fazer a maior algazarra. Quando ele retornou ficou na porta de entrada anotando em um papel o nome de todo mudo que estava fazendo bagunça. Logo que fomos percebendo sua presença o silêncio voltou a imperar. Com muita raiva ele veio para sua mesa e leu o maior sermão para nós, só não nos chamou de santo e rapadura. Depois de mais de trinta minutos falando sem parar, exigiu que todo mundo que estivesse atrapalhando os demais colegas estudar, levantasse a mão. Eu como estava de frente para ele e hipnotizado pela sua raiva, levantei a mão instantaneamente, apesar do medo que sentia. Quando olhei de rabo de olho para traz ninguém mais havia levantado à mão. Meu braço parecia sustentar a mão de um gigante e foi arriando devagarzinho, porém não tinha como eu me safar da delação premiada. Ai sim o irmão virou um leão devido à falta de honestidade de meus colegas. Pegou o papel e começou a ler nome por nome até quase toda sala ficar de mãos para o alto. O castigo foi copiar 10 folhas da bíblia e entregar para ele até o fim de semana. Eu como havia levantado a mão espontaneamente da primeira vez escapei do castigo. Se eu estivesse assentado no fundo da sala acho que também acabaria punido.
Persongens Inesqucíveis
V- “Ir Augusto” professor de português que sempre tratávamos de (Tigusto), matéria que eu tinha a maior dificuldade. Quando ele pediu pela primeira vez para fazer uma redação, na tentativa de sair dos erros de português fiz uma poesia. Usei da liberdade poética para aliviar os erros de português! Foi no Juvenato que descobri minha facilidade em escrever redações e poesias, e a primeira que escrevi foi corrigida por ele, rendeu uma excelente nota e me livrou de uma recuperação. Infelizmente não a tenho guardado, recordo que era uma poesia religiosa e foi lida por ele em sala de aula. Ele não sabe o bem que me fez, pois até então eram apontados os meus erros como chacota por outros professores. Até então odiava o Português!
“Marquinho” só ficou no Juvenato duas semanas e se envolveu em quinze brigas. Um verdadeiro galinho de briga, o cara do estopim mais curto que já conheci. Espero que ele não leia isso, se não corro risco de levar uma tunda.
“Ir Lucas” graças a ele quase virei artista de teatro, passávamos horas treinando algumas peças. Uma delas era de um médico que chegou para exercer a profissão em uma corrutela, a encenação virou sucesso e tivemos que apresenta-la diversas vezes para públicos variados. E seu chavão com sotaque Canadense na sala de aula como professor de matemática: “não se pode misturar batatas com abacaxi, cada qual no seu lugar”.
“Baruch” não sei se era nome, sobrenome ou se é assim que se escreve, turco e o mais miserável da turma, nunca repartia com ninguém os quitutes que a família enviava para ele. Um dia envolveu-se em uma briga com outro colega, o mestre os trancou dentro do salão e ficaram brigando por horas. Quando voltamos do jantar os dois estavam exaustos, vermelhos, esfolados e caídos no chão.
“Camilo” o riquinho da turma, gente finíssima! Sua família doou uma televisão para o colégio. Graças a ele podíamos assistir alguns programas que a censura dos Irmãos permitiam. Lembro do Galo sendo roubado pelo Urubu em uma final de um campeonato, foi um chororô só, até eu que sou Raposa achei ruim mas passou rapidinho ao ver os rivais lamentando.
“Gideone” cavalinho puro sangue, o mais veloz que passou por aquelas bandas, se atrelava a uma carroça enchia de colegas e descia em disparada os morros que encontrava pelo caminho e ao final dava uma guinada na direção. Todo mundo se esparramava pelo chão, não sei como não saia alguém com sérios machucados. Coisa de maluco! Confesso que me faltava coragem para o desafio, tinha e tenho muito amor aos meus ossos e dentes.
“Ir Paulo” certa vez cismou que era agricultor, tivemos que encher a Mafiza (ônibus antigo para nosso transporte) de capim Cameron. Depois entramos todos os juvenistas dentro dela, fomos para o rancho para efetuarmos o plantio. Foi a viagem mais longa, pinicante e calorenta que já fiz. Chegando lá, fomos orientados para plantar o capim debaixo dos eucaliptos, como era um ambiente de muita sombra não nasceu nada. Ou será que foi praga que jogamos nas malditas mudas!
Apelidos
VI- Para finalizar este pequeno depoimento não poderia deixar de relembrar os famosos apelidos que ganhávamos por nossas aparências ou gafes cometidas. Alguns alcunhas ficavam tão incrustadas nos colegas que eles esqueciam seus próprios nomes.
“Chico Buguda” era o mais forte de nós, mais parecia o homem de pedra, acho que dai veio o seu apelido. Gostava de se exibir juntando as barras paralelas com sua força.
“Busca” este cometeu o erro de comer toda a sobremesa de um mesa com 6 pessoas sozinho, e disse para os colegas que era só “buscar” mais na cozinha. Mal sabia ele em sua primeira refeição, que os doces deveriam ser repartido entre os colegas de mesa. Quase apanhou da turma.
“Xodó da vovó” este personagem era o São Pedro do colégio andava com todas as chaves dependuradas na cintura, abaixo dos irmãos era ele quem comandava. O posto mais alto entre os juvenistas. Tinha a responsabilidade de abrir e fechar todas as portas do colégio antes e depois de nossas atividades. Foi com ele que aprendi consertar as bolas furadas, abrir, remendar a câmara e costurar.
“Frangão” foi vítima de sua fisionomia que mais parecia um Chester da Sadia. Diga-se de passagem não estava nem ai para o apelido, pois sua mãe o achava lindo.
“Galo cego” era Cruzeirense e não enxergava de um olho. Lembro-me do dia em que ele pela primeira vez na vida pegou um prisma, aproximou-se da vista e por um momento saiu gritando que estava enxergando dos dois olhos, triste fato que não se concretizou.
“Piolho” esse dispensa comentários à alcunha evidencia os fatos, era a pessoa que tinha mais... por centímetros quadrado!
“Cyborg ou Borg para os íntimos” o menino de seis milhões de dólares, o destemido guardião dos canários do Ir. Paulo. Certo dia perdeu o posto para outro juvenista que insistiu com o Ir. Paulo para fazer rodízio das tarefas, pois não achava justo todo mundo ralando na limpeza do juvenato e o Borg pajeando as avezinhas. Mas o impeachment do Borg foi por pouco tempo! O novo tomador de conta esqueceu-se de guardar as gaiolas durante a noite e uma coruja comeu um dos preciosos pássaros. No outro dia o Borg reassumiu seu posto com aquela carinha de eu sabia!
“Galinha” um dos atleticanos da turma, que não gostava muito de tomar banho, demos alguns banhos de água fria nele com a autorização do Ir. Mestre. Era uma guerra na hora de tomar banho, quem ia a frente tomava banho quente os demais faziam de conta ou tomava banho frio.
“Piu Piu” franzino com um passarinho, dono das canelas mais finas que já vi em toda minha vida. Detestava ter de jogar bola, guardo na lembrança suas meias verde e branca cobrindo seus cambitos.
“Tomate” zagueirão do futebol de campo, rapaz das bochechas mais rosadas de todo o colégio, pegávamos no pé dele dizendo que ele passava ruge. De longe é claro!
“Pimenta” o mais fominha para jogar bola, sempre dizendo que faltava só um para inteirar os dois times para a próxima pelada. Dizem os fofoqueiros de plantão que é o dono desse relato: "Kennedy".
“Corujão” quase matava a gente de rir com suas histórias, quebrou quase todos os ossos do corpo e alguns mais de uma vez. Quase uma colcha de retalhos de tanto remendo!
“Boca de caçapa” deu um briga com o Marquinho dentro da Mafiza quando saímos para pegar araticum, mesmo sendo maior e mais forte saiu com os dois olhos roxos.
VII- Contribuição de Sérgio Borges
No ano de 1978 o galo tinha um time imbatível, dentre eles João Leite, Marcelo, Paulo Isidoro, Reinaldo, Cerezo, Ziza, e um zagueirão pé de boi chamado Márcio.
O time era invencível e chegara ao final do campeonato invicto para jogar contra o Sao Paulo, dois jogos e uma disputa de penalts sofrida, com este bendito zagueiro chutando a bola para fora do Mineirao....neste momento na enfermaria do juvenato a massa atleticana chefiada pelo grande Torquato, curtia uma cachumba daquelas. E a bola ao sair do Mineirão passou por aquela enfermaria derrubando todo mundo dos beliches, resultado todo mundo de cachumba descida....sorte que era tudo novinho ainda rsssssss.
Alegria dupla para os cruzeirenses rssss, de fora comemoravam nossa desgraça. O Formigão e seu rádio enorme, Sergio Getulio arrastando seu pneu e irmão Augusto dando pulinhos de alegria rsss.
Tempo bom não volta mais....até o galo ser campeão brasileiro de novo e desta vez sem cachumba....
Homenagem aos meus amigos atleticanos: Pinheirinho, Rui, Torquato, Wilsão, e aos meus amigos cruzeirenses também: Sergio Getulio, Formigão, Kennedy, Luis Célio, Irmão Augusto, etc,...rs
VIII- Contribuição de Sérgio Borges
O Estudo
Estudar no Juvenato não é para qualquer um, ainda mais porque a grande dificuldade creio eu era ter estudantes provenientes de todos os tipos de escolas, das mais simples da roça as melhores das cidades. O estudo do Juvenato sempre muito rigoroso e de boa qualidade, solução para isso era o salão de estudo tomando mais tempo nosso do que a aula do dia.
Nunca vou me esquecer de alguns colegas chorando de aperto na véspera das provas e os mais inteligentes tentando ajudar os outros.
Haviam três tipos de estudantes:
Os gênios: no meu tempo tinha alguns os quais não esqueço, entre eles: Rui de Piumhi era um craque das notas; Luiz Célio de formiga outro mestre nas notas; Itamar de Lambari muito inteligente, Marquinhos também de Lambari outro bom aluno. Havia outros, que me perdoem a falta de lembrança, estes aí nem precisavam estudar e ainda podiam assistir TV a noite. Privilégio somente para os bons e disciplinados alunos!
Tinham os que estudavam para passar de série, entre eles: eu (Sérgio Borges), Gideoni, Kennedy, Rinaldo, Sergio Getúlio, Tauer, a turminha que no final fazia para o gasto. Para mim as aulas de artes montando casa com palitinhos era um terror, preferia mesmo jogar futebol e se a vocação religiosa não tivesse batido mais forte naquele tempo, hoje teríamos mais um craque aposentado.
A turma da decoreba estes não vou citar nomes, mas a moçada se lembra de alguns decorando tudo ao percorrer o corredor e marchando nos pisos sem balançar muito a cabeça para o conhecimento não sair pelas orelhas. Na prova se saiam bem, mas minutos depois ninguém se lembrava de mais nada, pareciam que tinha até colado dos gênios citados acima.
Mas cada um com sua forma de ser acabou saindo vitorioso na vida, ao final é isso o que importa. Lembro-me que canteiro de verdura bem arrumado valia um ponto na matéria de ciências e era uma loucura pra ganhar este valioso pontinho. Um amigo nosso chegou inclusive a espanar as alfaces, supondo que seria naquele dia a conferencia dos canteiros. Achávamos mais fácil ter um bom canteiro de hortaliças do que tirar boas notas, rolava também um pouco de ciúmes uns dos outros quando éramos parabenizados pelos nossos amados mestres.
Não poderia deixar de citar os grandes professores: Irmão Augusto um catedrático, Irmão Francisco, Irmão Lucas, Dimas e Garcia que Deus os abençoe. Entre outros também o Irmão Joaquim Romão, não tive o prazer das aulas com Irmão Joaquim Mauricio, mas dizem que ele era muito bom também. Foi um grande mestre para nós o Irmão João Evaldo, enfim, uma infinidade de bons professores e seres humanos divinos.
Apesar de não ter citado o nome de todos que convivi naquele colégio, podem ter certeza que ficaram gravados para sempre em minha memória e em meu coração.
IX- Contribuição de Ivan Rodrigues De Oliveira
O Milagre dos Peixes
Nesse caso que vou relatar o Kennedy não estava, foi só para quem tomou recuperação, Taeur apesar de não ter tomado recuperação ficou mais tempo no Juvenato. No final de semana fomos para o rancho São José, como ele tinha uma tarrafa pequena fácil de jogar fomos eu e ele pescar logo pela manhã. Já estávamos pescando tinha umas duas horas e não tínhamos pegado nem um lambari, ele já estava exausto no bico da canoa, eu quase morto de tanto remar. Então o Tauer disse: _É a última tarrafada que lanço, se pegar menos de 10 peixes eu desisto. Pois bem, deu a tarrafada e veio recolhendo devagar, para nossa grata surpresa pegou 11 peixes, algumas tilápias pequenas, um mandizinho e lambaris. Conforme prometido continuamos a pescar, e não é que a sorte virou! Achamos um cardume de tilápias enormes, pegamos tantas que deu pra todo mundo almoçar e jantar, isso não é caso de pescador é verdade e eu sou prova viva disso.
Já que o Ivan me citou (Kennedy), eu juro que é verdade, antes desta pescaria foi a última vez que vi o lago de Furnas no seu nível máximo. Com a retirada de tanto peixe a represa despencou o nível e nunca mais se recuperou. Agora já sabem quem são os culpados!
X- Contribuição de Roberto Márcio(Borg) e Márcio Macêdo(Piranha).
Short Vermelho de Listras Brancas
Vou contar um causo que quando me lembro quase morro de rir, isso porque não tive a graça de presenciar, quem me contou foi o nosso colega Roberto Márcio de Oliveira, vulgo Barg. Aconteceu com nosso caro juvenista “Tinan”, narrado e presenciado por essa peça rara o Borg. Fato acontecido no dormitório do rancho São José!
Certa manhã a turma é acordada com o Tinan dando o maior espraio, mais nervoso que uma galinha choca pinicada de peru. Na noite anterior os juvenistas faziam algumas brincadeiras, escondendo e misturamos várias peças de roupas tipo: lençol, travesseiro, short, camiseta, meias etc. A graça era ver o cara chegar e ficar procurando sua cama e não encontrá-la, muitos ficavam horas para recolher todos os seus pertences e desmanchar os nós nas calças e meias. Vez por outra, todos ganhavam um castigo do Ir Mestre por causa dessas brincadeiras, mas valia a pena pelas rizadas.
O Tinan já havia procurado por um short por todo o dormitório, ele acordou todos os colegas e mexeu nas coisas de quase todo mundo sem o menor sucesso. Depois de muito xingatório, ele quase chorando bateu à porta do quarto do Ir. Paulo, que ficava separado dentro do dormitório. O Ir. saiu do quarto meio sonolento com aquela cara de bravo que todos conheciam, tentando entender o que estava acontecendo. O Tinan mal esperou ele abrir os olhos e começou com a lamúria.
_ Irmão fizeram sacanagem comigo, esconderam minhas roupas todas, deram nó em minha meia novinha e até agora não encontrei meu short.
O Irmão muito nervoso pergunta ao Tinan: _ Que cor é seu short? Quem tiver pegado é para devolver agora ou vai se arrepender!
O Juvenista chorando disse: _Meu short era vermelho com listras brancas, é muita ladroagem só usei três vezes! Agora consumiram ele, vou matar quem aparecer usando-o, eu juro!
_Quantos shorts dessa cor você tem?
_ Claro que só um irmão, foi minha madrinha quem me deu!
Nessa hora o Ir. PAULO lhe deu um cascudo pé do ouvido abaixo:
_Olha você está vestido com ele seu infeliz!
_Aí que dor, me desculpe Irmão.
Os expectadores quase desmaiaram de tanto rir e foi uma gozação só por muito tempo. Acredita que até o Ir. Mestre disparou a rir e escapamos de copiar dez páginas de dicionário como castigo.
Se alguém duvidar pergunta para o Borg!
XI- Contribuição de José Donizete
Kennedy, meu nome José Donizete Moreira, estudei no Juvenato de 68 a 73, sendo: (3 anos em Paraguaçu, 2 em Três Pontas e 1 em Marília). Sempre que encontro algum colega dessa época relembramos muitas travessuras, uma que não me esqueço é o ocorrido com os colegas Carlos e o Mateuzão.
Duelo de cabeças
O Mateus era muito ligado ao halterofilismo e vivia fazendo exercício de musculação, não era grande, mas era forte como um touro. O Carlos não tinha nada de forte nem era grandão, mas esperto que nem um coelho e mais fino que assovio de macaco. Em um domingo a noite vários colegas correram atrás de socorro dizendo que o Mateus estava lá na quadra desmontado.
_Mas o que houve perguntei?
_Resultado do desafio com o Carlos.
_Com aquele magrelo, que desafio foi este?
_O Mateus estava contando vantagem por ser forte, bem preparado fisicamente e comer muita salada. E o Carlos muito sacana como sempre estava na escuta e aproveitou para zombar na frente de todos:
_É Mateuzão esse físico seu não serve para nada, é só tamanho e safadeza, aposto que não aguenta uma cabeçada. Acho que essa parte do corpo dos dois era a única coisa que tinham mais ou menos o mesmo tamanho. O Mateus retrucou orgulhoso porque tinham vários colegas por perto e ele como o He-Man da turma não poderia ficar por baixo.
_Que isso Carlos, tenho até dó de Você, se eu lhe der um aperto faço você vomitar suas tripas. O Carlos então propôs um desafio inusitado para ver quem era o mais forte, que consistia no seguinte: ficar de frente um para o outro a uma distância de uns 8 metros e correrem para um encontro de frente de cabeça com cabeça. Nunca tinha ouvido falar em duelo humano de cabeças, a não ser no reino animal, só podia ser coisa de juvenista de miolo mole.
No mesmo momento desceram para a quadra de futebol e tomaram as posições. A plateia estava lotada e todos na maior empolgação, ninguém apostava nenhum vintém no gato seco do Carlos. Apareceu um juiz para dar o sinal de largada, e depois de explicar todas as regras começou a contar um, dois, três e “já”, lá se foram os dois na maior correria para bater cabeça contra cabeça. O choque foi um estrondo, o Mateus caiu para o chão como um saco de batatas e o Carlão só deu uma balançada, esfregou a cabeça e ficou de pé rindo. O que o Mateus não levou em conta era que o Carlinho tinha a cabeça mais dura do juvenato, sua cabeça mais parecia uma pedra ou melhor uma bigorna. O Mateus acordou uns 5 minutos depois na enfermaria com um imenso galo na testa tentando achar sua localização, o seu GPS parou de marcar sua posição na terra.
Depois do susto e algumas reprimendas do Ir. Mestre, o Carlos ainda teve a petulância de perguntar para Mateuzão se ele queria marcar uma revanche. O Mateus nunca mais quis saber de duelo de cabeças, o galo ficou em sua testa ainda cantando por mais de uma semana.
XII- Contribuição de José Donizete
Cachorrão O Poderoso Chefão
Outro fato que recordo aconteceu em Marília, lá residíamos no Seminário que ficava a algumas quadras do Colégio Cristo Rei onde estudávamos. Nossas aulas tinha início às 7:00hs e todos os dias levantávamos lá pelas 5:30hs, fazíamos as orações, tomávamos o café e íamos para o Colégio. Como sempre tem as turminhas inseparáveis, e a nossa turma gostava de um cigarrinho, a maioria das vezes um cigarro dava para alegrar vários fumantes. Um dia me lembro que indaguei se alguém tinha cigarro, logo apareceram uns dois. Faltava somente algo para ascender e logo apareceu o Cachorrão nosso colega um pouco mais velho e experiente com a solução e falou:
_Eu tenho! Outro seminarista perguntou:
_É caixa de fósforos? Ele foi logo dizendo na a maior zombaria:
_Oh burro eu sou macaco velho, é só os palitos, é bem capaz de eu carregar uma caixa cheia de fósforos fazendo barulho, se o Irmão Mestre me pega dá aquele castigo. Sorrateiramente enfiou a mão em um de suas meias e tirou vários palitos, todos ficaram encantados com aquele passe de mágica. Lembro que um dos colegas bateu palmas e disse:
_O Cachorrão é muito sabido, temos que elegê-lo com o chefe da galera.
Em nosso trajeto para escola, passávamos por algumas, que naquela época eram todas de madeira. O Cachorrão já empunhou o palito de fósforo e começou a riscá-lo na madeira de uma janela. E nós todos naquele zum...zum...zum, torcendo para que o palito incendiasse logo, cada riscada sem sucesso na madeira da janela todos davam uma risada. E não é que de um instante para o outro um homem abriu a janela xingando por ter sido acordando naquela hora. Quando viu que era a turma do Colégio foi logo falando:
_Turma de desocupados, vou lá no seminário falar para os Irmãos o que vocês estão fazendo, cambada de Maria Fumaça. Não tem outro lugar para vocês fazerem essa reunião pirotécnica! A turma toda correu e o coitado do cachorrão ficou estático sem saber o que fazer, então gaguejando falou para o homem irritado:
_Desculpa meu Senhor, não fale nada não eu que tropecei e segurei na tábua da janela pra não cair, nós não fumamos não, juro por Deus.
Por uma semana suspendemos o tabagismo e ficávamos todos apreensivos esperando a revista do Ir Mestre, ninguém tinha coragem de carregar o kit cigarro e fósforo. Não sei se o homem acreditou na versão do nosso poderoso Chefão ou ficou com pena dele. Por sorte não nos delatou para o Irmão Gil, nosso mestre. Dessa peripécia escapamos ilesos, mas o Cachorrão foi rebaixado a vira-lata.
XIII- Contribuição José Sebastião de Araújo
Cãozinho raivoso
Uma historia curtinha...
Por falar em salão de estudos, nos causos anteriores, lugar onde passávamos uma boa parte do tempo, principalmente os alunos que tinham dificuldades em algumas disciplinas. Quando chegava a época das provas os nervos ficavam a flor da pele, uns querendo estudar e outros atrapalhando a concentração. Me lembro de uma rixa entre dois colegas neste local, a confusão do Willian com outro colega que não recordo o nome no momento. Os dois galinhos de briga começaram a discussão no salão de estudos, se atarracaram um ao outro e depois foram embolados rolando para dentro da sala de TV e se espatifaram no meio de um monte de cadeiras. Derrubaram o que encontraram pela frente, pensa em uma briga feia, agora eleve ao quadrado! O saldo da pendenga foi que um dos colegas briguentos saiu com um baita buraco na camiseta e a pele da costela faltando um pedaço considerável, o outro chorando e com a boca toda cheia de sangue até parecia ter ficado sem alguns dentes, fato que não se comprovou. O Willian estava levando um bom esfrega e certa desvantagem nos primeiros rounds e depois de tomar um cruzado no meio da fuça meteu os dentes nas costas de seu oponente, arrancando um pedaço. Por isso, nos assustou quando apartamos a briga e o vimos com a boca cheia de sangue. Aquela mordida foi tão "raivosa" que o machucado demorou várias semanas para sarar, os demais roxinhos aqui e acolá desapareceram logo. Os dois juvenistas foram motivo de gozações por vários dias, principalmente o William que brigava puxando cabelo e mordendo igual uma menina!
Dom King perdeu uma das melhores lutas de sua vida e a possibilidade de ser empresário de dois possíveis campeões peso pena e mordedor igual o Mike Tyson.
XIV- Contribuição José Sebastião de Araújo
Kennedy vai mais uma historia aí!
Caçadores de Tatu borrachos
Certa noite, saímos do Juvenato para caçar tatu nos matos ao arredor do colégio, naquele tempo não era tão desmatado como nos dias de hoje e quase não tinham casas perto do colégio. Fomos em direção ao pomar e o cafezal que tinha lá naquele tempo. Entramos pelo pasto do vizinho e depois paramos no meio de outro cafezal, é claro que não vimos nenhum tatu para sorte dos bichinhos! A lua estava bonita e alguém teve uma bela ideia, já que nossa caçada não deu em nada, sugeriu:
_Quem vai até o restaurante do posto comprar um litro de pinga 51?
É claro que sempre aparece uns mais Caxias que os outros e tentaram nos fazer desistir. Mas a falta de juízo venceu ao final! Fizemos uma vaquinha e conseguimos o suficiente para pagar por um litro da branquinha. Logo uma dupla se apresentou para tal façanha de arriscar ir até o tal posto. O restante da turminha de futuros bêbados ficou no meio do cafezal, sentados em um grande monte de palha de café.
Passado algum tempo os dois voltaram com nosso prêmio, o litro passou de mão em mão, ou melhor, de boca em boca e logo já estava no fim. Alguns bocas de litro aproveitaram mais que os outros e logo já estavam alegres e quase virando super-homens. De repente, para completar o descumprimento de normas, alguém acendeu um cigarro e cismou de botar fogo naquele monte de palha. A turminha do deixa disso que estavam um pouco mais sóbrios começaram a travar uma luta para impedir tamanha arte. Depois de muita peleja para apagar os focos de incêndios acabaram-se os palitos de fósforos e a ideia incendiária perdeu força.
Como já era tarde reunimos a turma para voltar, com a caminhada o efeito da cachaça foi passando. Mas um não havia meio de um de nossos colegas melhorar. E agora o que íamos fazer com o "Busquinha", ele não melhorava, estava caindo de bêbado. Já estávamos chegando de volta ao pomar, próximo ao cemitério. De repente alguém teve outra ideia para tentar salvar nossa pele, vamos dar um banho no Busquinha na banheira do cemitério. Esta banheira sempre ficava cheia de água para regar as plantas, que ficavam em volta dos túmulos! A galera aprovou a boa ideia é o bêbado não tinha muita escolha, estava decretada a sentença do infeliz. E lá vai o Busquinha de roupa e tudo para dentro da banheira, estava bem frio e o dito cujo saiu de dentro da água tremendo igual uma vara verde. Logo ele foi melhorando, nossa carta de alforria já havia vencido e retornamos para o colégio.
O irmão Paulo estava esperando no alto da escada que ficava em cima da rouparia, com aquela cara de poucos amigos que muitos juvenistas conheceram e foi logo perguntando:
_O que é que aconteceu?
Alguém respondeu:
_O Busquinha correu atrás de um tatu dos grandes e na correria caiu em cima de um montão de bosta de vaca. Pra não vir fedendo para dentro, se lavou na banheira do cemitério.
Bom, se o irmão Paulo engoliu esta história de boi dormir eu não sei, só sei que não castigou ninguém naquele momento.
Nosso amigo Busquinha amanheceu com uma tremenda ressaca, e por um tempo não quis mais saber de caçar tatu. Ô tá bichinho que da dor de cabeça!
XV- Contribuição Isac Vilela
Contos do Juvenato
Colégio São João, Campanha - Segundo semestre 1965.
Faltam duas semanas para um dos maiores eventos festivos do Juvenato, somente para aqueles que tiveram bom comportamento e boas notas durante o ano:
A Troca dos Cruxifixos
Hora da refeição, se não me engano, almoço, estava em uma fila enorme do tamanho de minha fome. Pego alegremente minha bandeja de alumínio e aguardo minha vez de ser servido pela cozinheira (como gostaria de lembrar seu nome). Chegando, digo a quantidade de arroz e feijão e sou servido imediatamente e ela com aquele sorriso que lhe era peculiar. Sempre comentava algo com todos os meus colegas e tinha uma palavra especial para dizer a cada um. Acrescenta no compartimento próprio, mais a carne e uma porção de quiabo, Deus me livre disso, mas não, a ordem era todos comerem tudo que fosse colocado nas nossas bandejas. Tudo bem irei ao sacrifício do quiabo, pois o resto compensava e eu estava faminto.
Mas eis que surge de repente a figura do Irmão Mestre pedindo para eu esperar e plaft, colocou mais uma boa porção do bendito quiabo ao lado da primeira. Não entendi o motivo, meio desanimado, e desiludido com aquele suprimento extra, fui procurar meu lugar. A fila anda depressa e cada qual senta no primeiro lugar disponível à mesa. Gostava desse rodizio, pois o primeiro sentava no primeiro lugar e ai consequentemente todos iam se sentando até o ultimo, de acordo que o primeiro será o último da refeição seguinte, rodando a mesa com novos elementos.
Bem, almocei apressadamente, mas confesso inconformado com a atitude do Mestre, pois somente eu fui agraciado com a porção extra do bendito quiabo. Então, em um ato decidido e magoado por aquela injustiça ousei não comer aquela porção extra da iguaria. Diante dos protestos dos colegas, temerosos de que algo de ruim me acontecesse, até que um deles se dispôs a comer aquela porção por mim, o Abel, assíduo nos castigos também. E eu teimosamente recusei o nobre gesto do colega, pois estava desejando um confronto com o Mestre para esclarecer o real motivo daquela sua atitude que eu julgava injusta.
Saíram todos. Na saída formávamos duas filas, pois tínhamos que mostrar a bandeja vazia aos examinadores: irmão Paulo e outro que não me recordo o nome no momento.
Não me levantei, esperei ser chamado por um deles, fui chamado pelo Mestre, os outros já tinham se retirado. Com aquele olhar firme e sem sorriso nenhum (quem foi meu colega lembra e sabia o que significava aquele gesto). Tempestade na certa...
Ele começou me questionando se eu estava satisfeito com minha atitude. Naquele momento eu estava numa mistura de medo e respeito, mas como minha indignação era tamanha eu respirei fundo e dei a resposta de pronto:
-Eu simplesmente estou indignado e triste pela injustiça que o Senhor cometeu contra mim hoje.
No que, ele argumentou:
- Mas você está cometendo injustiça é com seus colegas, pois ontem você não comeu o Jiló de mistura.
E de pronto eu arrematei:
- Olha Mestre, eu disse ao Irmão Emilio antes de entrar no Juvenato que não comia jiló de maneira alguma. Daí eu achava que eu estava dispensado dele. E como nunca me disseram nada, continuei não o comendo.
Então o Irmão Mestre me fez uma proposta e argumentou com aquela velha ladainha sobre alimentos:
- O Jiló é uma comida dada por Deus, tem muitas vitaminas e faz bem para a saúde principalmente para meninos da sua idade e você deveria seguir os colegas e passar a comer.
Disse ainda com ar muito severo:
- Você só deve vir ao refeitório somente se for comer a porção do jiló que não comeu ontem e a porção do quiabo que você não comeu hoje.
Muito decepcionado argumentei:
- Isto é muito injusto, pois eu comi a porção do quiabo de hoje e eu vou ter comer mais uma? Nenhum dos colegas comeram duas porções?
Diante do silencio dele, ousei dizer que ia pensar nesta hipótese, com calma.
E aí veio a sentença que eu não queria ouvir:
_“Pense separado dos colegas: Só dormitório e Capela” (Era o castigo mais doloroso, ausência total do convívio com os colegas).
Enfim, ao final de dois dias (como eu não tinha ainda dado uma resposta ao Mestre) fui mandado à Granja de Galinhas poedeiras.
Nota: Na atualidade, vários colegas e Irmãos não se lembram dessa Granja. Eu não sei se era alugada ou se era do Juvenato, mas sua localização era no final da trilha que vinha da horta de verduras. Ou seja, na extremidade do terreno do Juvenato, à direita para quem estava na horta. Tinha um pequeno pomar, se não me engano uma laranjeira, uma mexeriqueira das enredeiras, uma romãzeira, uma touceira de bananeiras e uma mangueira. (Estas eu tenho certeza, pois quando em castigo, eu as visitava). Tinha não sei se casa ou barracão, onde ficava a ração e os ovos após serem colhidos. Tinha um portão ou porteira que por ali se retirava o estrume das galinhas.
Pois bem, voltando ao relato, como eu disse fui mandado para lá por volta 8.30 da manhã por um Irmão, para ajudar o trabalhador que cuidava da Granja recolher ovos, tratar e limpar.
Em um determinado momento o trabalhador me disse:
-Vou me ausentar e alguém do Juvenato irá trazer marmita para você, lá pelas 11h30min. Não saia daqui por motivo algum e continue a fazer o serviço.
Como sempre obedeci. Tudo estava razoavelmente bem, apesar do serviço requerer força que eu não tinha, agilidade e perseverança que começou a falhar com a demora da chegada da marmita. Eram 13.00 e a fome apertava... Comecei a pensar que eles tinham se esquecido desse detalhe, o meu almoço!
Fui ao pé de romã e colhi uma que parecia madura, parti e estava mal granada, comi assim mesmo, amargava feito fel. Esperei mais algum tempo e nada... Fui às bananeiras e não tinha nada. Já estava a ponto de comer ovos crus, quando deparei com uma manga bem madura bem à minha frente. Nada que uma boa pedrada não a fizesse cair. Mas por um instante titubeei e comecei a refletir: “como aquela manga estava lá? Saliente, madura e o caseiro não a apanhou? Hummmm pensei, tem treta aí! Mas a fome falou mais alto que a razão. Peguei o canivete do rapaz, apanhei a manga e na primeira canivetada, sinto como se alguém me olhasse, levantei o olhar e lá estava o Senhor Irmão Mestre, com os olhos fixos em mim e semblante fechado. Foi um dos sustos maiores que eu levei em minha vida, não sei por que assustei tanto. Mas por ironia comi a manga de raiva ou de susto, não sei! Voltei para dentro da Granja, não sabendo o que fazer, e o Irmão Mestre neste momento me disse:
- Vá para o Juvenato, tome banho e depois siga para a Capela e reflita sobre esta má atitude ou erro cometido.
E então me dirigi ao Juvenato, bem devagar, e nesse momento senti ânsia de vômito. Tive a sensação que o Irmão Mestre estaria bem atrás de mim me seguindo, apressei o passo. Mas não, tudo não passou de cisma, ele não estava me seguindo, não sei onde ele foi parar.
Como ele disse, fui e tomei o meu banho, frio por sinal.
Quando estava me preparando para ir à Capela, sentindo muita ânsia e vertigem ao ponto de desmaiar, eis que surge o irmão professor de música, se não me engano seu nome era Edmundo, veio ao meu encontro e quis saber o acontecido para estar passando mal daquele jeito. Eu contei a ele, mas por alto, não entrei em detalhes e relatei o enorme susto que eu tinha levado. Ele me levou à enfermaria e me deu não sei o que, me deixou deitado lá e saiu. Passaram-se uns 40 minutos e dormi durante este tempo. Depois deste intervalo ele voltou e me mandou ir para o refeitório e não para a capela. Chegando lá a cozinheira conversou bastante comigo, me acalmou e tomei uma espécie de caldo. Depois disso, fui ao dormitório, deitei e só acordei no dia seguinte ainda vestido (arriado como diz no linguajar popular), com o Irmão professor de música me acordando e verificando se eu estava bem. Como eu estava legal, (fiz minha higiene pessoal e matinal) desci com ele para o refeitório, lá tomamos café, um pouco depois chegaram os colegas.
Apreensivo, meio afastado ainda, esperava o almoço para ver o que ia acontecer, se ia ser incluído na turma da marmita ou na turma da bandeja misturado a todos. Nesse dilema conversei com Jesus sobre o meu caso, pelo ato de pegar frutas sem ordem. Isto era falta grave, e eu ali me sentia injustiçado para ser mandado embora. Pedi a Ele que me desse calma e palavras certas para quando fosse conversar com o Mestre.
Por falar em Mestre ele não apareceu para o almoço, veio em seu lugar o Irmão Luiz e me chamou para a fila.
Ufa, aliviado peguei minha bandeja e peguei a comida... Todos me olhavam com ar de pena ou de curiosidade, detalhe importante: Não tinha quiabo e nem jiló. Lembro-me bem, arroz, feijão, dois ovos fritos e chuchu. (Até hoje é meu prato predileto). Naquela hora, era o manjar dos deuses. Obrigado Jesus, obrigado Juvenato, obrigado Irmão Mestre. Acabou o castigo e fui reintegrado a turma. Após este dia, não tive oportunidade de estar a sós com o Irmão Mestre e este nem me dava grandes oportunidades para tal.
Chegou enfim o dia da reunião prévia para avaliação dos Juvenistas pelo Irmão Mestre.
Ele disse que a avaliação partiria da própria pessoa dizendo diretamente e em voz alta e de pé à ele, o contrário do costumeiro. Nomes foram colados nos assentos, o meu na primeira fileira. E começou do fundo da sala para frente dizendo:
- Fulano porque você merece o crucifixo?
- Tirei boas notas, não fui castigado nenhuma vez, não dei motivo para ser repreendido por nenhum Irmão.
- E você ciclano?
- Mereço por isso e por isso... e assim por diante até que...
Enfim só restava um Juvenista. Quem? Eu!
Não olhei para ninguém, respirei fundo e rezei um instante,fui falando pausadamente e com mansidão:
- Fui uma pessoa razoável, tirei notas médias, não tão altas como gostaria e nem tão baixas que atrapalhasse o meu desenvolvimento. Obedeci cegamente todas as ordens de meus superiores, inclusive àquelas que eu tinha certeza que não eram as mais corretas e executei os serviços que eram próprios ou impróprios para minha idade. Felizmente, por pena me neguei a matar os coelhos, pois como tratador na maioria do tempo, não tive coragem de fazer isto e nem tirar suas peles.
Isto deixou o Irmão Paulo muito nervoso no dia e após isso passou até a me ignorar.
Nota: Esse Irmão Paulo vivia desfilando perante nós Juvenistas, com um cachorro pastor alemão que recebia ordens somente em alemão e para desespero nosso este Irmão gostava de fazer terrorismo jogando a fera sobre nós. Vivia me dando “coques” e “rosquinhas” dolorosos o que me deixava muito irritado, para sua enorme satisfação.
Chegou o dia da distribuição dos crucifixos!
Para surpresa de muitos eu fui agraciado com o Crucifixo.
Até hoje penso na intervenção de Deus e do Irmão professor de música. Eu acho que o nome deste meu anjo da guarda era Edmundo.
Passado uma ou duas semanas após este episódio dos Crucifixos, estávamos limpando um terreiro retirando algumas telhas velhas de um canto e um escorpião me picou. Eu me lembro que alguém capturou o bicho e era dos mais venenosos e o colocaram em um vidro. O Irmão Mestre correu comigo para o Hospital ou posto de saúde, não me lembro bem, acompanhado do bicho no vidro. Cheguei bem grogue pela intensidade da dor. Fiquei internado por 48 horas, que era o usual para picada de animais peçonhentos, com febre altíssima. Nas primeiras 24 horas o bicho pegou, apesar dos analgésicos a dor não passava de jeito nenhum, eram muito intensas e às vezes eu até saia do ar. E quem ficou ao meu lado dia e noite enquanto me contorcia em dores? O Irmão Mestre! Ali ele foi além do Mestre, minha mãe, meu pai, meu irmão, meu colega, meu amigo.
Após 50 anos desse episódio, eu me emociono quando lembro do carinho e do cuidado especial que ele a mim dispensou naquelas horas terríveis. Foram cuidados de um pai ou de uma mãe. Não arredou pé do meu lado até eu ser dado como fora de perigo. Abandonou tudo e todos para ficar com o mais necessitado do momento. Com este gesto, se apagou a enorme mágoa e o sentimento de perseguição que eu sentia por ele no episódio da comida e da bendita manga.
Nota final: Este episódio da manga me marcou muito em minha vida. Passei vários anos sem comer sequer uma manga e ao olhar para uma me dava arrepios. Fiquei traumatizado. Chegava a passar mal somente em sentir seu cheiro. Sempre desejei após a minha saída do Juvenato um reencontro reservado com o Irmão Mestre, queria explicar ou comentar o caso, pois na época não tive ocasião para tal. Eu nutrira com isso um sentimento de libertação, pois eu, ao meu modo, o amava como eu amava meus pais, e, parecia, neste episódio da manga, que eu o tinha ofendido imensamente.
XVI- Contribuição Isac Vilela
EM BUSCA DE RESPOSTAS”
Colégio São Luiz, Três Pontas - Irmão Mestre Marcelo - ano 1966.
Era uma quinta feira e a ordem do Irmão Mestre era: “Todos se preparem para amanhã bem cedo, com alguns pertences a tiracolo esperar em frente ao colégio, para rumarmos para o Rancho São José. Vamos ficar alguns dias por lá”.
Algazarra total! Começamos a nos preparar. Será o que vai ter por lá? Vamos a trabalho ou passeio? Indagações...
Chegando lá veio a resposta: Fomos a passeio. Que delícia! À beira do Lago de Furnas e toda aquela água só para nós. Não, não era só para nós, mas para os juvenistas de Paraguaçu, alguns outros vieram de Marília e os demais de uma cidade que não me lembro agora.
Chegamos bem cedo empoleirados no caminhão cor bege Chevrolet, que sempre fazia o transporte de alunos, apelidado pelo Marcos Paim de pau-de-arara. Fomos cumprimentar os que já estavam lá. A maioria bem mais velhos do que nós, perto deles, nós éramos crianças. O dia foi uma festa! Algumas ordens a cumprir e depois todos foram se divertir ao seu modo.
Antigamente precisávamos de muito pouco para ser feliz. A maioria se contentava com pouca coisa e tinha quase nada. Uns pegaram os barcos que eram pesadíssimos para nós de Três Pontas, para outros juvenistas de outras cidades nem tanto. Formaram disputadas corridas de barcos e outras brincadeiras.
No outro dia, depois da partida de futebol (pelada), a meu convite, minha turma foi tomar banho a beira da represa. Estava o Pedro Paulo, de Piumhi, o melhor goleiro de todas as turmas,que eu já tinha visto jogar, Nereu ponta direita muito veloz e habilidoso, Abel, o gênio, Paulo um menino alto, forte e meio aloirado que se dizia o mais bonito da turma. Moacir, um bom centroavante, seu chute era comparado à minha bicuda. O José Nilson, este era o certinho da turma, para ele tudo estava bom e era bom. O Itamar, o mais leal da turma. Por fim eu, este que vos fala humildemente, o Raimundo, estopim curto da patota e teimoso como uma mula. Tinha outros que não me lembro os seus nomes, mas pelo que podem ver só dava craque!
Estávamos ensaboando com o meu sabão, objeto valioso naquele tempo e vale lembrar deste kit limpeza que era composto de: 1 sabão, 1 rolo de papel higiênico e 1 tubo de pasta dental entregado por mês pelo nosso Irmão Mestre. Se acabasse o Irmão nos dava outro, mas com sermão de economia, por isso todos economizavam para evitar a reprimenda vergonhosa. Muitos gastavam todo papel e o sabão e no fim do mês iam filando dos demais para não passar pelo sermão do Irmão. Eu sempre economizava tudo, era bem pão-duro em tudo e sempre tinha alguns pedaços dos outros meses de sobra.
Bom, voltando ao relato, como disse, estávamos nos ensaboando e quando fomos lavar o corpo, a água na rasura estava barrenta impedindo a boa limpeza. Tínhamos que ir ao flutuante que estava mais distante da margem. Para ir até lá mais rápido tinha que ser nadando. Alguns como eu, não tinha muita destreza nessa modalidade e só chegamos lá com muita dificuldade. E ainda, tinha que cuidar do sabão que não podia se perder.
Uma vez no flutuante, que já estava ocupado por alguns dos grandões de outros colégios e alguns pequeninos do nossos colegas de Três Pontas, um deles era o Marcos Paim de minha cidade. Acho ainda, que o João Batista, hoje Padre João também estava lá, apesar dele não se lembrar, dentre outros que eu não me lembro seus nomes.
Na nossa chegada, os pequeninos se assustaram bastante quando subimos no flutuante, que quase virou com as ondas formadas. Quando estabilizou, os grandões, juvenistas adultos de outros colégios, foram para a beirada do flutuante e começaram a emborcar o lado, satisfeitos em passar medo em todos que estavam do lado de cá, nós e os pequeninos. Como eu tinha o estopim curto, comecei a esbravejar. Entre nós e eles formou-se uma discussão. O Paulo que era o mais forte de nós empurrou o mais danado da outra turma que caiu na agua. Raivoso, subiu novamente no flutuante e simplesmente fez flutuante gangorrar até o ponto de virar por completo, jogando todos na água. Que perigo, meu Deus do céu! A maioria de nós não sabia nadar quase nada, estávamos aprendendo por aqueles dias em um clube na cidade de Três Pontas. Eu só me lembro, que uma vez na água profunda, uns 2 a 3 metros de profundidade, eu senti uma ou duas mãos me agarrar o pé. Mas que depressa, desvencilhei daquelas mãos e comecei a nadar, com todas as forças que tinha. Detalhe: nadei em sentido contrário a margem sem perceber, até que surgiu uma galhada na minha frente e eu a agarrei, pois estava sem forças naquela altura. Consegui subir no galho e este meio que afundou novamente na água, mas não quebrou. Obrigado meu Deus!
Quando consegui me ajeitar naquele lugar com todo cuidado para não quebrar o tal galho, aproveitei para descansar um pouco, respirei bem fundo, recuperando minhas energias. Estava com muito frio e com um pouco de cãibras. Olhei em volta tomando ciência de onde eu estava, a procura da margem e do flutuante. Quando o vi pensei: “deve ter morrido muita gente”, pois muitas pessoas estavam mergulhando e com varas e bambus perscrutando o fundo da represa, a procura de alguém. Comecei a gritar, mas o vento soprava contra e não me escutaram. Gritei, acenei com um dos braços e exausto, parei.
Mas Deus, na sua infinita misericórdia mandou um anjo na pessoa de um canoeiro, que passou por perto e me viu ali dependurado e batendo queixo. Literalmente ele me pegou no colo e colocou-me deitado no fundo da canoa, duro de frio. Dirigiu-se imediatamente ao flutuante chegando até a margem. Ao nos ver foi uma festa, pois estavam procurando simplesmente eu, que era o único desaparecido. Detalhe, o meu sabão não se perdeu, ficou no bolso do meu calção.
Os tais grandões que viraram o flutuante correram em minha direção e foram os primeiros a chegar ao encontro do canoeiro e eu. Pegaram-me das mãos deste e com um cobertor me enrolaram, como que com aquele gesto fossem isentar dos seus próprios erros. Deitaram-me em um outro cobertor e ficaram me aquecendo até que o Irmão Simeão chegou e deu ordens para que me levassem para dentro, pediu leite quente com canela com urgência, e deu-me para tomar e aí começou o interrogatório sobre o ocorrido.
Por precaução e pensando no empurrão dado pelo Paulo, não entreguei ninguém, claro. Simplesmente disse que o flutuante virou por excesso de pessoas.
Ufa! Com um olhar sorrateiro os grandões, os juvenistas adultos de outros colégios, sorriram e saíram aliviados, escaparam com certeza de uma grande punição.
Meus colegas me repreenderam bastante cobrando minha delação, mas eu disse que precisava nos livrar daquele sentimento de ódio, pois o futuro era incerto e eu nunca fui de entregar mal feito dos outros. Preferia assumir a culpa sozinho que entregar alguém. Por causa desse episódio, de me recusar a entregar os grandões, houve um racha entre nossa turminha.
Minha turma realmente, não compreendeu que se eu entregasse os verdadeiros culpados teria que relatar o empurrão que o Paulo deu no Juvenista grandão, o qual caiu e depois virou o flutuante de vingança...
Acabou o feriado para os pequenos, ficando o feriado só para os grandes. A Turma retornou no dia seguinte a Três Pontas, menos eu.
Irmão Simeão retornou a Paraguaçu comigo a bordo de um fusca, à contra gosto do Mestre, que não aceitou de maneira alguma a atitude do Simeão de me levar com ele.
Chegando comigo ao Juvenato dispensou os outros e me levou ao hospital para que o médico pudesse fazer uma avaliação sobre o meu estado de saúde. Eu estava muito sonolento e mole, ao contrário do que eu era.
O Irmão Mestre, lá mesmo no Rancho, de manhã, antes de sairmos, me passou uma reprimenda daquelas, me acusando como se eu fosse o culpado do ocorrido e maldosamente me acusava de dengo ou manha após o ocorrido.
Enfim, sai do médico e retornei ao Colégio de Paraguaçu muito quieto, lembrando das palavras do Irmão Mestre e pensando nos amigos mais chegados: Paulo, Itamar, Abel, Pedro Paulo, Moacir e José Nilson. Alguma coisa se quebrou entre nós naquele dia.
Voltei ao Juvenato de Três Pontas uma semana após este incidente. Os amigos de outrora não eram os mesmos, cessaram as piadas e brincadeiras e até as fofocas. Entre nós acabou aquele diálogo espontâneo, somente falávamos o necessário.
Comecei aproximar de outros colegas mais assiduamente devido o motivo daquela indiferença dos mais chegados. Procurei amizade com outros, entre eles o Domingos (Dominique), o queridinho do Ir. Mestre, o qual sempre fora o vice-campeão de Pingue-pongue, pois o campeão sempre era eu. Outro foi o Sebastião Vieira que às vezes frequentava a turma, se aproximou mais de mim começou a jogar ping-pong comigo e o Domingos. Logo se tornou um bom jogador, vindo mais tarde, a me derrotar numa semifinal de campeonato do Juvenato. E ele disputou a final contra o Domingos. Neste campeonato Domingos sagrou-se campeão pela primeira vez nos últimos anos. Sebastião Vieira, de Itapeva foi semifinalista e vice-campeão. Pude revê-lo na pousada do Rio das Pedras a dois ou três anos atrás, em um reencontro de Juvenistas promovido por Liberado Claudino, o nosso Irmão Liberato, Mestre em Campanha, hoje casado com D. Ana Maria, uma pessoa de ouro.
Alguns meses depois do episódio, infelizmente fui “convidado” a sair do Juvenato pelo Ir. Mestre sem explicação,mesmo tentando saber o motivo ele alegava que eu sabia o porquê e confesso, eu não sabia nada, apenas desconfiava de algo muito maior que o incidente do lago. Como teimoso que era me recusava a sair daquela forma, às 5h30min da manhã, sem despedir de ninguém e sem devolver uns selos que compartilhava com um colega, que não me lembro do nome. Ainda argumentei com ele a necessidade minha de terminar o ano letivo, pois seria um transtorno muito grande àquela altura do ano trocar de colégio, até poderia perder o ano. Propus ficar apenas como estudante trabalhando para meu sustento. Propus ainda ir a Paraguaçu reivindicar junto ao Ir. Simeão a minha permanência lá até terminar o ano. Foi-me negado veementemente com um sonoro NÃO... Inclusive disse que só saia de lá acompanhado de meu pai ou um parente, o que ele me respondeu que meu pai estava me esperando em um tal lugar e que não havia necessidade nem dele me acompanhar. Mesmo assim recusei. Outros Irmãos vieram me convencer. Depois disso, aceitei o despejo e a contragosto parti. Foi a maior decepção da minha vida as atitudes destes Irmãos por me negarem qualquer apoio naquele momento.
Outro Irmão, que eu julgo ser o Luiz ou o Antônio ou o Gabriel, me levou à Rodoviária. Pelo caminho fui questionando sobre o real motivo de minha saída, mas se esquivaram e silenciaram. Fui pensativo em meu trajeto, lembrei-me que não tinha tomado o café da manhã ainda, mas àquela altura não importava tanto...
E na fritada dos bolinhos, constatei a falsidade do Irmão Mestre, pois meu Pai não me esperava em nenhum lugar. Aliás, ele e ninguém, sabiam de nada. O susto da minha chegada foi tão grande que meu pai enviou uma carta ao Irmão Emilio questionando sobre minha saída repentina do Juvenato. Achou inconcebível eu ser devolvido sem aviso e sem explicação, uma atitude grosseira e maldosa, indigna de uma instituição séria.
A única resposta que meus pais tiveram era que eu sabia o verdadeiro motivo, mas até hoje não compreendo a minha saída injusta. Eu gostaria de ter tido respostas, o que me foi negado quando o questionei cara a cara... Meus pais sempre me questionaram por isso, o que me levou à maior depressão e tristeza da minha vida.
Na Época, cogitei voltar a Paraguaçu e questionar diretamente ao Irmão Simeão, mas devido à minhas condições financeiras precárias não pude faze-lo. Hoje me arrependo bastante por não ter feito o esforço de voltar ao Juvenato. Devia ter pedido dinheiro emprestado, pegado alguma carona, enfim, mover montanhas e ir de qualquer jeito para entender o acontecido.
Nota: Vale observar que o incidente do Rancho, com o tempo foi sendo esquecido. Não se falava mais no assunto...Mas o Ir Mestre as vezes me evitava.
Em torno de mais ou menos três meses, já no final do ano, foram saindo um por um dos colegas mais chegados a mim...Uma semana um, outra semana dois, outra semana mais dois... Ao questionar diziam que eles tinham pedido a saída, mas como? Ninguém se despedia de ninguém, saiam na calada da noite. Iam dormir e não amanheciam...Confesso que era um tanto dolorido, uma melancolia na alma, um sentimento de vazio, acordar e ver só um colchão solitário, a cama vazia sem ninguém.
Sendo justo ou não constatando pelo meu caso, fica fácil adivinhar que fomos extirpados de lá por birra e pura teimosia do Irmão Mestre, ou ainda será que ele percebeu que nenhum de nós tinha vocação para carreira religiosa?! Duvido até hoje dessa hipótese.
Ainda assim valeu muitíssimo a pena conhecer e conviver com os irmãos e juvenistas, por isso sempre que tenho oportunidade quero reencontra-los. Ser juvenista deixou marcas boas e profundas em nosso DNA para sempre! Afinal, minha adolescência foi vivida ali, com alegrias e tristezas, mas após o Juvenato tive que virar adulto de um dia para o outro, pois a readaptação à família com treze irmãos foi traumática e dolorosa.
Anderson “Paulistinha”.
Olá amigos...
Ainda moro em Americana/SP e trabalho há 27 anos como agente fiscal de rendas. Depois que saí da Congregação permaneci em Ponta Grossa, onde me formei em Economia. Depois voltei para cá, onde estou até hoje. Casei-me e tenho um filho de 21 anos. No meu tempo livre administro o site <www.plantaofiscal.net> e garimpo algumas revistas em quadrinhos anteriores a 1970.
Bom, no Juvenato, eu não era grande coisa no futebol, mas por teimosia ainda continuo jogando. Só que agora reúno uns amigos “seniores” e há vários anos conseguimos torturar a nós mesmos e a bola. Depois de ter rompido alguns ligamentos me restou o gol e é prá lá que vou às segundas-feiras. Tudo isso para dizer que vi algumas fotos postadas no “grupo juvenato” e algumas histórias postadas pelo Kennedy que me fez recordar dos muitos amigos que fiz.
Se me permitem vou contar algo que me aconteceu no Pio X, em Marília.
EU E OS CAJUZINHOS
1981. A dona Irma, nossa cozinheira – me perdoem se errei o nome - estava preparando os doces para o aniversário de um dos irmãos, do Irmão Tião, se não me engano.
Ela preparava os doces, do tipo “cajuzinhos”, e guardava as coisinhas na residência dos irmãos. Não me lembro que horário era, mas, em todo o caso, acabei encontrando o Benjamim, de Ivaiporã/PR, no corredor. O danado estava comendo uns doces e não quis me dar, porque segundo ele era só entrar lá na casa dos irmãos e pegar. Se eu quisesse que entrasse lá...como ele fez!
Eu era meio cagão, mas com dezessete anos já estava ficando corajoso. E fui!
Disfarcei e entrei na casa, com o c...não mão. As bandejas com os cajuzinhos estavam em cima da geladeira na sala dos fundos. Eu fui pegando. Acho que foram um dez...dois na boca, dois no bolso da camisa e três em cada um dos bolsos da calça, mais ou menos por aí.
Quando estava para sair, escutei alguém chegando e entrei na primeira porta...era o banheiro.
Escutei a Dona Irma gritando: - Meu Deus do céu! Acabaram com os docinhos. O que eu vou fazer!!! (Não era verdade. Ainda tinha sobrado um bom tanto - eu comi alguns, o Benjamim comeu outros, mas penso que mais gente comeu também)
Continuando...no que ela gritou, alguém respondeu:
- Eu sei, eu sei Dona Irma. Só estou esperando um safado sair aqui de dentro.
Era o Irmão Zé Walter - nosso mestre naquele ano.
Aí não teve jeito. Fui comendo e dando descarga, comendo e dando descarga...até acabar com os meus cajuzinhos.
Quando saí o Zé Walter tava lá porta, puto da vida!
Ele me deu umas chacoalhadas e me proibiu de por os pés lá dentro. Acho que no fundo ele teve vontade de me dar umas porradas, mas se conteve com a graça de Deus.
Eu bem que achei que minha “carreira” estava no fim, mas não, ainda fui até o noviciado. O Zé foi muito gente boa! Diferente do Irmão Paulo Dutra que um dia me deu um soco nas costas, às 7 horas da manhã, em Paraguaçu que o “zóio” deu duas voltas para retornar no lugar. :-]]]
Um abraço a todos.
Anderson
andersonatel@zipmail.com.br
XVII - contribuição de Rogério Caproni
Cachorro do mato!
O Rancho São José foi palco de várias histórias engraçadas vividas pelos Juvenistas.
Uma tardinha os cães do Rancho acuaram um cachorro do mato e nós corremos para ver o que estava acontecendo. Depois de um corre corre danado, cerca daqui, cerca dali e muita gritaria o bichinho acabou morto nos dentes do Fred. Ou será que os Juvenistas mataram o cachorro a gritos? Como não éramos de desperdício e não tinha com ressuscitar o cãozinho...
O Busquinha tirou o couro, limpou e o Ir Paulo temperou no capricho. Acendemos uma fogueira e botamos o infeliz para assar, foi ajuntando bastante gente em volta do braseiro.
A maioria da turma dizendo que não tinha coragem de comer, mas o cheirinho não estava nada ruim. Depois de algum tempo ficou pronto e os ânimos foram se exaltando, em poucos minutos o cão sumiu. Eu estava meio receoso com o banquete e acabei pegando só um pedacinho, quando percebi que estava danado de bom já era tarde de mais.
O tirador de couro achou que tinha direito de um pedaço maior que os outros, porém alguns colegas queriam que ele dividisse. Partiram pra cima do Busca e sua paleta de cão, nunca vi um menino correr tanto na vida. Parecia que estava defendendo um tesouro, acho que engoliu tudo sem mastigar e o osso também desapareceu.
Moral da história quem come perna de cachorro não para de correr, por isso no futebol ele corria tanto.
Eu também padeço do mesmo efeito colateral, tenho certeza que o pedacinho que comi era da pata do animal. Vou andar de bike as pernas não querem parar antes dos 50 km e sempre tem um cachorro correndo atrás de mim, no futebol até hoje sou o primeiro a chegar e o último a ir embora. Posso até correr errado, contudo continuo correndo.
Será que fomos amaldiçoados pelo corre corre da espécie?
XVIII- Contribuição De José Maria Ferreira
Beiços de Pato
Aconteceu no Rancho São José em Paraguaçu, personagens: Zé Maria, Duarte e o Adair (vulgo Portó).
Estávamos passando um fim de semana no rancho e, como todo bom garoto, patrulhávamos (toda) a redondeza em busca de aventuras, frutas, peixes, pássaros ou algo com que se divertir. Pegamos uma canoa e atravessamos um braço da represa de Furnas rumo a uma ilha que ficava em frente ao rancho, onde tinha uma mata bem fechada e muito o que desbravar. E lá fomos nós os três destemidos jovens bandeirantes. Andando pelas trilhas encontramos uma colmeia bem grande e decidimos que a noite voltaríamos pra tirar o mel. Éramos três adolescentes por volta de uns 14 anos de idade, como no colégio interno quase não tínhamos balas e chocolates, aquela doçura iria cair muito bem. Convencemos o Irmão mestre a permitir nossa aventura e todos os outros colegas também ficaram sabendo o que faríamos. Assim que escureceu preparamos as ferramentas necessárias: balde, bacia, lanterna, fósforos, facão, etc. Roupa própria para manusear abelhas é claro que não tínhamos, ia ser com a cara, coragem e a vontade de comer mel. Chegando lá fizemos a fumaça para atordoar os insetos e abrimos um buraco no tronco onde estavam as abelhas e o cobiçado tesouro. Uma zoada aqui, fumaça no olho acolá e umas abelhas enroscando no cabelo, mas saímos ilesos de nossa missão até então. Deu tudo quase certo e conseguimos muito mel, aqueles favos branquinhos carregados com o precioso néctar. A vontade de devorar aquele produto delicioso era tanta que ali mesmo começamos a consumir o que coubesse em nossas barrigas. Do outro lado tinha uma turma esperando para devorar o que sobrasse de nossa conquista. Enchemos as vasilhas e colocamos na canoa, porém o Duarte ficou muito empolgado e tem aquele velho ditado que diz: “Quem nunca comeu mel, quando come se lambuza”. Ao colocar um pedaço de favo na boca, não viu que tinha uma abelha no meio e levou uma ferroada em seu lábio superior. Quase virou a canoa de tanta dor e susto, além de cuspir mel em nós. Narrando este fato lembrei de uma brincadeira: “Abelha abelhinha me dê mel na boquinha”, no caso foi um zangão que cuspiu mel na gente. Quando chegamos no rancho com nosso tesouro e na claridade da luz, o lábio do nosso amigo já estava inchado e ficou muito engraçado parecendo um pato. E como nossa especialidade era zoar os amigos, rimos e fizemos a maior chacota com exterminador de abelhas. E diga-se de passagem, naquele tempo ainda não tinham inventado o bullying, e todos nós tínhamos apelidos e alguns bem preconceituosos. Engraçado que quem não tinha apelido e não era sacaneado sentia-se excluído da turma. Ele ficou o final de semana daquele jeito e aturando as brincadeiras da turma. Na missa, domingo à noite, em Paraguaçu, ninguém viu o Duarte. O Juvenista não deu o ar da graça, acho que preferiu fazer suas orações a sós. Pagaríamos caro para ver nosso amigo rezando em voz alta o “Pai Nosso” com aquele sotaque de bico pato!
Kennedy Pimenta 🌶