As horas passavam depressa. João andava devagar.  Esqueceu a dor no ombro e pensou nas dores do coração: Sua mulher nem podia sonhar que ele desejara a morte do filho, para salvar a própria vida. Jô era filho único do casal. João Velho não podia mais ter filhos com Euzébia. Ela guardara as ferramentas de fazer cria nos alforjes da idade. Ele também não era mais menino... Euzébia passada da idade de parir, morreriam sem deixar posteridade.
 Passou  novamente no local onde vira o sangue de José Lino, agora coberto de moscas. Sentiu um arrepio. ‘É agora que a alma do Jô vai aparecer.’ Não sabia se parava, se andava...Só sabia que correr não podia. O ombro doía muito...
Parou.
Aguçou os ouvidos... — Quem pode mais que Deus?— Disse com voz de requerer alma — Ninguém respondeu —  O barulho na mata continuava mais próximo. A cada fração de minuto, ficava mais perto.—  ‘É agora!...’
O tempo parou. O coração disparou. Tinha os olhos fixos na vereda que mais parecia delicado risco de giz amarelado, em um  quadro verde, que não cabia no mundo. Tremeu. Ele que contava estórias de assombração, para assustar os meninos, agora estava com medo de alma. Alma do próprio filho. Não deveria ter deixado José Lino fazer dupla com Pururuca do Curral de Dentro. Quem já viu perder  de vistas o parceiro?  Só faz barulho esse Pururuca. Parece um gigante em estatura, mas tem cabeça de menino. Não tem experiência de vida... Quem não tem coragem de matar uma mosca, vai enfrentar uma onça? Não acreditava que ele matou Zepillon. Talvez!... É o medroso quem mata... João Velho resolveu entregar-se em holocausto, como um cabrito montês, preso pelos chifres no espinheiro. Foi quando tentou abrir  os braços em cruz. O braço despencado não levantou. Percebeu que quase cometera uma heresia, querendo morrer como Aquele que deu sua vida para salvar a humanidade;  e deu Glória a Deus pela clavícula quebrada. Olhou  mais uma vez a curva do caminho. Era uma estrada sem fim — ‘Que venha a onça!’— Pensou, disposto a entregar seu espírito ao Criador.  Então, arregalou os olhos para contemplar a natureza pela última vez,  e viu. Viu  Vintém puxando o burro  pelo cabresto.
Pobre cão, injustiçado até no nome. É necessário um tostão para comprar uma bala doce, e dez vinténs para formar um tostão. 
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Adalberto Lima - trecho de Estrada sem fim...