O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 18º EPISÓDIO





Na fazenda Bocaina o trabalho transcorria com normalidade, exceto para o pistoleiro que fugia do boi pretête como o diabo da cruz. O animal o percebia de longe. Ele evitava passar por onde o boi estivesse. Comentando a noite com o velho Miro, ele descobriu, o motivo que levou o coronel Certório a odiar tanto o animal e a jovem Dusanjo a filha do coronel Tiburcio. A quem, Venâncio estava louco para conhecer, mas ela estava visitando seus familiares do lado materno e se ausentara da fazenda por vários dias.
Chegava ao fim sua primeira semana de trabalho, e Venâncio começou a tomar gosto por aquele ambiente pacifico. Bem agasalhado à margem do rio, naquela palhoça muito humilde, mas aconchegante, com alimentação farta e bem preparada. Aquele seu coração de pedra que até então só conhecia maldade, começou amolecer. As lembranças de sua mãe o implorando por um comportamento mais correto, não saiam de sua memória. Em poucos dias ele já se relacionava bem com todos os trabalhadores e escravos. Mas algo estranho o preocupava o boi pretête continuava o rejeitando, bastasse perceber sua presença, embora distante, ele enfurecia como se tivesse frente a um touro rival, começava bufar, insultando, rapando terra com as patas dianteiras, num verdadeiro ritual de briga.
Convivendo com aquelas pessoas saudáveis isenta de maldade, Venâncio que sempre teve pavor, após os crimes que praticou começou a compreender o que sua mãe sempre o afirmou; que o crime não compensa e que quem semeia e cultiva ódio, só colhe maldade e indignação.
Atento a prosa que tivera com o coronel. Prudêncio passou a observar o forasteiro e notou que de certa forma ele tentava se adaptar ao comportamento e aos conceitos habituais da fazenda. O que para o escravo era um bom sinal.
Sexta feira com o sol já vertido para o poente, Venâncio despejava a última taxada de melado na esfriadeira, quando foi surpreendido pela voz de uma mucama:
-- Olá sinhô, voismicê sabe dizê donde qui tá tio Prudêncio, tô percurano ele mode í prusiá cum vó inaça qui veio mode visitá a Inhá Chica qui é irmã dela!
--Num sei num sinhorinha, voismicê percura na senzala tarvez teje pru lá!
--- Uia tô recordano de voismicê, acaso teve na casa de coroné Certorio? Sirvi café pra voismicê mais ele no currá!
-- Voismicê inganô num cunheço esse coroné nun sinhorinha, pode sê meu irmão geme qui é iguarzinho ieu!
Bastante constrangido ele deu as costas para a mucama desconversando e começou a bater o melado na esfriadeira o transformado em massa para formatar as rapaduras.
- Nicó havia convencido a escrava Inácia acompanhá-lo á fazenda Bocaina. Inhá Chica até perdeu o fôlego de tanta emoção e felicidade ao rever a irmã, que há tempos não se encontravam.
Ao retornar da cidade coronel Tiburcio ficou surpreso, quando estacionada bem ali ao lado do pátio a frente de sua casa, à bela carruagem do coronel Certório.
Ao aproximar percebeu que no lugar de Isidoro o cocheiro de seu rival que ele conhecia muito bem, estava era o filho do coronel Certorio. Sem entender muito bem do que se tratava, respirou fundo e o saudou:
--Boa tarde seu moço, como é memo vossa graça?
--Boa tarde coroné ieu sô Nicodemos, ô Nicó cumo voismicê prifiri. Quero a vossa permissão pra isperá um tempo aqui, Inaça e a neta dela a mucama Vicença, qui viero visitá a irmã dela, Inhá Chica. Fais tempo qui inaça recrama sodade da irmã!
-- Fique a vontade pelo tempo qui pricisá, ma o qui ta acunteceno vosso pai ta in delírio cum febre alta qui pirmitiu voismicê vim aqui trazê Inaça, inda na carruage de luxo dele?
-- Na verdade coroné Tiburcio meu pai num sabe qui tamo aqui, ma ieu tenho pena de Inaça qui além de sofrê cus martrato de meu pai num pode falá cua irmã, intonse ieu arrisurvi arriscá e trazê ela aqui, a dispois já fais um tempo qui tô quereno prusiá cum voismicê, a respeito da diferença da minha famia cum a vossa. As coisas tá mudano pra mió. E do vosso pai qui num foi tão mau cumo prega o meu pai, ieu vejo só prusiá coisa boa quando fala nele, in coroné Ataide. Inquanto de meu pai coroné Certorio é só ódio pirsiguição e mar querença.
--Óia Nicó voismicê tá seno sincero, nessa prosa? É isso memo qui voismicê pensa?
-- Sim sinhô é isso memo tá mais qui na hora de acabá quessa briga qui invem lá de trais marcano a histora das duas famia Vilela e Montenegro!
-- Voismicê desça da carruage e vamo intrá, se é isso memo qui deseja pode contá cumigo. Num pensa voismicê qui vai sê coisa face qui nun é não. Vosso pai é osso duro de ruê e vai castigá sem piedade. Ieu inhantes de minha fia Dusanjo crescê e me mostrá o quera certo e o quera errado ieu tumém pensava iguar vosso pai, inclusive quando ela nasceu, fiquei revortado pu tê nascido mué, ma Prudêncio e Inhá Chica me mostrô o valor qui as mué tem, ieu de poco in poco fui tumano tento. Hoje num o amor da minha fia é a maió furtuna qui tenho. Nun tem nada de mais valor do mundo. Só agradicido a Deus pur tê pirmitido a Maricota tê gerado ela.
--Ah pur falá nisso ela num tá in casa coroné?
-- Ela foi passá uns dias cum a vó, mãe de Maricota, pra semana tá de vorta, dotra veis voismicê pode prusiá cuela, cum certeza vão tirá pruveito, ela pensa assim cumo voismicê!
Maricota serviu o café com quitandas fresquinhas, às visitantes, que se juntaram a Nicó e ao coronel, de inicio Inácia e Vicência muito tímidas se recusaram ocupar a mesa junto a eles, mas o coronel fez questão que todos lanchassem juntos, causando espanto e admiração a Nicó, habituado com o tratamento cruel, a que seu pai submetia seus escravos. Ao se despedirem o coronel os aconselhou a tomarem cuidado:
---Óia Nicó tome tento para que vosso pai nun vá sabê qui andaro puraquí, sinão inaça mais Vicência acabam castigadas cua chibata, e voismicê tumém pode sê judiado, pu ele.
--óia coroné ieu já ando muito aperriado cus dispropero, de meu pai fazeno tudo tipo de judiação e martratano tudo quié gente, quarqué dia ieu isqueço quel é meuá pai me atraco cuele pra nun judiá tanto cus nossos cativos. El só in riqueza quereno abaracá o mundo, quando morrê vai dexá tudo pra tráis, num vai levá nada.
Nicó despediu do casal anfitrião. Retornou para Morrinhos, um pouco frustrado por não ter visto sua musa, a filha do coronel. E ao mesmo tempo bastante otimista com a cordialidade com que foi recebido, e alimentado pela expectativa em voltar uma próxima vez e quem sabe até conquistar a jovem.
O quanto ao coronel Tiburcio, seu pretenso sogro, Nicó sentiu-se convicto que lhe causou uma boa impressão.
Inhá Chica também estava muito feliz com a visita da irmã, mas preocupada com o que poderia acontecer com ela, no caso do coronel descobrir que ela, o desobedeceu a indo visitá-la. Em conversa com a irmã ela soube que o motivo principal, que a levou até lá, foi o interesse do filho do coronel Certorio pela jovem Dusanjo. Por quem ele estava perdidamente apaixonado.
Em fim, terminava mais uma semana de trabalho intenso e Prudêncio foi conferir o volume de rapaduras que teriam que ser empalhadas no dia seguinte, sábado. Constatou que Tava tudo em ordem e que quem melhor produziu as rapaduras mais brancas foi o forasteiro Venâncio.
-- voismicê é memo um bão taxero Venâncio, coronè ta gostano do vosso trabaio, pelo jeito vai tê sirviço aqui um tempão.
--Ieu tumém tô gostano de trabaiá puraqui, ma tô incucado quesse tar boi pretête o animar num pode me vê, qui tá insurtano, Inté parece qui taveno um inimigo, quereno briga.
-Óia nun se aperreia quisso não, ele é assim memo, cum tudo quié istranho qui vem trabaiá aqui, gurica memo custuma cum voismicê e fica amigo.
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 09/10/2017
Reeditado em 09/10/2017
Código do texto: T6137242
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