O PADRE, O MENINO E A GARAPADA DE RAPADURA
Vô-le contá um causo assucedido lá pras banda dos Inhamuns, no interior do Ceará. O causo é o siuguinte e o siuguinte é eche:
Uma feita, vinha um pade em riba duma burrinha já cansadinha da viagem. Os dois, o pade e a burra, a burrinha e o pade, viajavam debaixo dum sol que era tão quente que nem brasa acesa, que nem fornalha.
Esbaforido pelo calor infernal, o pade viu uma casinha na bêra da istrada. Apeou da burrinha que já não aguentava mais aquela lida de levá o pade.
Aí o pade viu um minino e aí chamou o minino.
Ô minino, ô de casa!
Aí foi que o minino, que tava brincando, viu o pade. Todo minino gosta de mexer com os pade.
Aí o pade diche: ô minino, cadê seu pai, cadê sua mãe?
Aí o menino diche que o pai e a mãe dele tinham ido pra feira.
Aí o pade diche assim: vosmicê minino tem não uma aguinha pra dar pru pade e pra burrinha, que é por causa que nóis tá cum sede da viaje?
Aí foi que o minino diche: vô vê se tem. Mas antes me arresponda essa pregunta:
Que pregunta é echa?
Aí o menino preguntou pro pade: essa burrinha que o sinhô veio nela se transforma de noite numa muié pru mode o sinhô, seu pade, se abufelá cum ela?
É ou num é?
Aí o pade se arretô-se com o minino: me arrespeite que eu sou um pade!
Aí o minino dice: é ou num é? Me arresponda que vô vê se tem água!
É não! Essa burrinha é burrinha mermo, num é muié não!
O pade tava tiririca de ódio do minino.
Aí foi que o pade diche: tem água ou num tem, minino?
O minino diche: tem não. Mas tem garapa de rapadura, qué?
Aí o pade diche: quero.
Aí o minino diche: qué mermo? Óia lá! Vai querê mermo?
Aí o pade diche: já diche que quero, minino maluvido!
O minino foi lá dento da casa e trôxe uma cuia cheinha de garapa de rapadura. o pade bebeu e deu pra burrinha bebê.
Aí o pade diche: tem mais? O minino diche tem e foi buscar mais lá dento e trouxe a cuia mais cheia do que antes e o pade bebeu. E depois bebeu mais uma e mais ôta.
Aí o pade diche: Minino, sua mãe não vai se zangá pruiquê vosmicê me deu echa garapa todinha?
O menino diche: Vai não seu pade, ela num qué mais echa garapa pruique tinha três rato morto dento do pote!
O pade se arretô-se de novo com o minino: muleque maluvido! Pruiquê num diche antes de eu bebê?
Aí o pade pegô a cabaça de tanta reiva que tava do minino e jogou cum tava força que quebrô a cabaça no chão.
Aí o menino arregalô os zói e diche: agora sim, seu pade, por sua culpa é que eu vô levar uma surra das grandes!
Aí o pade diche: o que foi que eu fiz?
Aí o menino diche: pois o sinhô acaba de quebrar a cabacinha da minha vó mijar dento!
Aí o pade se arretô-se de novo com o minino!
(Conto popular do Nordeste)