O NOVO VIGÁRIO - Final
A Extrema Unção e a Despedida do Padre
Padre Victor, depois de alguns anos na paróquia, estava completamente adaptado aos costumes de seu rebanho, tanto que ele, como o bom descendente de italiano de sangue quente, eventualmente demonstrava um comportamento um pouco impulsivo quando alguma coisa o desagradava ou era contrariado no seus afazeres.
Mas o pessoal não ligava, pois sabia que era só um momento; sua ira logo passava e ele voltava à serenidade e à gentileza de costume. Mas ele se cobrava muito porque, às vezes, junto daqueles mais íntimos deixava escapar até alguma palavra, que, digamos, não era propriamente palavras para serem usadas por um sacerdote, mas isso era raro e não chegava ser um problema, porque todos sabiam as dificuldades que ele enfrentava.
Numa tarde calorenta durante a semana, estava ele sem compromissos a cumprir então tirou um tempo para ler; confortavelmente sentado num sofá na sala, folheava um livro, quando ouviu alguém bater palma à porta.
A empregada da casa foi atender, voltou e disse:
---- Padre, tem aí um moço querendo falar com o senhor.
--- Mande-o entrar.
Entrou o rapaz, que, aparentando ter 30 anos ou pouco mais, vestia uma roupa simples, daquelas que se usa na roça, calçava botina e portava um canivete na cintura. Entrou segurando um chapéu de palha junto ao peito e, de modo respeitoso, disse:
---- Boa tarde, seu vigário.
---- Boa tarde, irmão.
O padre tinha esse costume de chamar de irmão ou irmã, pois achava estranho chamar de “meu filho”, como alguns padres costumam fazer, pessoas da mesma idade ou mais velhas que ele, fazendo isso apenas com as crianças.
--- O que você está precisando?
--- Padre, eu vim chamar o senhor porque minha vó tá muito doente, acho que não passa desta noite.
---- E onde você mora?
--- Num sítio aqui pertinho.
---- E como eu vou lá agora?
---- O senhor pode ir com o meu cavalo, ele é mansinho.
--- Eu não sei andar a cavalo e não conheço o caminho.
--- Pode ir sem susto, o cavalo é manso e conhece bem o caminho; basta o senhor colocar ele na estrada e bambear a rédea que o senhor chega lá sossegado.
O padre continuava pensativo, imaginando como seria essa jornada. O moço interrompeu seus pensamentos dizendo:
--- Padre, minha vó é muito católica e quer se confessar; o senhor precisa ir para ela poder partir em paz.
Diante disso, o padre não teve escolha. Saíram da casa paroquial, atravessaram a praça e, na rua embaixo de algumas árvores, havia um pau de amarrar cavalos. Era alguns tocos de madeira enterrados no chão e um varão de eucalipto deitado em cima para amarrar os animais.
Chegaram próximo a um bonito cavalo vermelho bem arreado; o moço desamarrou-o, segurou a rédea e disse:
--- Pode montar, padre, sem medo, ele é manso.
Não tendo outra saída, o padre, sem jeito, montou o cavalo e, segurando com uma mão a rédea e a outra na cabeça do arreio, ficou ali parado sem saber o que fazer.
O moço puxou o cavalo pela rédea para o meio da rua, acompanhou-o por duas quadras; chegando a saída da cidade, mostrou a estrada e falou:
--- Pode seguir a estrada e deixe o cavalo andar que ele conhece o caminho direitinho.
O padre, inicialmente duro em cima do arreio, aos poucos foi se acostumando e ficou mais à vontade; o cavalo realmente sabia o que fazer, andava macio. Depois de um trecho de aproximadamente 2 quilômetros, perto de uma curva o cavalo saiu da estrada municipal, entrando por uma estradinha no meio do cafezal .
Mais à frente, passou próximo a algumas casas; os cachorros latindo, várias crianças brincando na margem do caminho, e, quando o viram, gritaram alegres:
--- Bença, padre!
Ele, agora mais confiante, acenou e sorriu respondendo à saudação:
--- Deus abençoe!
O padre estava até curtindo a aventura; nunca havia pensado em andar a cavalo, mas agora estava gostando. Logo chegou a uma porteira, ele apeou, abriu-a, passou e montou novamente. Em seguida, começou um declive, passou por um canavial, saiu num pasto onde se avistavam, ainda distantes, algumas casas entre árvores .
Aí que a coisa complicou. O dono do cavalo tinha um costume de, chegando a esse ponto, fustigar o animal para ir a galope até sua casa.
Inesperadamente o cavalo começou a correr; o padre, pego de surpresa, quase caiu; agarrou na cabeça do arreio e, desesperado, sem saber o que fazer, começou a rezar.
Segurava a rédea, mas o cavalo erguia a cabeça e continuava correndo. Quando ele viu que antes de chegar tinha uma porteira de madeira, ficou aliviado, pensando: “ lá o cavalo para eu desço e chego a pé”.
Mas junto a porteira estavam algumas crianças brincando que sabiam que o padre viria; quando viram que ele vinha correndo, alguém falou:
---- O padre está com pressa; vamos abrir a porteira para ele.
E assim fizeram; o cavalo passou disparado e eles gritaram:
--- “Bença”, padre.
O padre praticamente pendurado no arreio, nervoso, respondeu:
--- Vão a puta que o pariu.
Passando a porteira depois de uns duzentos metros, na primeira casa, embaixo de um pé de manga, o cavalo parou bruscamente, o padre rolou por cima de sua cabeça e caiu sentado no chão.
As mulheres vieram correndo para ajudá-lo gritando todas ao mesmo tempo:
--- Oh, meu Deus!
--- Benção, padre!
--- O senhor se machucou?
Ele levantou envergonhado e, se recompondo, disse:
--- Não foi nada! Não foi nada!
Levaram-no para dentro, e ele se sentou num banco de madeira encostado à parede, tomou uma água fresca e esperou se acalmar para ir ver a enferma.
Depois de terminada sua obrigação, o padre chamou a dona da casa e disse:
---- A senhora, por favor, me arrume um jeito de voltar para cidade que eu neste cavalo não monto mais.
---- Sim, padre, vou mandar um menino levar o senhor de charrete.
Padre Victor ficou na paróquia por oito anos; não era mais aquele menino que chegou na estação com carinha de “filhinho da mamãe”; agora era um homem maduro, embora ainda jovem.
Aprendeu muito com o povo simples da pequena cidade e da zona rural, amadureceu como homem e como padre. Ensinou bastante também com seu jeito carinhoso e sério de anunciar a palavra de Deus e de conduzir seu rebanho.
Mas, para a tristeza dos paroquianos, um dia o padre sentiu a necessidade de ampliar seus horizontes e mesmo com o coração apertado, pediu ao bispo transferência para uma cidade grande, onde ele pudesse estudar, aprofundar mais seus conhecimentos. O bispo achou justo seu pedido e atendeu-o.
As piedosas senhoras estavam inconsoláveis com a partida do “nosso santinho”.
Prepararam uma festa de despedida e, num domingo depois de uma missa solene, houve um almoço no salão paroquial, onde todos puderam se despedir dele; entre sorrisos e lágrimas, foram trocados muitos abraços, beijos, presentes e sinceras demonstrações de amizade.
Na segunda feira de manhã, Padre Victor foi embora; somente algumas pessoas mais próximas o acompanharam até a estação, pois ele não quis que fosse muita gente e o mesmo trem que o trouxe oito anos atrás, o levou embora.
O trem apitou anunciando a partida, o padre entrou no vagão, saiu na janela e, com o rosto banhado de lágrimas, acenava para os amigos na plataforma, que lhe retribuíam o gesto. O trem foi ganhando velocidade, deu um longo apito e desapareceu numa curva da estrada.
Mas o pessoal não ligava, pois sabia que era só um momento; sua ira logo passava e ele voltava à serenidade e à gentileza de costume. Mas ele se cobrava muito porque, às vezes, junto daqueles mais íntimos deixava escapar até alguma palavra, que, digamos, não era propriamente palavras para serem usadas por um sacerdote, mas isso era raro e não chegava ser um problema, porque todos sabiam as dificuldades que ele enfrentava.
Numa tarde calorenta durante a semana, estava ele sem compromissos a cumprir então tirou um tempo para ler; confortavelmente sentado num sofá na sala, folheava um livro, quando ouviu alguém bater palma à porta.
A empregada da casa foi atender, voltou e disse:
---- Padre, tem aí um moço querendo falar com o senhor.
--- Mande-o entrar.
Entrou o rapaz, que, aparentando ter 30 anos ou pouco mais, vestia uma roupa simples, daquelas que se usa na roça, calçava botina e portava um canivete na cintura. Entrou segurando um chapéu de palha junto ao peito e, de modo respeitoso, disse:
---- Boa tarde, seu vigário.
---- Boa tarde, irmão.
O padre tinha esse costume de chamar de irmão ou irmã, pois achava estranho chamar de “meu filho”, como alguns padres costumam fazer, pessoas da mesma idade ou mais velhas que ele, fazendo isso apenas com as crianças.
--- O que você está precisando?
--- Padre, eu vim chamar o senhor porque minha vó tá muito doente, acho que não passa desta noite.
---- E onde você mora?
--- Num sítio aqui pertinho.
---- E como eu vou lá agora?
---- O senhor pode ir com o meu cavalo, ele é mansinho.
--- Eu não sei andar a cavalo e não conheço o caminho.
--- Pode ir sem susto, o cavalo é manso e conhece bem o caminho; basta o senhor colocar ele na estrada e bambear a rédea que o senhor chega lá sossegado.
O padre continuava pensativo, imaginando como seria essa jornada. O moço interrompeu seus pensamentos dizendo:
--- Padre, minha vó é muito católica e quer se confessar; o senhor precisa ir para ela poder partir em paz.
Diante disso, o padre não teve escolha. Saíram da casa paroquial, atravessaram a praça e, na rua embaixo de algumas árvores, havia um pau de amarrar cavalos. Era alguns tocos de madeira enterrados no chão e um varão de eucalipto deitado em cima para amarrar os animais.
Chegaram próximo a um bonito cavalo vermelho bem arreado; o moço desamarrou-o, segurou a rédea e disse:
--- Pode montar, padre, sem medo, ele é manso.
Não tendo outra saída, o padre, sem jeito, montou o cavalo e, segurando com uma mão a rédea e a outra na cabeça do arreio, ficou ali parado sem saber o que fazer.
O moço puxou o cavalo pela rédea para o meio da rua, acompanhou-o por duas quadras; chegando a saída da cidade, mostrou a estrada e falou:
--- Pode seguir a estrada e deixe o cavalo andar que ele conhece o caminho direitinho.
O padre, inicialmente duro em cima do arreio, aos poucos foi se acostumando e ficou mais à vontade; o cavalo realmente sabia o que fazer, andava macio. Depois de um trecho de aproximadamente 2 quilômetros, perto de uma curva o cavalo saiu da estrada municipal, entrando por uma estradinha no meio do cafezal .
Mais à frente, passou próximo a algumas casas; os cachorros latindo, várias crianças brincando na margem do caminho, e, quando o viram, gritaram alegres:
--- Bença, padre!
Ele, agora mais confiante, acenou e sorriu respondendo à saudação:
--- Deus abençoe!
O padre estava até curtindo a aventura; nunca havia pensado em andar a cavalo, mas agora estava gostando. Logo chegou a uma porteira, ele apeou, abriu-a, passou e montou novamente. Em seguida, começou um declive, passou por um canavial, saiu num pasto onde se avistavam, ainda distantes, algumas casas entre árvores .
Aí que a coisa complicou. O dono do cavalo tinha um costume de, chegando a esse ponto, fustigar o animal para ir a galope até sua casa.
Inesperadamente o cavalo começou a correr; o padre, pego de surpresa, quase caiu; agarrou na cabeça do arreio e, desesperado, sem saber o que fazer, começou a rezar.
Segurava a rédea, mas o cavalo erguia a cabeça e continuava correndo. Quando ele viu que antes de chegar tinha uma porteira de madeira, ficou aliviado, pensando: “ lá o cavalo para eu desço e chego a pé”.
Mas junto a porteira estavam algumas crianças brincando que sabiam que o padre viria; quando viram que ele vinha correndo, alguém falou:
---- O padre está com pressa; vamos abrir a porteira para ele.
E assim fizeram; o cavalo passou disparado e eles gritaram:
--- “Bença”, padre.
O padre praticamente pendurado no arreio, nervoso, respondeu:
--- Vão a puta que o pariu.
Passando a porteira depois de uns duzentos metros, na primeira casa, embaixo de um pé de manga, o cavalo parou bruscamente, o padre rolou por cima de sua cabeça e caiu sentado no chão.
As mulheres vieram correndo para ajudá-lo gritando todas ao mesmo tempo:
--- Oh, meu Deus!
--- Benção, padre!
--- O senhor se machucou?
Ele levantou envergonhado e, se recompondo, disse:
--- Não foi nada! Não foi nada!
Levaram-no para dentro, e ele se sentou num banco de madeira encostado à parede, tomou uma água fresca e esperou se acalmar para ir ver a enferma.
Depois de terminada sua obrigação, o padre chamou a dona da casa e disse:
---- A senhora, por favor, me arrume um jeito de voltar para cidade que eu neste cavalo não monto mais.
---- Sim, padre, vou mandar um menino levar o senhor de charrete.
Padre Victor ficou na paróquia por oito anos; não era mais aquele menino que chegou na estação com carinha de “filhinho da mamãe”; agora era um homem maduro, embora ainda jovem.
Aprendeu muito com o povo simples da pequena cidade e da zona rural, amadureceu como homem e como padre. Ensinou bastante também com seu jeito carinhoso e sério de anunciar a palavra de Deus e de conduzir seu rebanho.
Mas, para a tristeza dos paroquianos, um dia o padre sentiu a necessidade de ampliar seus horizontes e mesmo com o coração apertado, pediu ao bispo transferência para uma cidade grande, onde ele pudesse estudar, aprofundar mais seus conhecimentos. O bispo achou justo seu pedido e atendeu-o.
As piedosas senhoras estavam inconsoláveis com a partida do “nosso santinho”.
Prepararam uma festa de despedida e, num domingo depois de uma missa solene, houve um almoço no salão paroquial, onde todos puderam se despedir dele; entre sorrisos e lágrimas, foram trocados muitos abraços, beijos, presentes e sinceras demonstrações de amizade.
Na segunda feira de manhã, Padre Victor foi embora; somente algumas pessoas mais próximas o acompanharam até a estação, pois ele não quis que fosse muita gente e o mesmo trem que o trouxe oito anos atrás, o levou embora.
O trem apitou anunciando a partida, o padre entrou no vagão, saiu na janela e, com o rosto banhado de lágrimas, acenava para os amigos na plataforma, que lhe retribuíam o gesto. O trem foi ganhando velocidade, deu um longo apito e desapareceu numa curva da estrada.