Maestro era um cara “boa pinta”, dono da boca do pedaço, e já havia embarrigado quatro minazinhas da comunidade. Solange, e sua irmã Fabienne – é assim mesmo que se escreve –; cada uma delas com uma cria. O filho de Solange se chamava Louis (a imaginação é sua) e o de Fabianne Bill (a imaginação é sua também, porra). Elas eram duas mulatas de cabelos lisos, e parecidas fisionomicamente, seios fartos e um requebrado sensual; assanhadas ao extremo, principalmente quando Maestro não comparecia. Na verdade, elas adoravam uma intrigazinha; “davam boi” para os carinhas que adquiriam no pedaço só para receberem uma cantada, e as vezes, um amassos também. Depois, arranjavam um jeitinho do Maestro ficar sabendo de tudo; aí, eram só tapas “pra lá e pra cá” até a expulsão dos novatos, e com direito a taxa extra – do consumo da outra mercadoria, é claro.
Outra que caiu na isca de Maestro foi Maria Vesga, mas já diz o ditado, “Quem vê bunda não vê coração” – ah, e daí, eu modifiquei, porra; afinal, tenho licença. Essa tinha uma filha linda que já beirava os cinco anos de idade, dois anos mais nova que os filhos de Solange e Fabianne – que nasceram quase que no mesmo dia. Chamava-se Britney – brincadeirinha; o nome dela era Maria Aparecida.
Mas, Maestro não podia evitar a sua insaciável sede sexual e uma vontade incontida de proliferar a raça humana.
A última foi Ieda, moça nova na favela, que estava morando havia menos de dois meses no barraco vago de Nhô Príncipe, velho benzedor que faleceu após ter abusado da cachaça do Boteco do Tião. Bem, a cachaça tinha uma cobra cascavel dentro – é fóda né?
Ieda, moça bem tratada, de corpinho branco e escultural, daqueles que valiam até R$ 100,00 na zona – e sem contar o quarto – morava com a mãe, uma senhora que necessitava de cuidados pois atravessa um sério problema de depressão. Fumante incontrolável, Dona Nancy adquirira um enfisema pulmonar daqueles. Nem andar andava mais, e por isso, não alcançava o maço de cigarro que adquiria escondido da filha, e que esta fazia questão colocar perto de um buraco no chão, ao lado da pia – casinha de camundongo – que ficava a dois metros da cama de Dona Nancy. Isso a deixava deprimida – é que ela odiava cigarro roído. O seu estado precário? Só mesmo escutando a tosse e vendo a cor do catarro que ela fazia questão de mostrar aos vizinhos que a visitavam, quando escarrava sem o mínimo pudor no chão do barraco. O pai de Ieda estava preso por “Latrocínio Seguido de Morte” e “Formação de Quadrilha” – detalhe, o pobre era viciado em droga e não pagou o bagulho; daí, foi só assumir um crime e tudo bem.
Maestro, que já rondava pelo barraco por duas semanas, criou coragem e mandou um recadinho para Ieda. Dizia assim:
“Aê Mina, quero te ver na quebrada do Bar do Tião lá por volta das 04h da tarde. Não se preocupa que as minhas intenções contigo são das melhores”.
Ieda leu, e aceitou, super incentivada pela mãe, que não ia ficar por ali muito tempo – morreria alguns anos mais tarde.
_Vai Ieda, o cara é poderoso e pode ajeitar o nosso lado. Além do mais, você só deve satisfação a mim, e sei muito bem que virgem você não é mais, portanto, aproveita e faz ele cair na tua.
Não era isso que Ieda queria para a sua vida, mas morando ali, não tinha muitas opções. Compareceu no horário previsto e fez questão de adicionar à sua linda silhueta um colar e um par de brincos que comprara no mês passado do seu Tio; um camelô pilantrão da “25 de março”. Tratou de lascar na pele um creme suavizante também.
Quando viu a Mina se aproximar Maestro, que não terminara nem o ginásio, não era muito de papo, e tratou logo de agarrá-la. Lascou um beijo no pescoço dela, depois na boca, depois no pescoço de novo e aí, foi só alegria, principalmente quando, ao apalpar a sua bunda, percebeu no bolso de trás da calça jeans uma camisinha.
Bem, já no barraco, no rala e rola, um susto para os dois. Na hora do “Ahhhhhhhhhhhhhh.....Uhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh”, a camisinha estourou.
_Porra meu – disse Maestro, alterado – onde é que tu comprou essa merda?
_Veio de brinde no colar e nos brincos que comprei do meu Tio – Camelô pilantrão da “25 de março”, lembra?. Mas não se preocupe Maestro, se eu engravidar eu cuido.
_Caralho meu, negativo mina, eu gosto mesmo de tu e vou cuidar dos dois; eu prometo. Quanto ao seu Tio...
Alguns dias depois, Dona Nancy recebeu a triste notícia de que o seu irmão havia morrido atropelado quando montava a sua barraca na “25 de março”. Triste notícia, mas como ele não tinha ninguém no mundo, Dona Nancy herdara a sua pequena fortuna em muambas do Paraguai; cerca de R$ 2.500,00 em mercadorias, o suficiente para ela pregar uma madeira na porta do barroco e pintar com tinta látex vermelha os seguintes dizeres “VENDECE PRODUTUS INPORTADUS”, e começar a vender por ali mesmo.
No outro dia, já consumada a transação carnal, toda a comunidade da favela estava sabendo da nova paixão de Maestro. Isso causou repúdia nas donzelas que com ele tinham cria, e um clima hostil pintou no pedaço. Mas nada mais importava para Ieda e Maestro, a não ser a idéia de morarem juntos.
Maestro deu ordem para ampliar o barraco; barraco não, a única edificação totalmente construída em alvenaria naquele fim de mundo – lugar que nem Jesus tinha o topete de visitar, quanto mais os tiras. Era assim que um investigador de polícia falava no barzinho que freqüentava três ruas para cima da favela.
_Vocês já viram Jesus no pedaço? Nem eu! Então, o que é que eu vou fazer por lá?
Maestro estava radiante, principalmente porque soube que daquele ventre branquinho, branquinho, nasceria um menino. Ieda já estava no quarto mês de gestação e soube do sexo do bebê quando fez uma Ultra-sonografia. Soube de outro detalhe também, mas não quis revelar para o futuro pai que ejaculava felicidade.
Maestro, esquentava a boca e ampliava os negócios. O dinheiro entrava como água – bem, não como a água do pedaço, que nem água encanada tinha. Era água da boa. Ali a tiragem não pisava, dizia ele toda vez que fumava um bagulho.
Chegou o dia do nascimento da criança. Ieda foi levada às pressas à maternidade – de primeira. Tratamento diferente do que receberam as anteriores, que fizeram os seus partos por ali mesmo com Zica; parteira, sapatão e bicheira do pedaço – Zica adorava ver uma vagina sangrar, mesmo que fosse em conseqüência de um parto.
Isso certamente causou indignação nas concorrentes que nunca tiveram tamanho privilégio. Nem presente as crianças delas ganhavam, e esse novato já tinha até enxoval.
Foi o suficiente para que contratassem de imediato os serviços de Mãe Auê, macumbeira do pedaço, que pediu a bagatela de R$ 300,00, uma galinha preta e uma “champagne” para arrear um trabalho a fim de que Ieda tivesse complicações no parto. “Corre pra cá, corre pra lá”, e num “vapt, vupt”, o trabalho foi arreado, poucos instantes depois da criança nascer, visto que nem Santo viaja na velocidade da luz. Mas deixe estar que a charlatona – de Mãe de Santo não tinha nada – já sabia de fofoca sobre a Ultra-sonografia. Dona Nancy tinha boca larga, e por um maço de cigarros fazia tudo; tudo mesmo – foi assim que Ieda veio ao mundo.
O garoto nasceu esbelto, corado e pesando cerca de 3 Kgs e medindo 48 centímetros. Uma beleza de garotão. Ainda não tinha nome, mas tinha um tremendo de um defeito no pé esquerdo, na verdade ele só tinha mesmo era metade do pezinho.
Nasceu para esse mundo – mundinho Filha da Puta – que ele conheceria muito bem, mesmo que por pouco tempo.
Ao chegar à maternidade, Maestro, já meio exaltado, com o carão cheio de cachaça e pó, foi direto ver a amásia e o garotão. Estava decido por um nome bíblico, para tirar aquela impressão de que nem Jesus entrava na favela. Pensou em Simão, em Pedro, e até em Simão Pedro, mas ficou mesmo é com Ricardo; este era o nome verdadeiro de Maestro. Seria então Ricardo – tralalá – Junior.
Bem, não foi com essa euforia que ele encarou realmente os fatos.
_Puta Merda, que é isso aqui? Ta faltando um pedaço! Que Porra de bagulho é esse?
_Não fale assim Maestro; esse é o seu filho.
_Um bagulho, isso sim; faltando um pedaço. Que foi que aconteceu?
_Ieda explicou que foi conseqüência de uma doença venérea, segundo o médico.
Nisso entra o Doutor Rosenberg – nome difícil para Maestro que mal conseguia pronunciar a palavra bagulho.
_O Senhor é o Pai? Perguntou o médio.
_Sou, e quero saber o que significa isso. Olha Doutor Roosssss, caralho; deixa pra lá. Olha aqui, explica isso direitinho porque quem vai ter que conviver com esse bagulho sou eu.
_Calma meu amigo. Trata-se de uma deficiência causada por algum tipo de doença venérea. Nesse caso, a infecção se deu pelo contato sexual com pessoas já infectadas.
_Aids Doutor?
_Não, mas provavelmente um HPV.
Maestro na hora lembrou do nome. Tinha ouvido pela primeira vez da boca de Solange, que parece que tinha essa Merda.
Tudo quase explicado e dois dias depois o barraco recebia visitas para ver Ieda e o “Bagulho”; foi assim que aquele pobre garoto, infeliz da sorte, começou a ser conhecido. Maestro não conseguira chamar o pequeno pelo nome de Ricardo ainda mais que, como o apelido de “Bagulho” correu trecho pela favela, mesmo depois de registrado, ficou “Bagulho” mesmo.
E o tempo foi passando...
“Bagulho”, mesmo manco, já completando seu três aninhos, era o orgulho da malandragem; pulava e corria, e até roubava balas no Boteco do Tião; aprendeu até puxar as calcinhas das menininhas da idade dele; é que as mais velhas não usavam – praticidade, entende?
Todos o admiravam, menos Maestro que o olhava com verdadeira repudia, como se bastardo fosse.
Para as três piranhas, o dinheiro foi bem pago – E viva a serventia da linha do Trem!
E por falar em linha do Trem; esta passava bem próxima aos barracos. O Trem passava por ali quatro vezes por dia, trepidando tudo nas proximidades. Vidros nas janelas, nem pensar; uma que a molecada quebrava, e se não quebrava a trepidação dava conta do recado. Foi naquela mesma linha que o Pai de Maestro, injuriado da vida, e com o carão que era só pingão, deitou para pensar em planos futuros – só não deu tempo é de levantar. O Trem partiu Anastácio em dois, e depois em três e em quatro; depois em mil pedacinhos.
A criançada já estava acostumada, porém, todo cuidado era pouco. Já haviam acontecido alguns acidentes por ali. No último, a criança se safou, mas a sua boneca “Barbie” (do Paraguai), essa não teve a mesma sorte.
Um belo dia, sentado em uma das mesas do Boteco do Tião estava Maestro, drogado e pensativo. De repente, um alvoroço o tirou do transe. A correria era singular e o barulho de sirene de viaturas também.
Logo veio a notícia. Jesus já estava no pedaço. Uma Igreja de crentes estava sendo edificada, e por coincidência – ou milagres, como alguns diziam – a tiragem também acabara de chegar no pedaço.
_Cadê o Maestro? – Piui...chu, chu, chu.
Ninguém ouviu nada com o barulho do trem. Mas aquele garotinho brincando por ali parecia ter lido os lábios do Delegado e apontou para a mesinha no Bar do Tião.
_Para aí malandro – não deu tempo de correr.
Foram dois tecos; um na perna e um nas costas. Não matou, mas foi o suficiente para parar Maestro e algemá-lo.
Assustado, “Bagulho” correu como nunca, pois viu a cara que seu Pai fez para ele – cara de mal – daquelas que fazia para os malandros que pisavam na bola.
O trem ia passando, Maestro algemado, e Ieda gritou...Não deu tempo não.
O céu literalmente escurecera; tudo parou; foi um momento ímpar naquela pequena favela do subúrbio da cidade tal.
No trilho, só uma massinha e uma roupinha grudada. Não, ninguém acreditaria se eu contasse; era mesmo “ver pra crer”. Ah, se foi a galinha também; não a do trabalho, uma outra que por ali passava.
...O “Bagulho”, cadê o “Bagulho”?
A choradeira começou e todos procuravam pelo “Bagulho”. Nessa hora, o Doutor Delegado se compadeceu e soltou o Maestro – sob condicional, é claro – para que ajudasse a procurar.
...Encontrei alguma coisa – uma criança gritou.
Mas era o bico da galinha.
...E aquilo? – falou outra pessoa.
Nesse momento, o céu que já estava escuro, fez um cenário para a mudez dos moradores da favela. A cena era demais para Ieda. Para Maestro, que estava acostumado a ver pessoas mortas – que ele mesmo matava, foi estarrecedor. Ele pensou: “Se a tiragem estava ali, porque Jesus não veio também?” – coisas de mano drogado.
Era impossível acreditar que Ricardo Júnior estava estirado na linha do Trem. Uma massinha e uma roupinha. Tudo irreconhecível e a esperança no ar.
Mas a prova era mais do que concreta. Intacto apenas o restinho do pé; aquele, defeituoso, como se a ironia do destino mostrasse a Maestro que nas favelas também existe a “Exclusão Social”.
Como termina essa história? Ah, vai te danar.
Maestro preso, e não teve tempo para ir ao enterro do filho – zeraram o cara na cela; dívidas antigas. Ieda ainda vende muamba no lugar da mãe, que dias depois morreu, mas não de sofrimento – de enfisema; lembra?
Ieda mudou de vida; não dava mais para traficante; quem traçava agora, eram os muambeiros – assim a mercadoria saía de graça.
A favela ganhou o nome de “Bagulho”, em homenagem ao – “Bagulho”, é claro.
O traficante da área agora era o Jordão, que chegou até a conhecer Jesus, mas preferiu vender drogas. Não ficou pra trás e também comeu quatro mulheres na favela. Filho não – tinha medo do tal do HPV.
Ah, o trem? Porra meu; continua passando no mesmo lugar, bem ali, onde encontraram um pedaço do “Bagulho”!
Tragédia pouca é bobagem!
FIM...
Outra que caiu na isca de Maestro foi Maria Vesga, mas já diz o ditado, “Quem vê bunda não vê coração” – ah, e daí, eu modifiquei, porra; afinal, tenho licença. Essa tinha uma filha linda que já beirava os cinco anos de idade, dois anos mais nova que os filhos de Solange e Fabianne – que nasceram quase que no mesmo dia. Chamava-se Britney – brincadeirinha; o nome dela era Maria Aparecida.
Mas, Maestro não podia evitar a sua insaciável sede sexual e uma vontade incontida de proliferar a raça humana.
A última foi Ieda, moça nova na favela, que estava morando havia menos de dois meses no barraco vago de Nhô Príncipe, velho benzedor que faleceu após ter abusado da cachaça do Boteco do Tião. Bem, a cachaça tinha uma cobra cascavel dentro – é fóda né?
Ieda, moça bem tratada, de corpinho branco e escultural, daqueles que valiam até R$ 100,00 na zona – e sem contar o quarto – morava com a mãe, uma senhora que necessitava de cuidados pois atravessa um sério problema de depressão. Fumante incontrolável, Dona Nancy adquirira um enfisema pulmonar daqueles. Nem andar andava mais, e por isso, não alcançava o maço de cigarro que adquiria escondido da filha, e que esta fazia questão colocar perto de um buraco no chão, ao lado da pia – casinha de camundongo – que ficava a dois metros da cama de Dona Nancy. Isso a deixava deprimida – é que ela odiava cigarro roído. O seu estado precário? Só mesmo escutando a tosse e vendo a cor do catarro que ela fazia questão de mostrar aos vizinhos que a visitavam, quando escarrava sem o mínimo pudor no chão do barraco. O pai de Ieda estava preso por “Latrocínio Seguido de Morte” e “Formação de Quadrilha” – detalhe, o pobre era viciado em droga e não pagou o bagulho; daí, foi só assumir um crime e tudo bem.
Maestro, que já rondava pelo barraco por duas semanas, criou coragem e mandou um recadinho para Ieda. Dizia assim:
“Aê Mina, quero te ver na quebrada do Bar do Tião lá por volta das 04h da tarde. Não se preocupa que as minhas intenções contigo são das melhores”.
Ieda leu, e aceitou, super incentivada pela mãe, que não ia ficar por ali muito tempo – morreria alguns anos mais tarde.
_Vai Ieda, o cara é poderoso e pode ajeitar o nosso lado. Além do mais, você só deve satisfação a mim, e sei muito bem que virgem você não é mais, portanto, aproveita e faz ele cair na tua.
Não era isso que Ieda queria para a sua vida, mas morando ali, não tinha muitas opções. Compareceu no horário previsto e fez questão de adicionar à sua linda silhueta um colar e um par de brincos que comprara no mês passado do seu Tio; um camelô pilantrão da “25 de março”. Tratou de lascar na pele um creme suavizante também.
Quando viu a Mina se aproximar Maestro, que não terminara nem o ginásio, não era muito de papo, e tratou logo de agarrá-la. Lascou um beijo no pescoço dela, depois na boca, depois no pescoço de novo e aí, foi só alegria, principalmente quando, ao apalpar a sua bunda, percebeu no bolso de trás da calça jeans uma camisinha.
Bem, já no barraco, no rala e rola, um susto para os dois. Na hora do “Ahhhhhhhhhhhhhh.....Uhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh”, a camisinha estourou.
_Porra meu – disse Maestro, alterado – onde é que tu comprou essa merda?
_Veio de brinde no colar e nos brincos que comprei do meu Tio – Camelô pilantrão da “25 de março”, lembra?. Mas não se preocupe Maestro, se eu engravidar eu cuido.
_Caralho meu, negativo mina, eu gosto mesmo de tu e vou cuidar dos dois; eu prometo. Quanto ao seu Tio...
Alguns dias depois, Dona Nancy recebeu a triste notícia de que o seu irmão havia morrido atropelado quando montava a sua barraca na “25 de março”. Triste notícia, mas como ele não tinha ninguém no mundo, Dona Nancy herdara a sua pequena fortuna em muambas do Paraguai; cerca de R$ 2.500,00 em mercadorias, o suficiente para ela pregar uma madeira na porta do barroco e pintar com tinta látex vermelha os seguintes dizeres “VENDECE PRODUTUS INPORTADUS”, e começar a vender por ali mesmo.
No outro dia, já consumada a transação carnal, toda a comunidade da favela estava sabendo da nova paixão de Maestro. Isso causou repúdia nas donzelas que com ele tinham cria, e um clima hostil pintou no pedaço. Mas nada mais importava para Ieda e Maestro, a não ser a idéia de morarem juntos.
Maestro deu ordem para ampliar o barraco; barraco não, a única edificação totalmente construída em alvenaria naquele fim de mundo – lugar que nem Jesus tinha o topete de visitar, quanto mais os tiras. Era assim que um investigador de polícia falava no barzinho que freqüentava três ruas para cima da favela.
_Vocês já viram Jesus no pedaço? Nem eu! Então, o que é que eu vou fazer por lá?
Maestro estava radiante, principalmente porque soube que daquele ventre branquinho, branquinho, nasceria um menino. Ieda já estava no quarto mês de gestação e soube do sexo do bebê quando fez uma Ultra-sonografia. Soube de outro detalhe também, mas não quis revelar para o futuro pai que ejaculava felicidade.
Maestro, esquentava a boca e ampliava os negócios. O dinheiro entrava como água – bem, não como a água do pedaço, que nem água encanada tinha. Era água da boa. Ali a tiragem não pisava, dizia ele toda vez que fumava um bagulho.
Chegou o dia do nascimento da criança. Ieda foi levada às pressas à maternidade – de primeira. Tratamento diferente do que receberam as anteriores, que fizeram os seus partos por ali mesmo com Zica; parteira, sapatão e bicheira do pedaço – Zica adorava ver uma vagina sangrar, mesmo que fosse em conseqüência de um parto.
Isso certamente causou indignação nas concorrentes que nunca tiveram tamanho privilégio. Nem presente as crianças delas ganhavam, e esse novato já tinha até enxoval.
Foi o suficiente para que contratassem de imediato os serviços de Mãe Auê, macumbeira do pedaço, que pediu a bagatela de R$ 300,00, uma galinha preta e uma “champagne” para arrear um trabalho a fim de que Ieda tivesse complicações no parto. “Corre pra cá, corre pra lá”, e num “vapt, vupt”, o trabalho foi arreado, poucos instantes depois da criança nascer, visto que nem Santo viaja na velocidade da luz. Mas deixe estar que a charlatona – de Mãe de Santo não tinha nada – já sabia de fofoca sobre a Ultra-sonografia. Dona Nancy tinha boca larga, e por um maço de cigarros fazia tudo; tudo mesmo – foi assim que Ieda veio ao mundo.
O garoto nasceu esbelto, corado e pesando cerca de 3 Kgs e medindo 48 centímetros. Uma beleza de garotão. Ainda não tinha nome, mas tinha um tremendo de um defeito no pé esquerdo, na verdade ele só tinha mesmo era metade do pezinho.
Nasceu para esse mundo – mundinho Filha da Puta – que ele conheceria muito bem, mesmo que por pouco tempo.
Ao chegar à maternidade, Maestro, já meio exaltado, com o carão cheio de cachaça e pó, foi direto ver a amásia e o garotão. Estava decido por um nome bíblico, para tirar aquela impressão de que nem Jesus entrava na favela. Pensou em Simão, em Pedro, e até em Simão Pedro, mas ficou mesmo é com Ricardo; este era o nome verdadeiro de Maestro. Seria então Ricardo – tralalá – Junior.
Bem, não foi com essa euforia que ele encarou realmente os fatos.
_Puta Merda, que é isso aqui? Ta faltando um pedaço! Que Porra de bagulho é esse?
_Não fale assim Maestro; esse é o seu filho.
_Um bagulho, isso sim; faltando um pedaço. Que foi que aconteceu?
_Ieda explicou que foi conseqüência de uma doença venérea, segundo o médico.
Nisso entra o Doutor Rosenberg – nome difícil para Maestro que mal conseguia pronunciar a palavra bagulho.
_O Senhor é o Pai? Perguntou o médio.
_Sou, e quero saber o que significa isso. Olha Doutor Roosssss, caralho; deixa pra lá. Olha aqui, explica isso direitinho porque quem vai ter que conviver com esse bagulho sou eu.
_Calma meu amigo. Trata-se de uma deficiência causada por algum tipo de doença venérea. Nesse caso, a infecção se deu pelo contato sexual com pessoas já infectadas.
_Aids Doutor?
_Não, mas provavelmente um HPV.
Maestro na hora lembrou do nome. Tinha ouvido pela primeira vez da boca de Solange, que parece que tinha essa Merda.
Tudo quase explicado e dois dias depois o barraco recebia visitas para ver Ieda e o “Bagulho”; foi assim que aquele pobre garoto, infeliz da sorte, começou a ser conhecido. Maestro não conseguira chamar o pequeno pelo nome de Ricardo ainda mais que, como o apelido de “Bagulho” correu trecho pela favela, mesmo depois de registrado, ficou “Bagulho” mesmo.
E o tempo foi passando...
“Bagulho”, mesmo manco, já completando seu três aninhos, era o orgulho da malandragem; pulava e corria, e até roubava balas no Boteco do Tião; aprendeu até puxar as calcinhas das menininhas da idade dele; é que as mais velhas não usavam – praticidade, entende?
Todos o admiravam, menos Maestro que o olhava com verdadeira repudia, como se bastardo fosse.
Para as três piranhas, o dinheiro foi bem pago – E viva a serventia da linha do Trem!
E por falar em linha do Trem; esta passava bem próxima aos barracos. O Trem passava por ali quatro vezes por dia, trepidando tudo nas proximidades. Vidros nas janelas, nem pensar; uma que a molecada quebrava, e se não quebrava a trepidação dava conta do recado. Foi naquela mesma linha que o Pai de Maestro, injuriado da vida, e com o carão que era só pingão, deitou para pensar em planos futuros – só não deu tempo é de levantar. O Trem partiu Anastácio em dois, e depois em três e em quatro; depois em mil pedacinhos.
A criançada já estava acostumada, porém, todo cuidado era pouco. Já haviam acontecido alguns acidentes por ali. No último, a criança se safou, mas a sua boneca “Barbie” (do Paraguai), essa não teve a mesma sorte.
Um belo dia, sentado em uma das mesas do Boteco do Tião estava Maestro, drogado e pensativo. De repente, um alvoroço o tirou do transe. A correria era singular e o barulho de sirene de viaturas também.
Logo veio a notícia. Jesus já estava no pedaço. Uma Igreja de crentes estava sendo edificada, e por coincidência – ou milagres, como alguns diziam – a tiragem também acabara de chegar no pedaço.
_Cadê o Maestro? – Piui...chu, chu, chu.
Ninguém ouviu nada com o barulho do trem. Mas aquele garotinho brincando por ali parecia ter lido os lábios do Delegado e apontou para a mesinha no Bar do Tião.
_Para aí malandro – não deu tempo de correr.
Foram dois tecos; um na perna e um nas costas. Não matou, mas foi o suficiente para parar Maestro e algemá-lo.
Assustado, “Bagulho” correu como nunca, pois viu a cara que seu Pai fez para ele – cara de mal – daquelas que fazia para os malandros que pisavam na bola.
O trem ia passando, Maestro algemado, e Ieda gritou...Não deu tempo não.
O céu literalmente escurecera; tudo parou; foi um momento ímpar naquela pequena favela do subúrbio da cidade tal.
No trilho, só uma massinha e uma roupinha grudada. Não, ninguém acreditaria se eu contasse; era mesmo “ver pra crer”. Ah, se foi a galinha também; não a do trabalho, uma outra que por ali passava.
...O “Bagulho”, cadê o “Bagulho”?
A choradeira começou e todos procuravam pelo “Bagulho”. Nessa hora, o Doutor Delegado se compadeceu e soltou o Maestro – sob condicional, é claro – para que ajudasse a procurar.
...Encontrei alguma coisa – uma criança gritou.
Mas era o bico da galinha.
...E aquilo? – falou outra pessoa.
Nesse momento, o céu que já estava escuro, fez um cenário para a mudez dos moradores da favela. A cena era demais para Ieda. Para Maestro, que estava acostumado a ver pessoas mortas – que ele mesmo matava, foi estarrecedor. Ele pensou: “Se a tiragem estava ali, porque Jesus não veio também?” – coisas de mano drogado.
Era impossível acreditar que Ricardo Júnior estava estirado na linha do Trem. Uma massinha e uma roupinha. Tudo irreconhecível e a esperança no ar.
Mas a prova era mais do que concreta. Intacto apenas o restinho do pé; aquele, defeituoso, como se a ironia do destino mostrasse a Maestro que nas favelas também existe a “Exclusão Social”.
Como termina essa história? Ah, vai te danar.
Maestro preso, e não teve tempo para ir ao enterro do filho – zeraram o cara na cela; dívidas antigas. Ieda ainda vende muamba no lugar da mãe, que dias depois morreu, mas não de sofrimento – de enfisema; lembra?
Ieda mudou de vida; não dava mais para traficante; quem traçava agora, eram os muambeiros – assim a mercadoria saía de graça.
A favela ganhou o nome de “Bagulho”, em homenagem ao – “Bagulho”, é claro.
O traficante da área agora era o Jordão, que chegou até a conhecer Jesus, mas preferiu vender drogas. Não ficou pra trás e também comeu quatro mulheres na favela. Filho não – tinha medo do tal do HPV.
Ah, o trem? Porra meu; continua passando no mesmo lugar, bem ali, onde encontraram um pedaço do “Bagulho”!
Tragédia pouca é bobagem!
FIM...