“Bota água no feijão!”
O sol nem raiava e ele já se levantava. Oito anos. Pés rachados, descalço, cabelos de fogo, olhos castanho esbugalhados e um sorriso tão largo que o fazia sempre ouvir: “feche a boca, muleque!”
Tinha quatro irmãos mais novos. O menor ainda se arrastava aos pés da mãe durante a lida da casa. O pai estava enfermo e nunca saía da cama. Sofria de chagas, o pobre de coração inchado. O menino Isaías, chamado de “Zaía”, era quem trazia a maior parte do sustento para a família.
O vizinho Tião tocava roça de algodão e Zaía ajudava na colheita. E o muleque era ligeiro! Amarrava o saco de estopa abaixo das axilas para não encostar no chão. A mão pequena facilitava “panhar” o algodão mais limpo, sem a casca. Levava o dia todo para colher uma arroba de pura nuvem. O patrão, sovino, ficava contente.
Zaía recebia ao final do dia e já passava na venda para levar um quilo de alguma coisa. Era seu terceiro dia de trabalho. No primeiro, levou arroz. No segundo, deu para comprar um litro de banha e o sal. Agora levaria o feijão. A mãe fazia alguns bordados, quando tinha encomenda, e conseguiu comprar farinha e açúcar.
Com o sorriso de sempre, Zaía chegou em casa dizendo:
“mãe, faz o feijão!”
Há dias não comiam feijão. A mãe, com os olhos marejados, beijou a testa do filho, atendendo seu pedido mais que justo, após o dia de sol na “muleira”. Então disse a ele:
“Zaía, traga mais feijão! Não vamos mais deixar faltar!”
E assim ele fez. Durante semanas, depois do trabalho, ele passava na venda e comprava um quilo de feijão.
As encomendas de bordados da mãe tinham rendido três galinhas botadeiras. O irmão de seis anos começou a tirar leite no sítio de outro vizinho para garantir o leite de casa. Também levava esterco para fazer uma horta, pois havia ganhado umas sementes.
Eram bons tempos de fartura!
Meses depois, a colheita acabou. O vizinho vendeu as vacas. A seca chegou. Ainda restara o feijão. Estava quase no fim, mas a mãe separava os grãos cozidos para colocar mais água depois.
Zaía passava o dia na vila oferecendo seus serviços e quando chegava, olhava o caldeirão fervilhando e dizia sorridente:
“Mãe, bota água no feijão!”