Meu filho me perguntou se eu saberia fazer um pequeno carro de boi para enfeite, fiz e aí tive de fazer dois, outro para minha filha.

 
                        "TEMPOS QUE SE FORAM"




     Fui à sala do mestre Geraldinho do Engenho e me encantei com este cordel. Carro de boi Para mim e este amigo o Geraldo e outros da nossa geração, o carro de boi ficou impresso na mente, O seu canto em dias quentes soava de forma a reconhecer e diferençar um do outro.

     Era o meio de transporte mais comum nas estradas rurais do Brasil, principalmente em Minas Gerais cheia de morro e pedreiras. Meus pais conheciam desde criança a família dos cabriteiros, criadores de cabritos e carneiros, uma vez fomos visitar a casa deles, me lembro que o cheiro era insuportável, dava ânsia de vômitos aquele bodum.

     O chefe da família era Zé Cabriteiro e logo que me viu perguntou à minha mãe se não me deixava trabalhar com ele como guia de boi de carro? Mamãe achava que eu era muito arteiro e concordou logo, ainda mais que ele ia me pagar dois cruzeiros por semana, foi assim que eu tive meu primeiro emprego.

     O homem era ruim, Isto sob o meu olhar de menino de oito anos, para os outros deveria ser normal. Espetava os bois com uma vara comprida que tinha incrustado na ponta, um prego grande e afiado, o nome era “guiada” além de gritar o tempo inteiro, com os bois e comigo. Menino burro chama os bois, deixa de ser mole menino, guie os bois, o carro cantando e eu na frente cansado, comendo mal dormindo pior ainda. Deixei o emprego depois de duas semanas e o homem não me pagou nada.

     Minha mãe ficou uma fera, mas logo me arranjou outra ocupação, o que ela não queria era ver-me caçando passarinho com estilingue e pescando no rio sem querer ir à escola. Apareceu por lá um cego precisando de alguém para guiá-lo enquanto pedia esmola, não é que minha mãe segurou logo o emprego para mim? E toco eu a acompanhar o cego que punha uma mão no meu ombro e vamos em frente.

     O peste do cego ia me ensinando como proceder na hora que parávamos em uma casa, faça cara de choro, diz que estamos com fome e assim ganhávamos um prato de comida ou um lugar para dormir, menos de uma semana larguei o maldito debaixo de uma árvore sombrosa onde ele pedira pra descansar e me mandei, mãe ficou brava, mas desta vez meu pai estava em casa e ralhou com ela dizendo que eu fizera muito bem.

     Ela engoliu o sapo, mas me arranjou novo emprego, este era para vender na cidade as verduras que uma vizinha plantava, tinha de levantar cedo para percorrer uma légua ainda com dia escuro para chegar à cidade sem que as cebolas de cheiro, couve, e alface murchassem. No primeiro dia vendi tudo, estava muito cansado de andar a manhã toda e ao entregar o dinheiro a ela, na frente de minha mãe fui acusado de roubo, faltava o dinheiro de dois molhes de cebola e um de couve, “este mais caro”. Afirmou que eu devia ter comprado picolé com o trocado, na verdade eu fora roubado por duas irmãs, uma me distraiu e a outra pegou as verduras.

     Foi difícil convencer a minha patroa, mas acabei recebendo a metade do prometido e nos outros dias quando parava na rua para alguém comprar eu punha a peneira de verduras na minha frente para não ser roubado. Este emprego era uma merda, mas fui salvo pelo meu pai que resolveu me matricular na escola depois de mudarmos para a cidade, pois ele tinha arranjado emprego na prefeitura onde “coitado” arranjou sua profissão depois de alguns anos como tratorista e patroleiro, boa profissão.

     Chega! Menino pobre tem tanta coisa pra contar, que uma vida só é pouca. Assim, eu como o poeta Geraldinho do Engenho, e outros: Jacó e Miguel – Filhos, e incontáveis poetas do recanto, vão por etapas contando coisas de quem conheceu o mundo inteiro pelas estampas de Eucalol que traziam retratos de cidades estrangeiras e eram os tesouros dos roceiros.

Mestre Geraldinho do Engenho fez este cordel maravilhoso.


FRAGMENTO DA VIDA RURAL



Meras lembranças restaram
Do velho carro de boi
Do campo para a cidade
Quão importante ele foi
Levando o arroz e feijão
Trazendo preciosidades

Com o seu canto dolente
Deixando suas marcas no chão
No seu continuo vai e vem
Abasteceu de lenha o fogão
Alimentando toda a gente
Súditos e nobres também

Mas como tudo tem seu tempo
O seu também chegou ao fim
Restam apenas seus fragmentos
É lamentável o ver assim
O seu passado de gloria
Tornou-se um capitulo na historia


A vida é mesmo um mistério
Do carreiro apenas a saudade
Na lápide do cemitério
Como dói essa realidade
Partiu primeiro que os bois
Aos açougues da cidade

Veja a vida como ela é
Do carreiro os gritos emudecidos
Dos bois sapatos de couro no pé
Do carro pedaços apodrecidos
Mas na memória da gente...
Saudades do seu canto dolente!



Trovador das Alterosas resolveu e esticou o caso para mostrar que se lembra dos carros de bois, Ai saudade do canto e dos gritos dos carreiros gravados no cérebro como canto de passarinho.


CANDIEIRO DE
CARRO DE BOI.


Era uma cantiga sonolenta
Ecoando naquelas estradas,
E soava como um lamento
Pelas bibocas empedradas,
Até hoje ela me atormenta,
Sendo por mim lembradas.

Mamãe com seu tino seguro
Já cuidava do meu paradeiro,
É bem isto aí que eu procuro
Você vai ser é um candieiro,
E ter uma profissão de futuro
Junto com o mestre carreiro.

Ò meu Deus que me perdoe,
Mas êta hominho desgraçado...
E toda minha paciência se foi.
Na tábua do carreiro, trepado,
O peste metia a guiada no boi
Inda me xingava de retardado.

Aguentei ainda duas semanas
No tal inferno de peregrinação,
O almoço eram duas bananas,
E agente dormia esticado chão.
Revoltado eu larguei o sacana
E desisti daquela tal profissão.

Mamãe pra levantar o meu ego
Disse: sem trabalho não vai ficar.
Ela queria meu bem, não nego,
Queria me ver era a trabalhar,
Arranjou pra eu ser guia de cego,
E disse: à toa não vou lhe deixar.



Obrigado mestre Jacó aqui passamos o carnaval melhor. 


No eixo, cebo e carvão,
Pra ranger a toda altura.
O carro de boi no sertão,
Impondo a sua estatura,
Ganhava do meu coração,
Um sentimento de ternura...


Mestre Miguel deixou esta interação e agradeço de coração pela atenção. é muito bom receber estes mimos dos amigos poetas.

Nasci na era do automóvel,
mas o passado não se foi,
o vizinho da nossa fazenda,
usava o seu carro de boi,
logo esta cena está viva,
me lembro como fosse hoje.
Geraldinho do Engenho
Enviado por Trovador das Alterosas em 26/02/2017
Reeditado em 01/03/2017
Código do texto: T5924458
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