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UMA LEMBRANÇA MUITO ESPECIAL
Era uma menina tagarela, inquiridora. Bochechas rosadas, riso largo, olhar curioso.
- Vó, estrela tem nome?
- Algumas têm. Aquela ali é a Papa-Ceia.
- E aquela lá?
-Não sei. E não aponte. Vai criar verruga.
Calava por alguns minutos, pensativa. Voltava ao bombardeio das inquirições, enlouquecendo a todos. Vez ou outra alguém dizia:
- Nossa! Deram água de chocalho a essa menina!
Morava na roça, sem vizinhança, num lugarejo igual a tantos no Nordeste. Além das irmãs, os bichos e as fruteiras eram suas companheiras de longas conversas.
Interessou-se a ouvir histórias e, consequentemente, por livros. Aos quatro anos não era permitido ir à escola com as irmãs mais velhas, primas e primos embora insistisse diariamente:
- Deixa eu ir!
Não deixavam. No retorno das irmãs, mais tarde:
- Como é a escola? O que tem lá? O que vocês aprenderam? Me ensina...
- Chega! Deixa a gente sossegar!
Um dia descobriu ser possível decifrar aqueles desenhinhos engraçados. Descobriu que eles se transformavam em palavras.
- Vó, o que está escrito ali?
-Almanaque do Coração de Jesus.
- E aqui?
-Sagrada Família...
Seguia com intermináveis “e ali?” “o que é?” “como é?”, mudando de assunto quando percebia o enfado do interlocutor.
- Mãe, escreve meu nome aqui - apontava para um caderno - Escreve galinha também. E cachorro. E cavalo...
A mãe ficava um tempo escrevendo o nome das coisas que ela queria saber.
- Agora chega. Vá brincar. Quando tiver idade vai à escola com suas irmãs e vai aprender a ler. Tenha paciência.
- E por que não posso ir agora?
- Já disse. Você é muito criança.
A menina não se dava por vencida e ia brincar com os poucos livros que havia na casa. A avó, impressionada com seu empenho em aprender a ler, deu-lhe um velho almanaque. Antes, leu para a neta a estória “A menina e o leite”.
Passava horas rabiscando sem parar, falando consigo mesma. Dizia que estava lendo e escrevendo cartas. Dias depois que recebeu o presente da avó, gritou entusiasmada:
- Leiiiite! Leiiiiite!. Essa palavra é leite e eu já sei ler!
A partir de então ninguém teve mais sossego em casa. Lia tudo.
Gaguejava, soletrava, engolia parte das letras e todos os acentos, mas lia em voz alta para as visitas, para os pais, para as irmãs e primos e, principalmente, para a avó, que tinha uma paciência infinita com ela. Em pouco tempo leu tudo que havia na casa.E mais: os livros trazidos por suas irmãs e qualquer impresso que aparecesse. A partir de então, ler se transformou em seu passatempo favorito.
Um universo jamais visto ou sonhado de beleza saltaram das páginas para sua vida. Ao frequentar a escola, descobriu a biblioteca, pobre de acervo, mas rica o suficiente para transformar o mundinho de menina do interior, que tomou dimensões inimaginadas.
O tempo passou, a menina virou mulher, conservando o olhar curioso, o riso largo e a mania de ler tudo que lhe caía nas mãos. Cumprindo uma profecia de sua avó, tornou-se professora.
Conto autobiográfico,memória de minhas primeiras leituras.
Publicado no livro "O Conto das Alagoas", lançado na III Bienal Alagoana do Livro", no dia 23 de outubro de 2007.
Nossa casa
UMA LEMBRANÇA MUITO ESPECIAL
Era uma menina tagarela, inquiridora. Bochechas rosadas, riso largo, olhar curioso.
- Vó, estrela tem nome?
- Algumas têm. Aquela ali é a Papa-Ceia.
- E aquela lá?
-Não sei. E não aponte. Vai criar verruga.
Calava por alguns minutos, pensativa. Voltava ao bombardeio das inquirições, enlouquecendo a todos. Vez ou outra alguém dizia:
- Nossa! Deram água de chocalho a essa menina!
Morava na roça, sem vizinhança, num lugarejo igual a tantos no Nordeste. Além das irmãs, os bichos e as fruteiras eram suas companheiras de longas conversas.
Interessou-se a ouvir histórias e, consequentemente, por livros. Aos quatro anos não era permitido ir à escola com as irmãs mais velhas, primas e primos embora insistisse diariamente:
- Deixa eu ir!
Não deixavam. No retorno das irmãs, mais tarde:
- Como é a escola? O que tem lá? O que vocês aprenderam? Me ensina...
- Chega! Deixa a gente sossegar!
Um dia descobriu ser possível decifrar aqueles desenhinhos engraçados. Descobriu que eles se transformavam em palavras.
- Vó, o que está escrito ali?
-Almanaque do Coração de Jesus.
- E aqui?
-Sagrada Família...
Seguia com intermináveis “e ali?” “o que é?” “como é?”, mudando de assunto quando percebia o enfado do interlocutor.
- Mãe, escreve meu nome aqui - apontava para um caderno - Escreve galinha também. E cachorro. E cavalo...
A mãe ficava um tempo escrevendo o nome das coisas que ela queria saber.
- Agora chega. Vá brincar. Quando tiver idade vai à escola com suas irmãs e vai aprender a ler. Tenha paciência.
- E por que não posso ir agora?
- Já disse. Você é muito criança.
A menina não se dava por vencida e ia brincar com os poucos livros que havia na casa. A avó, impressionada com seu empenho em aprender a ler, deu-lhe um velho almanaque. Antes, leu para a neta a estória “A menina e o leite”.
Passava horas rabiscando sem parar, falando consigo mesma. Dizia que estava lendo e escrevendo cartas. Dias depois que recebeu o presente da avó, gritou entusiasmada:
- Leiiiite! Leiiiiite!. Essa palavra é leite e eu já sei ler!
A partir de então ninguém teve mais sossego em casa. Lia tudo.
Gaguejava, soletrava, engolia parte das letras e todos os acentos, mas lia em voz alta para as visitas, para os pais, para as irmãs e primos e, principalmente, para a avó, que tinha uma paciência infinita com ela. Em pouco tempo leu tudo que havia na casa.E mais: os livros trazidos por suas irmãs e qualquer impresso que aparecesse. A partir de então, ler se transformou em seu passatempo favorito.
Um universo jamais visto ou sonhado de beleza saltaram das páginas para sua vida. Ao frequentar a escola, descobriu a biblioteca, pobre de acervo, mas rica o suficiente para transformar o mundinho de menina do interior, que tomou dimensões inimaginadas.
O tempo passou, a menina virou mulher, conservando o olhar curioso, o riso largo e a mania de ler tudo que lhe caía nas mãos. Cumprindo uma profecia de sua avó, tornou-se professora.
Conto autobiográfico,memória de minhas primeiras leituras.
Publicado no livro "O Conto das Alagoas", lançado na III Bienal Alagoana do Livro", no dia 23 de outubro de 2007.
Nossa casa