Um "causo" de mineiro.
Conto: Um “Causo” de Mineiro.
Seu Zezinho era comerciante próspero, conhecido por aquelas bandas como homem leal, fiel e de palavra. Comprava e vendia o que quisesse com apenas um fio da sua barba como garantia. Casado, pai de quatro filhos, curtia a vida folgado. A mulher era o pé-de-boi e o pau-para-toda obra da família. Mulata forte, não hesitava em arregaçar as mangas e enfrentar o pesado. Além do mais, no armazém de “secos e molhados” vendia-se de tudo. Ela se gabava em dizer que tudo era feito por ela, dos bolos e cocadas aos chouriços e fressuras.
O dia começava cedo. Em trinta e oito anos de casamento realizavam as mesmas atividades diárias sem qualquer alteração. Ela passava e servia o café, enquanto ele, já de banho tomado lia o jornal para ficar por dentro das notícias do futebol e do país. Ela passava até a manteiga no pão, servia o leite quentinho, à gosto, depois de já ter colocado sobre a cama a roupa passada, o colete, as dobraduras das camisas de cambraia e os suspensórios que ele não dispensava. As botas brilhavam com o esforço da flanela que ela fazia questão de lustrar, no capricho.
- Marido meu tem que andar alinhado, repetia sempre! Com ela, não se importava muito não. Lenço na cabeça, sem qualquer vaidade, cara lavada, sem pintura. Não tinha tempo para essas coisas e também não estranhava pois tinha sido criada no batente. Era uma mulher quase perfeita mas só tinha um defeito, pão-pão, queijo-queijo, tudo com ela tinha que ser direitinho pois caso se zangasse era capaz de estraçalhar um. Era de meter medo depois que enfurecia.
Seu Zezinho ficava no balcão só de enfeite esperando as freguesas para paquerar. Gostava de longa prosa com as mulheres do arraial quando tinha a oportunidade de contar as façanhas das suas pescarias, seu “hobby” predileto.
Comércio movimentado, armazém cheio, mesmo assim, depois de umas “caninhas” não se furtava ao prazer das pescarias que estavam ficando cada vez mais freqüentes e demoradas. Sábado bravo, fregueses chegando das fazendas para serem atendidos e lá ia o Seu Zezinho deixando a Dona Lindinha sozinha, abarrotada de serviço! Não havia sol, nem chuva que o cercasse.
Foi então que a Dona Lindinha começou a desconfiar. Apesar do movimento do dia, por volta das três horas da tarde, depois de feito farto lanche, palitinho no canto da boca, água de cheiro que perfumava a rua toda, lá ia o Seu Zezinho, todo arrumado, colocar os anzóis na velha Brasília branca. Seguia calmo, assobiando estrada afora, como um passarinho solto.
Lá pelas tantas retornou, naquele dia, sobrevivente das orgias sexuais ao ar livre, com um resto de orgasmo no olhar e um sorriso de felicidade nos lábios. Dona Lindinha, astuta, perguntou:
-Zezim, meu fio, e os peixe??? Num pescô nada não? Tô inté isperano pra frita uns pra janta!
- Ô muié, tá ruim pra peixe! Acabei foi dano bain nas minhoca a tarde intera e num fisguei nem um lambari pra lembrança!
- Tomem pudera home de Deus! Deis da semana passada eu cortei os anzol e amarrei as linha da tua vara na tua poça vergonha e ocê, pescano todo dia nem seque se apercebeu!!! Só se ôce tá pescano é piranha de dois pé e isso nóís vai resorvê é agora, seu véio safado e desavergonhado! Era só copo e garrafa de aguardente voando para todo lado na maior quebraria, que nem polícia cercava.
Pegando enfurecida a carabina saiu dando tiros e mais tiros,chamando a atenção de toda a vizinhança que só via o Seu Zezinho correndo e gritando como um desesperado
- Socorro, socorro, me ajudem! A Lindinha vai me matar! E toda a cidade que já sabia do antigo hábito de pescaria do Seu Zezinho foi só fechando as janelas deixando o pobre no maior aperto. No outro dia, o saldo foi o seguinte, o rosto todo machucado, braço na tipóia, olho roxo provocado por um soco certeiro e banhos de arnica para aliviar as dores do coitado.
Dona Lindinha continuou na sua vidinha difícil, com seu maridinho do lado, mas de uma coisa ela tinha certeza! Pescaria? Só se fosse com ela!