A mulher da janela
Em uma cidadezinha do interior, uma mulher debruçada na janela de casa observa o ir e vir das pessoas pela rua, o voar e revoar das andorinhas pelos telhados, o entrar e sair da gente no mercado da esquina, e atenta às novidades do dia a dia de cada vizinho que por ali passasse, como se até onde sua vista alcançasse fosse a extensão de seu quintal, um vasto reino em que ela cuidaria da vida de cada passante. Ao longe, um carro se aproximava devagar, o motorista esticando o pescoço para fora do veículo e virando a cabeça de um lado para o outro, perdido. A mulher da janela volta sua atenção para o viajante e vai se debruçando ainda mais sobre o parapeito acompanhando com seus grandes olhos a passagem do homem desconhecido, como se sua curiosidade tivesse a mágica de fazer o carro parar bem na sua frente e atender ao capricho de saber mais sobre o misterioso forasteiro.
Por insistência, os olhos perdidos do motorista encontram os olhos determinados da mulher e ele para o carro no meio-fio, exatamente sob a janela da moradora anônima, confiando no jeito de bem informada que ela transmitia.
— Bom dia – ele acena para a mulher de dentro do carro.
— Bom dia. É um bom dia, né? Mas parece que vai chover à tarde – responde a mulher, relaxando o corpo sobre o parapeito, sorrindo de satisfação por acolher em primeira mão a novidade do dia — O senhor não é daqui, né? – falava pausadamente, enquanto aproveitava para espiar o interior do carro. Queria de antemão desvendar qualquer dúvida a respeito das intenções do viandante solitário. Seria um fugitivo? Seria um caçador de talentos? Ou apenas pretendia entrar em outra cidade e errara o caminho?
O homem sorri, constrangido por despertar desconfiança na moradora local.
— É, eu não sou daqui. Moro na capital e não conheço muito bem essas bandas. Apesar da placa que indicava a entrada da cidade, não achei nenhuma outra que me indicasse os nomes das ruas.
— Pois é que aqui é assim. Cidade pequena, quase não recebemos visitantes de fora, então todo mundo sabe aonde ir. Mas o que o traz a este recanto? O senhor é policial? – testou.
— Não, não... – riu. — É uma longa estória. Vim tentar fazer um favor para minha mãe. Ela mora no litoral, está idosa, já não pode andar, e pediu que eu viesse até aqui dar um recado em nome dela. Preciso chegar na Rua... – ele devia ler pela centésima vez a anotação que segurava em sua mão — Rua Colibri, sabe onde fica?
— Pois o senhor pode se sentir com sorte. Esta ruazinha tranquila aqui, da avenida lá atrás, passando por aquele açougue muito careiro, por esse mercado e por aquela lojinha de roupa, até aquela pracinha da igreja ali, é a Rua Colibri – apontava, contentando-se por também se sentir com a sorte de poder testemunhar o final da jornada daquele peregrino solitário.
— Ufa, então o dono do posto de gasolina me ensinou certo – suspirou o homem. — Você sabe onde fica o número 220?
— O número 220? Os números das casas mudaram faz uns dez anos, não existe nenhuma casa com esta numeração mais. Puxa, como essa cidade mudou, como o tempo passa, né? – A mulher percebe o olhar de decepção do viajante, como se sua missão fracassara e resolve ajudar. — Você conhece a família que mora na casa, pelo menos?
— Eu só sei que a dona dessa casa se chama Maria Rosinha, é uma velha amiga de infância da minha mãe. Eu tenho um recado de minha mãe para ela.
— Maria Rosinha? Maria Rosinha... Meu Deus, faz tempo que eu não escuto alguém falar esse nome... – relembra.
O viajante torce o rosto, a senhora já deve ter falecido e ele chegara tarde demais para atender talvez o último pedido de sua mãe.
— Ah, bem – a mulher continua após a breve pausa, — pois você deve estar falando da Mazinha!
— Isso! Isso mesmo! Minha mãe disse que o apelido dela é esse, Mazinha – o homem sai do carro e se achega à janela, atraído pela única esperança de realizar sua missão. — Você a conhece?
— Vixi, desde que me conheço por gente.
— Então você sabe onde ela mora – o homem se certificava.
— Pois sim. É só entrar por esse portão aberto aqui do lado – indicou com o queixo. — O senhor pode deixar o seu carro ali na praça, que aqui é um lugar bem sossegado, viu? Depois é só ir voltando a pé. Esse portão sempre fica aberto. Aqui é assim.
— Olha, muito obrigado.
— Qual o seu nome mesmo, senhor?
— Meu nome é Túlio. E o seu? Quase esqueci de perguntar.
— Prazer, Túlio. Pois eu sou a Mazinha. Vou deixar a minha porta aberta enquanto preparo um chá. Temos muito que colocar a conversa em dia.