Larga tudo
Dia desses estava eu completamente relaxado, cochilando no coletivo que me levava ao trabalho, quando subitamente algo atraiu minha atenção. Avistei um guri correndo esbaforido pelo chão lamacento. Sem camisa, com os pés descalços... Os olhos sempre fincados no céu cinzento. Olhei para o firmamento e compreendi. Um meio sorriso se formou em meus lábios, o garoto que dormita em meu intimo deu sinais de vida e as lembranças vieram em jorro...
Final da década de 1970, o céu estava apinhado de cafifas, boa parte delas com majestosas rabiolas: longas e imponentes.
Cintilavam coloridas no ar, com escudos dos nossos times de futebol, com os rostos dos nossos super heróis favoritos... O vento soprava com brandura e frescor, o sol iluminava radioso e aquecia aqueles dias onde a diversão era o único compromisso.
Hoje, encouraçado por décadas de existência as coisas mudaram. Tenho notado que a medida em que os anos avançam a vida vai roubando os sorrisos "dos desatentos", deixando-os carrancudos e amargos.
Hoje vejo adultos e idosos empinando pipas negra que levam em seu corpo as seguintes inscrições: "problemas", "angústias", "desconfianças", "medos"...
O céu que outrora ofuscava a vista com um intenso azul agora se apresenta opaco, enegrecido... O vento que bafejava moderadamente agora sopra com ferocidade.
Ao redor dos papagaios negros desses homens e mulheres, há inúmeros outros investindo contra os deles.
É preciso permitir que o jovem impetuoso, irresponsável e corajoso que reside em nosso intimo se manifeste e arrebente a linha que mantém nossos temores flutuando imponentes sobre nós e soltem sem receio para que o vento da mudança se encarregue de levar nossos sofrimentos para bem distante.
Quando encurralados é saudável desdenhar dos nossos incômodos, olhar com superioridade e confiança para o que nos aflige, encarar com menos seriedade aquilo que nós contraria, enxergar com pequenez os nossos verdugos..
É preciso reconhecer a nossa grandeza, sobretudo quando estivermos embrulhados em redemoinhos mentais e emocionais.
Ah!!! Não se assuste se no momento em que arrebentar a linha dos seus tormentos, instantes antes de solta-la ao sabor do vento, perceber que a cor de sua pipa mudou de negra para rosa, e que em seu corpo agora fulgura a inscrição "paz".