A PRIMA RICA

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Recontando Contos Populares

 

Conta-se que, certa vez, uma moça muito bonita, filha de um rico fazendeiro, foi hospedar-se em casa de um tio pobre, pai de três garotões solteiros.

No fim de poucos dias, a moça entendeu que estava sendo paquerada pelos três primos, sendo que cada um, guardava em segredo, essa paixão.

Depois de três semanas, a prima marca sua partida para o dia seguinte. Foi então, que cada um dos primos resolveu confessar-lhe seu amor, pedindo-a em casamento. O mais velho que se chamava Everaldo, tomado de coragem, foi o primeiro a lhe falar. A moça ouviu-lhe o pedido, mas como não sentia nada por ele, e sendo um tanto espirituosa lhe propôs o seguinte:

— Só me casarei com o homem que me der provas de sua coragem. Aceitarei seu pedido se hoje, à meia noite, vestido de preto e levando um lençol branco, você penetrar no cemitério e deitar-se sobre o túmulo que estiver de frente ao portão de entrada, cobrindo-se com o lençol como se este fosse uma mortalha. Mas antes deve acender velas em volta do túmulo e não pode sair dele antes de clarear o dia, hora que lá irei para confirmar tua coragem.

Everaldo, apaixonado, não teve dúvidas em aceitar a proposta.

Mal Everaldo deixa a moça, apresenta-se Arnaldo. Feita a declaração, obteve a mesma resposta, porém com proposta diferente:

— Serei tua esposa se esta noite, à uma hora da madrugada, você penetrar no cemitério, mascarado, vestido de preto e levando consigo uma banqueta; deve sentar-se junto ao túmulo que encontrar iluminado por velas, tendo um defunto deitado sobre ele. Ao raiar do dia irei ver se é corajoso.

Arnaldo, também apaixonado, aceitou de imediato a proposta.

Clodoaldo, o mais moço, levou mais tempo para tomar coragem, e só foi ter com a moça, no cair da tarde. Esta lhe respondeu como já fizera aos outros:

Caso-me contigo, se está noite, às duas da madrugada, você penetrar no cemitério, vestido de diabo, com uma sineta numa mão e uma tocha na outra. Entrará pela porta principal e irá até o túmulo bem em frente, que estará iluminado por velas, de onde me trará certo objeto que está sobre ele.

Clodoaldo, mais apaixonado ainda, jurou cumprir o acordo.

A moça, depois disso, correu até a casa do coveiro, guardião do cemitério, e propôs-lhe, por uma boa gorjeta, deixar o portão do cemitério sem tranca durante a noite e manter absoluto segredo do que lhe contara. Dito e feito.

Antes da meia-noite, Everaldo vestiu a roupa preta e com o lençol embrulhado debaixo do braço, partiu para o cemitério. Experimentou o portão principal; encontrando-o destrancado, agradeceu a sorte, e entrou. Lá estava o túmulo, aproximou-se vagarosamente, olhou para um lado e para o outro, embora sentisse arrepios de medo, acendeu as velas em volta, subiu para o túmulo e nele deitou-se, cobrindo-se com o lençol; justamente quando o relógio da matriz dava as badaladas da meia-noite.

Ali se deixou ficar, tremendo que nem vara verde. Passada uma hora, ouviu rumor no portão de entrada. Sentiu que alguém, passo a passo, se aproximava. Percebeu que o visitante arrastara uma banqueta e sentou-se junto do túmulo, se borrando de medo.

Everaldo, sem saber de que elementos de coragem e força dispunha, segurava-se para não estremecer e denunciar o pavor que sentia. A vontade era pular daquele túmulo e fugir.

Por outro lado, Arnaldo, de cabelo em pé, tremia mais do que gelatina. O silêncio no cemitério era profundo, só interrompido, de vez em quando, pelo canto das corujas e o voo dos morcegos. E para piorar as coisas para o suposto defunto, Arnaldo começou a cochichar, numa voz cavernosa, padre-nossos, ave-marias, Credo em cruz e o que mais podia se lembrar de rezas.

A coisa já ia de mal a pior, quando se ouviu um badalar de sineta. No portão aberto do cemitério apareceu a figura diabólica de Clodoaldo. Era o que faltava; diante daquela encarnação de essência diabólica, Arnaldo ergue-se da banqueta e Everaldo, arrancando lençol do corpo, pula do túmulo. Ambos sem se reconhecerem, puseram-se em desnorteada carreira.

Clodoaldo, por ver um defunto pular do túmulo, assombrado, treme, e quanto mais tremia mais badalava a sineta. As aves adormecidas nos galhos das árvores fugiam espavoridas, ao ranger frenético da sineta. Ao ver os dois passarem por ele, feito flechas, não se deu por rogado e disparou atrás... E lá se foram os três, correndo na mesma direção: a da casa deles.

A prima, que não era nada boba, já os esperava na janela e, ao vê-los chegar ao mesmo tempo, naquela situação, não se conteve e caiu na gargalhada, exclamando: "Perderam a aposta! Não é culpa minha que não tivessem coragem!"

Os irmãos então caíram em si e perceberam o papelão que tinham representado. Pediram à prima que não revelasse o acontecido, que foi prontamente prometido. Assim, fizeram as pazes; podendo, no outro dia, a moça retirar-se para sua fazenda.

O caso veio a conhecimento do arraial pelo coveiro. Com a sobra do dinheiro recebido, encheu a cara no boteco e contou todo o acontecido.®Sérgio.

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Nota do Texto: Em contato que tive com pessoas pela internet, interei-me que este causo já correu o Brasil, em versões mais ou menos diferenciadas. Lindolfo Gomes em Contos Populares (1931) já o havia ouvido em Mata de Minas. Aqui, contou-me o senhor Otacílio, por três vezes. Qualquer um que pegue de prosa com ele, vai ouvi-lo na primeira oportunidade, principalmente, se ele já tiver tomado umas.

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Agradeço a leitura do texto e, antecipadamente, qualquercomentário.

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Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 05/08/2007
Reeditado em 08/02/2010
Código do texto: T593678