Vintém é um desafortunado, por isso, mata camundongos como se fossem  preás. Ou, amedrontado,  foge de rato pensando que é canguru. Também o  homem mata. Muitas vezes, o homem mata sem derramar sangue. Mata com o veneno da tinta que suja o papel em forma de Lei, ou mata em seu coração com a desvirtude da indiferença. Vintém é bom. Para os bichos bons, deve haver um lugar no céu. Mas como saber se o lobo é mau ou é bom? A onça que matou José Lino é má. E pode voltar para  matar o pai de sua presa.  Se ela  comeu o  cabrito voltará para comer   também bode.
 João  se lembrou das cantorias no alpendre da fazenda,  quando  Tunico Oliveira, recitava cordel ao som da viola: ‘Camarada cachorro, se você nunca mentiu.  Eu peço que minta hoje pra dizer que não me viu...’ —‘Para quê essa prosopopeia, João Velho? Quem já ouviu dizer que onça pede a cachorro alguma coisa? E onça tem medo de cachorro? Para de pensar asneira!’
 — Né não! Antigamente os bichos falavam. E todos os homens conversavam numa  mesma língua. Agora, cachorro que nasce na Inglaterra, late em inglês. Os nascidos no Brasil, latem  em português...Não se entendem mais... Tem cachorro rico latindo em francês e com dinheiro guardado em banco. Tudo virou uma Torre de Babel, depois que Eva comeu a maçã e deu a Adão.
— Nhô Velho, a Torre de Babel foi muito depois do pecado de Adão e Eva no Paraíso.
— Pois que seja, mas nos  tempos de antanho,  nem precisava mover os lábios, bastava pensar, e  o outro já entendia. Até voar, o homem voava. Perdeu asas do entendimento, quando Eva comeu a maçã e deu a Adão.
— O homem não pode mais voar, senão, em sonho.
 — O homem voa, João! Voa dentro de uma máquina de voar.
 — A máquina voa. O homem não! O homem viaja como escravo no porão de um navio que voa.
 — Conversando sozinho, João?...
 Por um momento, João Velho imaginou-se louco. Estava, realmente, conversando só.
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Adalberto Lima - Estrada sem fim...