O surungo!
A noite prometia. Cheguei cedo, pois nunca gostei de me atrasar para compromisso nenhum. Mesmo que fosse um baile, sem muita importância. Além disso, chegando cedo dava tempo para dar uma olhada para alguma prenda e logo atar um compromisso, talvez um namoro! Foi assim há mais ou menos uns quarenta anos atrás. Meio metido a dançador não perdia uma oportunidade de chacoalhar o esqueleto nos surungos campeiros nos finais de semana. Cheguei e sentei numa mesa bem perto de uma porta, pois, além de pontual sou muito prevenido, pois se houver uma escaramuça qualquer, tenho para onde correr, caso não consiga me safar de uma facada, ou de um estouro de facão. O gaiteiro era famoso na região, tocava muito bem, até dormindo. Tinha um repertório bem variado, vaneira, xote e valsa eram ritmos de sua especialidade.
Companheiro inseparável, Tibúrcio, meu grande amigo de infância e cúmplice nas mais ferrenhas arruaças, logo chegou e traçamos os nossos planos de sobrevivência caso houvesse uma possível peleia. Era preciso provocar emoções para animar a plateia e tornar o baile mais animado. No fundo do salão estava uma moça feia que só o cão. Pedi ao meu amigo Tibúrcio para que fosse dançar com ela e que durante a dança virasse as suas ancas para a nossa mesa e deixasse o resto comigo.
Naquela época no interior, nesses bailes de campanha, sempre foi necessário andar armado, ou com um bom facão, ou adaga e um revólver. O respeito era maior. Começou a música e lá vem o Tibúrcio engaliado com o tribufu na minha direção. Preparei meu facão marca touro, e coloque bem em cima da mesa. Quando as ancas da dona se alinharam, dei um estouro com bainha e tudo para não correr o risco de machucar a moça, só para ver o alvoroço que ia acontecer.
A mulher deu um grito feio que chamou a atenção de todos os presentes. O tumulto foi generalizado, parecia um estouro de boiada sem controle. A turma dos “deixa disso” e os “justiceiros” pegaram seus “instrumentos” e partiram para cima de nós! Relampearam talhos de adaga, e berros de quarenta e quatro, numa baita fumaceira. Em baixo das mesas e correndo de um lado para outro eu e Tibúrcio conseguimos nos safar e pular uma das janelas ganhando a direção de uma mata vizinha. Escondidos no mato, ficamos a observar o desenrolar da peleia. Aos poucos foram se acomodando, cada um achando seu rumo e logo o baile recomeçou.
Meio desconfiados eu e Tiburcio sacudimos a poeira e devagarinho voltamos para o salão. Muita coragem era preciso numa hora dessas para continuar no baile. E assim era a nossa vida, todo o final de semana era preciso achar alguma peleia para esquentar o clima.
(Texto baseado em causos que meu tio Aureolino Valentim Alves contava quando nos visitava).