Minutos de agonia
No fim da década de 40, um avião DC3 da VASP sofreu uma pane próximo à cidade de Niquelândia. Um de seus motores parou de funcionar; o avião se descontrolou e desceu rapidamente, mergulhando rumo a serra dos Borges. O piloto ainda tentou uma aterrissagem, mas o encontro com a serra foi inevitável. O choque foi violento. A fuselagem ficou toda retorcida. O avião não se partiu em pedaços nem pegou fogo. Todos os passageiros morreram.
Trinta anos depois, quando trabalhávamos na região, ao subir a serra dos Borges, seguindo os passos de um guia que abria uma picada na mata com um facão, os destroços do avião surgiram diante de nossos olhos, meio encobertos por trepadeiras e pequenas árvores. Em alguns anos o local havia mudado muito: a mata tinha se recuperado em torno dele e os galhos formavam ângulos mostrando pedaços da fuselagem com tons entre cinza e prateado. Ainda era possível distinguir a palavra VASP, embora a pintura das letras já estivesse bastante maltratada pelo tempo.
De volta à cidade, conversando com alguns moradores mais antigos, ouvimos deles o relato sobre o acidente. Como eles poderiam esquecer? Foi num fim de tarde. Nem estava escuro ainda, disseram, quando o avião apareceu voando baixo no horizonte. Foi de parar o coração, disseram, ver o avião caindo e vindo de encontro a serra. Ele veio balançando e à medida que se aproximava, aumentava nossa ansiedade. Tinha se passado uns 10 ou 15 minutos, desde que o vimos surgir no horizonte, até o momento do choque. Escutamos um 'bum' muito forte e pensamos que fosse uma explosão. No entanto, ele não explodiu, como ficou constatado mais tarde.
Ouvi com arrepio os relatos dos moradores. Veio-me à mente o que de fato marcou aqueles passageiros e imediatamente fiquei pensando no desespero deles, naqueles momentos de aflição, quando o tempo parece escorrer mais lentamente, e cada minuto torna-se uma eternidade. O que aconteceu com eles quando notaram que o avião estava caindo e na apreensão que tomou conta de todos durante aqueles breves momentos. O que pensaram e que fizeram aquelas pessoas durante os minutos terríveis que viveram. Muitos gritaram e outros e outros cheios de terror rezaram. O avião se aproximando da serra, sem saída, o comandante desesperado tentando evitar o choque. Esgotou-se o tempo e não havia mais nada a fazer, e, no último minuto, a morte.
Contaram que pela manhã, alguns moradores conseguiram chegar ao local do acidente, mas, infelizmente não havia sobreviventes. Cinco dias depois, chegou uma equipe de resgate e com a ajuda dos moradores, conseguiu ir até o avião. O mal cheiro era insuportável, mesmo assim, levaram os corpos para a capital
Essa tragédia que chocou a cidade, deu origem a muitos mitos, nos quais os acontecimentos reais se confundiram com situações imaginadas pelos seus moradores de acordo com a crença de cada um. Um desses mitos, lembro-me bem, foi contado pelas pessoas que moravam próximo a serra. Eles afirmavam ter ouvido gritos de pedido de socorro, desesperados, logo após a queda do avião. Por muito tempo tais gritos foram ouvidos todos os dias, mas sempre à noite, garantiram.