939-O CRIADOR DE HISTÓRIAS- 1A. PARTE
Era uma vez um homem que contava histórias.
Até aqui, nada demais; existem no mundo milhares de pessoas que contam causos, contos ou histórias.
Este contador de histórias que revelo agora à curiosidade dos leitores era diferente, pois todas as histórias que contava eram criadas por ele. Jamais contou um conto de autor conhecido ou desconhecido, mas que anteriormente houvera sido contado. Nunca narrou um causo de pescador, de caçador, ou de marinheiro que já fora narrado por outrem.
Sua memória era fabulosa e sua imaginação, então, chegava a ser sobrenatural.
“Seu Toninho não é deste planeta”, dizia o preclaro Juiz de Direito Dr. Aristodemo Romano. “Nenhum ser humano pode ter tamanha capacidade de imaginar assim histórias e causos tão variados, no estalo, na hora que lhe pedem.”
Que Seu Toninho (batizado Antônio Cândido Barbosa há mais de sessenta anos) tinha uma biblioteca não muito grande, era do conhecimento de todos: livros de aventuras, viagens por terra, mar e ar, e até pelo universo afora, por outras dimensões, ou por lugares fictícios, como Shangri-la, Éden, Céu, Inferno e Purgatório, que, como todos sabemos, não existem, mas que ele enchia de personagens as mais celestes ou diabólicas, de acordo com sua fértil imaginação e criatividade.
Gostava de ler e lia tudo o que lhe caia nas mãos.
Era gamado em histórias em quadrinhos, e juntava gibis desde a meninice. Os heróis, super-heróis e vilões alimentavam sua fome de leitura de histórias de aventuras e ação.
Escutando suas histórias, os ouvintes viajavam com ele, ao som de sua voz modulada e que passava da narrativa tranqüila para os arroubos e movimentos das ações e estripulias dos personagens das histórias que criava a qualquer momento. Iam com ele ao centro da Terra, à Lua, às galáxias, passando por Marte e qualquer lugar em que fosse possível desenvolver uma trama.
Todas as tardes ele sentava-se num banco de cimento na praça principal (aliás, única) da pequena cidade de Felizópolis e ao seu redor ia chegando o pessoal, ávido por ouvir um ou mais contos novos.
A multidão permanecia ali durante o tempo em que seu Toninho se dignava narrar novos causos ou contos. Algumas pessoas sentadas no chão (os da frente), a maioria de pé. Alguns moleques empoleiravam-se nos galhos de duas enormes ingazeiras que sombreavam o local.
A fama do contador de muito já correra pelas montanhas, planícies, florestas e desertos do país e vinha gente de perto e de longe só prá ouvir o idoso e simpático senhor.
Seu Toninho não escrevia, não falava com jornalistas ou repórteres, nem dava entrevistas. Não gostava de ser fotografado e mesmo assim, de forma misteriosa, sua imagem e sua fama corriam o mundo. Aos sábados e domingos a praça ficava pequena para tantos turistas que, estando na praia de Jacaré-açu, distante apenas sessenta quilômetros de Felizópolis, iam ver e ouvir o fenômeno das histórias.
Embora pequena a cidade contava com um pequeno jornal semanário editado pelo Nelson Donarte, que era também professor na escola pública e seresteiro nas madrugadas quentes e românticas. Nas páginas do tablóide apareciam algumas histórias contadas pelo seu Toninho, adaptadas ao tamanho do jornal e conforme o que Donarte conseguia memorizar, pois, como já se disse, o contador nunca escreveu nada do que contou.
O jornalista que amava, por força da profissão, registrar tudo o que se acontecia na pequena cidade, passou a relacionar as narrativas de seu Toninho. E foram tantos os registros (os títulos eram criados pelo jornalista) que logo o registro alcançou o numero de mil e ultrapassou. Em seu jornal Donarte se referia ao Seu Toninho como “O Criador de Histórias”. O apelido caiu bem e as pessoas pouco a pouco passaram a se referir ao fenomenal contador como “Seu Toninho O Criador de Histórias”.
A capacidade criativa do velho contador de histórias era tão grande que, com o passar do tempo, ele inventava, na hora, uma história, um conto ou um causo a partir de uma única palavra dada, proferida por um ouvinte que lhe estivesse próximo, ou gritada por alguém no meio da multidão.
O que era uma simples reunião para contação de histórias tornou-se uma espécie de jogo entre seu Toninho e os assistentes. Para ele, era um desafio, pois já inventara milhares de histórias e a sugestão dos assistentes era bem recebida.
Quando alguém gritou “alface” ele inventou uma história na qual a deliciosa verdura fora servida como salada a um guloso bandido, devidamente temperada com bastante vinagre, azeite e veneno de matar ratos. Quando um assistente disse “zero” ele lembrou os famosos kamikazes, pilotos japoneses suicidas que, esgotado o combustível, jogavam seus aviões sobre os alvos, verdadeiras bombas humanas. E aí veio mais um causo.
Todas as histórias contadas por seu Toninho eram completas, tinham começo, meio e fim. Não deixava nada para a imaginação dos assistentes.
Certa ocasião um viajante de grande firma comercial da capital, de passagem por Felizópolis, sabedor da fantástica capacidade do “Criador de Histórias”, disse ao seu Ricardo, dono do hotel onde estava hospedado:
— Aposto como direi uma palavra e o velho contador de causos irá se embasbacar.
Fizeram a aposta, pois seu Ricardo sabia que o inventor sempre tinha na ponta da língua uma história sobre qualquer palavra.
Naquela tarde, o viajante postou-se bem na frente da multidão reunida na praça para ouvir mais histórias, e assim que Seu Toninho assentou-se no banco de cimento, como fazia todas as tardes, falou em voz clara e alta para que todos ouvissem o desafio.
— Senhor Criador de Histórias! Quero que nos conte uma história da palavra PODELA.
Era claro que se tratava de palavra inventada pelo viajante. Seu Toninho olhou o homem de alto a baixo, e viu logo tratar-se de um viajante comercial. Deu então a seguinte resposta:
—Meu caro senhor, vejo que o senhor é pessoa viajada e está aqui por algum motivo importante. E se for um viajante, representante de firma comercial da capital, tenho a história que aconteceu com um turista, também muito espirituoso. Vou contar a todos um causo sobre a palavra que o senhor acabou de inventar.
E arrumando-se no banco, para sentir-se mais confortável, seu Toninho, o famoso “Criador de histórias” narrou a história de PODELA, que lhe ocorrera naquele instante.
A seguir: conto # 940:O Criador de Histórias-2ª.parte-Podela
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 3 de fevereiro de 2013.
Conto # 939 da Série Milistórias.