Carta Escrita Por Um Condenado
Escrevo esta carta sem saber ao certo se conseguirei terminá-la.
Meu prazo é curto e a qualquer momento aqueles malditos vêm me buscar.
Aqui, preso neste local, não sei mais se é dia ou se é noite, só sei que a vela que queima no candelabro se derrete cada vez mais rápido e a chama parece iluminar o cômodo cada vez menos.
Oh, Deus, mas que destino cruel me foi reservado! Cheguei tão perto de escapar...
Nesse momento apenas lamento as decisões erradas que tomei! Como pude ser tão imbecil?
Ora, pareciam tão corretas naquela hora...
Uma pena, nunca estive tão enganado.
Mas, mesmo assim, deixo essas palavras registradas para a posteridade. Espero que não se percam na história e que, tão logo outros possam ter acesso a esse simplório desabafo, para talvez não cometerem a mesma burrada que este que vos escreve cometera.
Pois bem, na manhã do último sábado, antes do almoço, na feira livre que ocorria na entrada da cidade, havia uma barraca de bebidas que se destacava de todas as demais! Lá se vendia incontáveis tipos de licores, sidras, vinhos e todas as demais maravilhas alcoólicas dos quatro cantos do mundo!
Confesso, é triste lembrar, pois ali começou a perdição da liberdade que eu tanto prezava!
A barraca estava lotada de bebuns que, não satisfeitos, sentavam-se pelo gramado para saborear suas bebidas.
Claro, eu também queria um cantinho ao sol, mas aqueles infelizes estavam criando empecilhos e desculpas para evitar a minha presença lá no meio, como se eu fosse malquisto naquele lugar!
Dessa maneira, tive que me aconchegar ao lado do balcão, bem de frente da jovem Maria, que trabalhava servindo as bebidas, e, mais tarde, descobri que a donzela era filha do dono da barraca.
Enquanto saboreava um maravilhoso vinho do porto, fiquei ali maquinando sobre o porquê de não ser bem aceito no grupo dos homens que lá estavam.
Não havia motivos, eu sequer os conhecia!
Gole vai, gole vem, o tempo passou e me mantive a postos, obstinado a descobrir o motivo da repudia.
A jovem Maria, a cada gole, parecia-me mais simpática e, salvo engano, a partir de dado momento, dividi minha atenção entre especular mentalmente sobre os escusos motivos de meus algozes e os belos olhares de Maria.
Notei que, quanto mais trocávamos palavras, mais o grupo de homens me encarava e cochichavam um com o outro. O que confesso ter me incomodado bastante.
Por sorte, após a terceira ânfora de vinho, estava plenamente confiante de que sozinho daria conta de encarar todos aqueles seis indivíduos que me aporrinhavam desde quando cheguei.
Demonstrei claramente minha insatisfação para Maria, que disse algo para tentar me dissuadir da ideia, mas, na hora, pouco me importei e sequer dei ouvidos a ela, estava possesso!
Desencostei do balcão em que estava ancorado e me pus a caminhar na direção dos falastrões. Na minha concepção, eu caminhava como um general do exército, marchando para exibir ao público meu coturno reluzente, porém, mais tarde fui informado que estava trocando os pés e que, mais de uma vez, tropecei nas pernas de outras pessoas que estavam esparramadas pelo chão.
Frente a frente com os malditos, estufei o peito e pus-me a questioná-los qual era o problema com a minha pessoa! Na hora, todos os seis se levantaram e começaram a dar gargalhadas! Uma afronta que serviu como estopim para minha raiva.
Naquela mesma noite me relataram que não consegui formular meia frase que fizesse sentido e, em verdade, esse fora o motivo das gargalhadas.
Bom, como dito, a raiva tomou conta de mim e parti para cima de um deles, o mais idoso.
Naquele momento, toda a barraca se alarmou com o ocorrido e uma extensa gritaria e confusão começara.
Quase que no mesmo instante, um jovem rapaz que acompanhava o velhote puxou uma arma de sua cintura e disparou para cima, três tiros!
PÁ! PÁ! PÁ!
Instintivamente corri para o balcão da barraca e com um salto o atravessei, porém, como se não bastasse, meu pé direito ficou agarrado na madeira e me esborrachei em cima de Maria!
Segundos depois, quando percebi, meu corpo estava atracado ao dela no chão e, inconsequentemente, eu havia a beijado.
Toda a cena foi vista por dezenas de pessoas, praticamente a cidade inteira presenciara aquela cena constrangedora e os murmúrios já haviam se espalhado.
Fui retirado abruptamente pelo velho e pelo pistoleiro, que repetiam frases como “você está bem minha filha?” ou ainda, “minha irmã, eu vou matar esse vagabundo!”.
Um pouco atordoado pela queda, pela emoção e principalmente pela bebida, sai de fininho por de trás da barraca, aproveitando a confusão generalizada que se formara.
Há alguns metros dali, parei para respirar e, infelizmente, fui alcançado pelos seis homens, que estavam bufando feito touros bravos.
Da pior forma possível descobri que havia beijado a filha do dono da barraca e o jovem armado era nada menos que seu irmão mais velho.
Sem delongas, o velho me amarrou as mãos e me trouxe para este buraco. Durante o caminho fui informado de que não havia outro jeito, minha vida agora não mais pertenceria a mim.
Seria obrigado a casar-me com Maria pois a havia desonrado em público, e isso não seria aceito pela família do barraqueiro.
Destino diferente daquele seria unicamente a morte, fizeram questão de deixar claro.
Agora estou aqui, desfrutando dos meus últimos instantes de liberdade. Logo mais serei um homem casado, forçadamente, com uma mulher que de igual forma não me deseja.
Em eterno cárcere estaremos condenados.
Por isso, desavisado leitor que lê esta carta, não cometam o mesmo erro que cometi.
Nunca bebam de barriga vazia.