CRIME (IM)PERFEITO
Tranquilo naquele pequeno bar, o homem tomava sua caninha. Ingeria cada dose como se fosse a última. A bebida entrava queimando tudo, mas aquilo era prazeroso, era uma forma de acalmá-lo diante do fracasso com certa dona.
Escorado no balcão, de frente pra rua, o manco contava vantagem sobre relacionamentos, falava bobagens, em total desrespeito às mulheres... Coisas de “cabra-macho”, era assim que dizia.
- A bonita, botando banca... uma cunhã daquela... tá pensando o quê? Sou macho!
Entre uma dose e outra seguia naquela falação, frustrado porque a tentativa de agarrar a mulher alheia não deu em nada, maquinando em voz alta, pra qualquer um ouvir, qual seria o próximo passo.
- Isso não vai ficar assim! Se ela tá pensando que me escapa, tá muito é enganada!
Encosta o camburão em frente ao botequim. E do veículo saem quatro policiais, "autoridades competentes para garantir a segurança e preservar a ordem pública". Entraram, olharam ao redor, cumprimentaram o dono do estabelecimento e seguiu-se a abordagem:
- O senhor que é o Otoniel?
- Sou eu mesmo! Por quê?
- O senhor está sendo acusado de tentativa de estupro!
O caboco foi logo se enchendo de marra, alterando a voz para os policiais:
- Eu? Seu guarda, eu num fiz nada!
- O senhor vai dizer isso na delegacia!
Diante da ordem de prisão, o homem não quis mais conversa. Puxou um punhal que trazia na cintura e desafiou os PM:
- Pois vamos ver quem é que vai me levar daqui!
- Melhor o senhor se acalmar, pra ninguém sair machucado!
Cada vez mais alterado, num comportamento de quem tem pouco ou nenhum juízo, o homem seguiu desafiando a todos:
- Daqui eu só saio morto!
Os policiais pediram a seu Antonio, o dono do bar, que se retirasse porque o negócio ia pegar fogo naquele pequeno espaço. E o rebuliço foi grande. Pense num destroço medonho!
O punhal riscava o ar, de um lado a outro, procurando acertar qualquer um, até que se ouviram os pipocos. Um, dois, três, quatro, cinco pipocos... acertaram o balcão, o freezer novo do seu Antonio, garrafas nas prateleiras... seis, sete, oito, nove pipocos... mais bala destruindo os pertences do seu Antonio. Enquanto isso os vizinhos, assombrados com o bangue-bangue se perdiam nas contas, pois alguns disparos eram simultâneos.
Ao final, os mais atentos deram conta de algo em torno de vinte e poucos tiros. Mas bastou um, um só, no meio da testa do cabra-macho, pra aumentar as estatísticas de pessoas mortas por policiais.
Com a saída dos policiais, a certeza do crime de estupro solucionado. A mulher autora da denúncia e as outras estariam livres para transitar sem medo de serem molestadas no pequeno povoado onde viviam.
Ainda aterrorizados com o acontecido os vizinhos conversavam entre si, expressando suas impressões diante da barbaridade:
- Mas precisava matar mesmo? Esse não é o papel da polícia!
- Quatro homens armados não conseguiram deter um só?
- É... Jesus que está voltando... é o fim das eras!
- Deus tenha pena da alma dele!
...
A história terminou com seu Antonio no prejuízo... e o tinhoso em festa, oferecendo ao estuprador calorosa recepção.