956-O CUNHADO DE JESUS -
Uma história da Noviça Rebeca.
Mocinha de vivacidade ímpar e capacidade de aprender as coisas num estalar de dedos, a noviça Rebeca, apresentada aos leitores em narrativa anterior, foi designada para trabalhar no hospital Santa Maria dos Enfermos, gerido pela congregação à qual ela ingressara. E foi designada justamente numa atividade que exigia mais atenção e eficiência: a tesouraria.
Encarregada, pois, de conversar com os clientes, que estavam às vésperas de terem alta, lá foi ela com a prancheta dos gastos havidos com a internação de Aristóbulo Penreneu, que, após 45 dias de internação, preparava-se para deixar o hospital.
Foi um caso que demandou serviços especializados de cirurgia do coração, engessamento de diversas partes do corpo e muita, muita medicação.
Aristóbulo era um grego sem profissão que vivia de expedientes na Cidade Maravilhosa. Tinha 68 anos quando, ao atravessar uma avenida, sofreu uma sincope cardíaca no meio da via, caiu e foi atropelado por um caminhão em alta velocidade.
Não apresentava sinais de vida ao ser recolhido pela ambulância e conduzido ao hospital. Mas teve sorte (sorte?) pois a equipe do hospital cuidou de trazê-lo de volta à triste realidade de sua vida: pobre, sem perspectivas e doente do coração.
Além do ataque cardíaco, sofrera fraturas por todo corpo e até uma concussão cerebral. Graças á dedicação de médicos e enfermeiras e caros medicamentos e à tecnologia moderna de um marca-passo colocado no seu peito, o homem sobreviveu e já podia voltar para casa. Chegara até a ganhar uns quilinhos, pelo repouso e pela comida na hora certa.
Veio, pois a Noviça Rebeca com a prancheta onde folhas e mais folhas de descrição de serviços e medicamentos, diária do apartamento onde fora colocado e mais alguns “extras”, com respectivos preços e custos. A soma total ascendia a muitos milhares de reais. Como Aristóbulo não tinha plano de saúde nem aposentadoria, nem carteira de trabalho que o vinculasse à assistência do serviço de saúde pública, a conta era de sua inteira responsabilidade.
Rebeca foi sutil ao conversar com Aristóbulo sobre a conta a ser paga. Mas ele repetia a mesma história:
— Não tenho emprego, sou biscateiro, faço o que aparece. Casa, apartamento? Não, não tenho. Vivo de favor numa meia água perto do Jardim Botânico. Nem endereço fixo tenho.
— E parentes? — Indagou Rebeca — Uma ex-mulher, Irmãos, sobrinhos...?
— Nunca fui casado, irmã. E minha única irmã, de nome Petra, foi pro convento, é freira numa congregação que nem sei qual é. Sou sozinho no mundo.
Os olhos de rebeca brilharam, quando ele falou na irmã.
— Então, o senhor não está sozinho, sua irmã, a Irmã Petra, ora pelo senhor todas as noites. Ela é esposa de Jesus, que o observa lá do alto do Céu.
Aristóbulo, que de religião entendia menos do que um pardal, arregalou os olhos:
— Mulher de Jesus?
— Sim, esposa de Jesus, filho do Deus todo poderoso. Com toda certeza, foram as orações da Irmã Pietra que o salvaram milagrosamente.
— Então Jesus é muito poderoso?
— Sim, como Filho de Deus, tem todo o poder sobre a Terra e sobre nós, os que acreditam Nele.
— E minha irmã Petra é casada com Jesus?
— Sim, respondeu a jovem.
Um grande sorriso abriu-se na face de Aristóbulo, que, com toda inocência, disse à Noviça Rebeca:
— Então, manda a conta pro meu cunhado pagar.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 13 de agosto de 2013.
Conto # 956 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS