V e l h a h i s t ó r i a

Costumeiramente, finais de semana e feriados passam-nos despercebidos, por nossa cidade não nos oferecer algum ambiente propenso ao lazer, e mesmo ao cultural, tirante de quem gosta de uma pelada na praça ou visitar os parentes no sítio. Então foi assim que tudo começou.

Como sempre, costumo sair para pescar. Era um belo domingo de primavera à tarde, quando me decidi a praticar meu relaxamento mental, e fuga para as coisas banais da vida. Fui pescar.

Ao deixar minha residência, cruzando a rua, alguns vizinhos me olharam como quem queria perguntar se não haveria outra coisa mais interessante para fazer em pleno domingão.

Mesmo assim, sob o olhar de desaprovação daquelas pessoas, segui em direção à Lagoa - aquela famosa e histórica lagoa. Logo a alcancei. E ao oferecer a primeira isca, fiquei sem ela, pois um esperto peixinho a levou sorrateiramente que, com certeza, a saboreou orgulhoso, visto que lhe foi uma honra ter-me desarmado - modéstia à parte, sou bom pescador.

Na próxima investida, não teve para ninguém: fisguei um belo lambari. Tinha escamas coloridas e era fêmea, pois reconheci imediatamente pela proporção de seu ventre - estava grávida. E sem pestanejar, não a detive, levando-a cuidadosamente à água, de onde saíra, garantindo-lhe assim um parto seguro e entre seus familiares. Sem falar que mantive respeito às Leis da Natureza.

Só que aquele brilho azulado não me saía da mente, que já estava a me julgar por tamanha “burrice” em deixar ir embora o único petisco que apanhara até então. E não deu outra, surgia o entardecer e nada de peixes. Sequer uma mísera piabinha.

Um pouco desapontado, decidi voltar para casa. Só que bem ali, repentinamente, percebi um leve balançar de água. Um redemoinho denunciava alguém por perto. Podia muito bem ser alguma daquelas ladras que me levara até a última isca, escapando ilesas do anzol e do velho pescador. Só que não.

Desconfiado e com a curiosidade à flor da pele, embasado pela experiência de pescador, devagarinho, fitei o ambiente ao redor, catando uma pedra que estava boba por ali, no intuito de arquitetar um bom plano, caso precisasse. E o inesperado aconteceu. Não é que me desequilibrei e tomei um tombo gigantesco, esparramando-me naquela água um pouco enlameada e traiçoeira!

Só que teve a parte boa da coisa! Quase sem acreditar, e molhado até os olhos – mas muito feliz, vi um belo tambaqui, todo atrapalhado - mais do que eu, saltar para o lado contrário. Foi cair diretamente no capim que ficava à margem da lagoa, ficando todo enroscado, a quem pude ligeiramente capturar, felicíssimo da vida.

Aquele peixão certamente catava algum inseto caído na margem por ali, e se deu mal, para minha alegria de pescador, que estava no dia e na hora certa, quase sem acreditar naquela aventura boa.

Ainda atordoado com o susto, e também a surpresa, voltei saltitando para casa. Trazendo na mochila um bom pescado, e um pouco de lama na roupa. Mais que ninguém consegue imaginar o tamanho da felicidade que sentia. Sem falar no peito estufado, elevando meu nível de pescador sortudo.

O tempo passava e nunca esquecia aquela façanha, em um pleno domingo de primavera, que nunca mais voltou com aquela mesma emoção. Por mais vezes que repetisse meu hobby, jamais senti uma sensação tão boa quanto aquela.

E hoje, recontando a meus netos, talvez pela milésima vez, mergulho nostalgicamente no meu passado, degustando ainda aquela maravilhosa pescaria – sem peixe no anzol, mas pescando o maior peixe de todas as minhas andanças nesta vida.

Não abandonei meu lazer, é que já não há mais peixes para este velho pescador, somente recordações dos bons tempos e a saudade das muitas aventuras que vivi. Mas que por tudo isso, ainda sou muito feliz.

Ailton Clarindo
Enviado por Ailton Clarindo em 15/03/2017
Código do texto: T5942141
Classificação de conteúdo: seguro