PANELA VELHA É QUE FAZ COMIDA BOA
Ele era um homem interiorano, compleição robusta, introspectivo, que gostava muito de mulheres. Havia tido algumas delas e uma meia dúzia de filhos. Trabalhara grande parte de sua vida na lavoura – cuidando do gado e plantando alimentos.
Mais tarde mudara-se para a cidade. A vida rural não mais lhe agradava. Queria ver gente, trabalhar com o urbanismo tão decantado na zona rural.
De posse de uma confortável morada, carro e um boteco bem perto da residência para defender o sustento, tudo melhorou. Até uma companheira, ele arranjou. Vida nova!
Senhor respeitado, querido por todos, além do boteco, onde ele vendia de tudo, principalmente uma pinguinha que servia para reunir os amigos nas tardes sombrias. A fronde de uma grande árvore servia de teto para as mesas sempre ocupadas, na frente do seu comércio. Era uma casa de amigos.
Em noites de lua cheia, os raios filtravam-se pela ramagem, fazendo rendas no chão. As estórias se multiplicavam e a ingestão da famosa cervejinha também. Seu Zeca era feliz assim.
Para ele, mulher tinha de ser recatada. Teria sido feita para o serviço doméstico e para servir o patrão. Uma boa parceira para o sexo entre quatro paredes, nos moldes de total satisfação. Demonstrações descabidas, nem pensar. Era falta de respeito.
Morando numa cidade do interior, devidamente acompanhado pela patroa, tinha por vizinha uma viúva, que costumeiramente subia num tamborete para alcançar o muro e bater longos papos com o Seu Zeca. Ora, sobre plantas, ora, sobre comidas, doenças, remédios caseiros, carestia... Sempre assuntos rotineiros na ordem do dia, ao que ele ouvia com atenção, esboçando sempre um sorriso matreiro, meio sem-vergonha, daqueles que dizem mais do que o necessário.
Na mente bailavam-lhe pensamentos vários, atrevidos, faceiros, em que a libido povoava-lhe o coração e o instinto de macho, embora já contasse umas sete décadas de vida. Não obstante isso, considerava-se um garanhão e gabava-se da prole que trouxera ao mundo. Costumava repetir: Na minha casa era igual oração de São Bento: "um pra fora, um pra dentro e outro no pensamento".
Após cada bate-papo, tendo por palco o muro que dividia as duas residências, Seu Zeca prometia a si mesmo: Ainda pego essa dona!!! Ela vai gemer nos meus braços. E isso foi criando formas, virando uma obsessão, uma vontade danada de se acasalar com aquela viúva meio atrevida, para ele que era retrógrado e não admitia mulher direita conversar com homens.
Uma gostosa tormenta. Pegava-se sempre pensando como deveria ser fogosa a viúva. E a fantasia tomava-lhe o cérebro em desejos. Um dia eu encontro um jeito, maquinava sisudo, com olhar distante, sentado numa cadeira de balanço no alpendre da casa. Cismava por horas a fio. Era o seu pensamento predileto, o qual ouriçava todos os seus hormônios na idealização de estratégias. Isso lhe fazia bem, dando-lhe aparência jovial, com sorriso fácil e trejeitos elegantes.
E o dia chegara! A patroa fora chamada para ajudar a tratar de um capado (porco), um pouco distante da casa, no final da rua. Com certeza ficaria ocupada por um bom tempo, afinal a labuta seria demorada até conseguir pôr o bichinho em pedaços, fritar a gordura e enlatar a carne.
O coração saltava-lhe pela boca e a libido se esgueirava atrevida, estampada em comichões, arrepios e até numa dorzinha no pé da barriga. Mal podia conter a ânsia, pensando no tempo e no espaço que o dividia da vizinha. Já ouvira barulho de sua labuta no quintal e sabia que estava sozinha. Precisava ter certeza. Um "bom dia" à sua pretensa presa selara a possibilidade do intento.
É hoje, disse a si mesmo! Escovou os dentes e penteou o pouco cabelo que lhe circundava o crânio luzidio. Conferiu o desodorante, sorriu para o espelho, ajeitou o largo bigode que lhe conferia "status", e com passos saltitantes ganhou o quintal. Olhou para todos os lados. Tudo solitário. Paz, sol quente... Encostou um velho banco ao muro, ajeitou um caixote por cima para alcançar-lhe a altura, e fez a travessia. Ufa!!!
Feito um leão faminto abocanhou a sua presa que, à beira do fogão, fazia um café. O coração pulsando e os afagos substituindo as palavras, feito num passo de mágica, estavam no leito do amor, do jeitinho que nasceram: pele com pele. Seu Zeca era só satisfação, aquecido à altura pelo fogaréu da viúva que se esmerava no serviço bom e garantido. O paraíso estava ali. A cada chamego, confirmava a virilidade aguçada, culminante, e a certeza de que o “trem é bom mesmo!”. Melhor do que as muitas luas-de-mel com outras parceiras. “Panela velha é que faz comida boa”! Energias guardadas e agora afloradas para mim _ pensava Seu Zeca entusiasmado.
Num sussurro, resmungou: Valeu a pena! E naquele "rala e rola", já no cume da montanha, quase extrapolando os limites do prazer, ouviram uma voz que provinha da porta da sala:
_ Dona Lurdes, a senhora pode me emprestar uma gamela?
O silêncio se fizera cortante e o rangido da cama entendeu. Acabara a festa! Um caos!!! Na porta do quarto, havia apenas uma cortina!
É a patroa! Registrou seu Zeca assustado.
Em frações de segundos, como se fosse um relâmpago, saiu ainda de ceroulas pela porta da cozinha. Para transpor o muro, nem precisou de tamborete. Galgou-o num voo, feito uma azagaia.
Nas cidades do interior, não é costume fechar-se as portas, usa-se apenas encostá-las.
Em casa, com a adrenalina a todo vapor, ainda pensou que poderia sofrer um infarto. Deitou-se e fingiu estar doente.
Mas o que teria acontecido depois? Isso, ninguém sabe! Nem a calça, seu Zeca fora buscar. Parece que dessa vez, ele saíra ileso. Restaram apenas o aprendizado de mais um exercício físico, a constatação de sua aguçada virilidade e um alerta de que todo plano pode ter suas falhas.