Ela não fornece adiantado
Bastião ia todos os dias à distribuidora de luz. Sempre havia um problema qualquer que exigia sua presença, quase onipresença, melhor dizendo. A pequena cidade o conhecia, porque era ele quem dava a luz, literalmente, com verbo transitivo direto. Ele, a escada, o uniforme e a capanga de ferramentas de eletricista eram vistos por todo lado, trocando lâmpadas e outras peças essenciais à iluminação parca das ruas da cidadezinha.
Bastião era lento demais, até para um interiorano. A lentidão da caminhada, no sobe e desce das ladeiras da cidade, era ainda mais acentuada pela gagueira.
Lento no caminhar, gago no falar, mas avançadinho no namorar. Etelvina, no entanto, como soía acontecer aí pelos anos cinquenta no interior, não o deixava avançar muito nas intimidades. Era de carne, osso e hóstias, mas resistia como podia. Ia casar virgem, dizia decididamente.
Um dia, deu-se conta, pelo falatório das gentes, que Bastião tinha ido a uma casa de tolerância, se é que vocês mais jovens me entendem, e dormido (modo de falar, não levem ao pé da letra, pode ter havido outras coisas) com uma das moças do lugar. Não é que fosse a única vez, mas Bastião era bem discreto, e Etelvina só soube porque a manicure da referida contou a Etelvina que a moça contou etc. etc... Aí você sabe, criou-se uma corrente de cochichos - cidade pequena, inferno grande - e foi Bastião quem levou a pior. Namoro abalado, tantos anos de conhecimento, mas a inquirição foi rápida e direta:
- Bastião, verdade que ocê foi lá no Arto e dormiu com uma sirigaita a noite passada?
A resposta, apesar da gagueira, também estava na ponta da língua, e deixou Etelvina sem argumentos, pelo menos por uns dias:
- Fu fui. Mas é é é curpa sua. Eu sempre te te te pidi, e oooo ocê nunca quis me fo for fornecê adiantado, uai!!!