O homem marcado pra morrer
Conforme o combinado em assembleia, 17 de Abril foi considerado a data final para o Castilho quitar o condomínio que se encontrava em atraso desde Março passado. Àquela altura, era melhor dever à Deus, os anjos e ao Satã do que à Confraria. A Confraria era formada por indivíduos com rara instrução, mas com palavra suficiente para jamais ser questionada. Vinte dias corridos da divulgação dos cartazes com a foto do Castilho, valor da dívida e a sentença à ser executada - o bairro inteiro se reuniu à praça do coreto, aguardando o espetáculo que a muito tempo não se via.
A Dona Áurea se resignava da barbárie que se avizinhava:
- Ai meu Deus! o pobre Castilho que vi rapazinho com pouco bigode, vai ser entregue na mão do demo! O Vivaldo do boteco gritava em alta voz:
- É hoje que o puto cai!
Dona Clementina, à altura dos 87 anos, vizinha de baixo, pegou as suas últimas fichas ligou para o padre Ari, e convocou uma novena para às 13 horas.
E as 14 horas todos se reuniram na expectativa de descobrir como seria sentença do pobre Castilho. Alguns homens faziam coro com palavras de ordem como:
- Desce safado! Sua hora vai chegar! Outros lamentavam-se dizendo que apesar de pilantra ele era boa gente. Perto dali, à dois quarteirões a polícia política via a movimentação com cautela. O primeiro a descer do Opala 73, foi Alexander, o russo que metia medo pela altura e a cara de poucos amigos. Durval Colares, o quebra-queixo parecia impaciente e apontou a escopeta para a janela do sobrado 43 e disse:
- É sob os auspícios de Deus, que hoje te declaro um homem morto Castilho, apareça!
Do outro lado da rua Padre Ivo tentava contornar:
- Filho apareça, para que teus algozes não se irritem e você possa se confessar pela última vez! Passados dois minutos em absoluto silêncio, começa uma chuva de roupas e pertences do alto da sacada. Calças, camisas, paletós, meias novas, ceroulas, cintos, travesseiros, lençóis e numa caixa de papelão grande sob uma corda, despertador, torradeira, relógio de parede, um retrato da Virgem Maria, duas garrafas de vinho do porto, queijo da serra, um baralho novo, porcelana fria chinesa e outras objetos que estavam na família à gerações. Do alto da sacada surge um coroinha da paróquia com um bilhete e alguns tentam interromper dizendo:
-Olha padre, o safado fez ao rapaz de refém. O Rapaz, abre cuidadosamente o bilhete e lê:
- Isso tudo estou doando à causa do Senhor, para ajudar os necessitados de nossa cidade.
Logo após uma chuva de promissórias com todos os valores em atraso nos últimos treze meses. O bilhete dizia:
-Este valor é para os órfãos de nosso povo que andam desamparados. E por fim dizia:
- Aos meus amigos da Confraria vos deixo boa e farta cerveja para o próximo carnaval, na Adega Municipal, obrigado pela paciência. Nisso, todo o bairro jubilou, como se fosse uma final de copa do mundo, e as pessoas se cumprimentavam e diziam como o Castilho era um homem bondoso.
Não muito longe dali na principal saída da BR 101, o rádio da Polícia Rodoviária emitia uma alerta, de um homem que havia roubado uma loja de penhora e duas adegas na noite anterior, além de emitir notas frias. Assim, o Castilho mais uma vez enganava toda cidade, e ia viver de pilantragem bem longe dali.