O NOVO VIGÁRIO - 2ª Parte
 
                     O Valentão na Igreja e a Festa da padroeira
 
Todo mundo na cidade falava com entusiasmo do novo padre, de como era inteligente, como pregava bem e tantos outros elogios, todos merecidos sem dúvida, mas que, devido a sua pouca idade, faltava-lhe experiência de vida.
 
E sendo um moço criado na cidade grande, às vezes tinha dificuldade em lidar com algumas situações que surgiam com pessoas simples e rudes da paróquia; isso o deixava nervoso, inseguro e, mesmo sem ter confessado a ninguém, no seu íntimo teve momentos que chegou a sentir medo.
 
Durante essa fase difícil de adaptação, aconteceu outro fato que ficou marcado para sempre. Muitas pessoas que haviam deixado de frequentar as missas voltaram movidas pela curiosidade e passaram a participar regularmente.
 
Entre esses novos fiéis, apareceu num domingo um cidadão conhecido por todos, devido ao seu modo de ser, tido por todos como sistemático, rude e metido a valentão; diziam que ele não tolerava mentiras ou conversa muito longa.
 
Esse indivíduo tinha um pequeno sítio onde morava com sua família; enquanto a esposa e os filhos cuidavam da propriedade, que tinha plantações e alguns animais, ele trabalhava mais para os fazendeiros da região, era domador de cavalos e castrava animais.
 
Andava sempre a cavalo, com uma bota de cano alto, guaiaca na cintura, chapéu e um rebenque de couro trançado no braço. Era um sujeito que arrumava confusão fácil devido a sua intolerância; diziam na cidade que ele já tinha batido de rebenque em muitos desafetos.
 
Padre Victor já tinha ouvido falar do tal valentão. Nesse dia, na missa da manhã, estava ele lá sentado no primeiro banco, com a vestimenta já conhecida; mudava apenas as peças de roupa, mas o estilo era o mesmo sempre.                      
 
Na hora do sermão, o padre estava se sentindo incomodado com aquele homem sentado bem à sua frente, com a perna cruzada, o chapéu em cima do joelho e o rebenque no braço que chegava até ao piso, olhando diretamente para ele. O tempo foi passando e o homem às vezes se mexia no banco; o padre olhava no rebenque e pensava que uma lambada na costa devia doer muito.
 
Mesmo assim, ele se empolgou e estendeu um pouco o sermão; algumas pessoas naturalmente se mexiam no banco procurando uma melhor posição, mas o padre não tirava o olho do homem à sua frente, acompanhando todos os seus movimentos.
Durante a pregação, o padre falou da multiplicação dos pães dizendo:
---Então Jesus com cinco pães e dois peixes alimentou cinco mil pessoas e ainda sobrou.
 
Por uma infeliz coincidência, nesse exato momento, o valentão pigarreou e descruzou as pernas de modo tão brusco que caiu seu chapéu no chão.
O padre acudiu rapidamente:
--- Mas também era cada pão enorme, quase do tamanho desta igreja.
 
Passado o susto, como nada de anormal ocorreu, o padre procurou disfarçar seu embaraço, arrematou sua fala sem maiores consequências. A maioria das pessoas, inclusive o homem, ficou sem entender aquela observação sem nexo, mas os que estavam mais próximos entenderam e mal  conseguiam segurar  o riso.
 
O dia da padroeira estava chegando e o Pe. Victor parecia ansioso por ser a primeira vez que iria celebrar uma grande festa. Toda a paróquia estava empenhada para que tudo ficasse perfeito, o andor com a imagem da santa todo enfeitado. Numa rua entre a igreja e a praça, foi montada uma grande barraca, rodeada por uma cerca de bambu rachado de aproximadamente um metro de altura e coberta de lona, para a quermesse.
 
Foram arrecadados muitos donativos para um leilão em prol da paróquia. No domingo de manhã, foram leiloadas algumas cabeças de gado doadas pelos fazendeiros e à noite na quermesse seriam vendidos os frangos e leitões  assados.
 
Estava marcada para sair às 17 horas a procissão e, em seguida, a missa.
O padre estava preocupado em fazer uma bela cerimônia que fosse memorável e o pessoal também querendo mostrar que  tinha experiência em fazer bonitas festas, mas, apesar de todo o esforço, ainda ocorreu um deslize.
 
Tudo pronto para sair a procissão, seis homens pegaram o andor da santa e foram saindo da igreja. O padre olhou, viu que o andor estava ao contrário e, de cima dos degraus da porta da igreja, gritou:
--- Vira a santa.
E o pessoal respondeu:
--- Viva! Viva!
O padre gritou mais forte:
--- Vira a santa, vira a santa.
 E o pessoal respondeu mais forte ainda:
--- Viva! Viva! Viva!   
 
O padre precisou mandar um dos meninos que  o  ajudava ir correndo e avisar os homens que o andor estava virado.
 
Fora esse incidente, correu tudo bem e a festa foi uma beleza, ficando satisfeitos o padre e os paroquianos, que, depois de tudo terminado, riram muito do ocorrido.



Continua....
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 27/08/2017
Reeditado em 08/11/2020
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