Praça Alvares Machado
Em meados de Novembro, após a chuva forte, de costume em tardes de veraneio, uma brisa quente, o suor percorria no pescoço de Gustavo, estava longe de sua casa, procurou um banco para sentar, sentia que seus sapatos estavam devorando seus calcanhares. Na praça Alvares Machado, havia vários bancos disponíveis, ainda molhado, sentou ali mesmo, tirou levemente os pés do sapato e suspirou aliviado, pode observar lá longe no horizonte, um arco iris, no mesmo instante pensou que se caminhasse até o fim acharia o pote ouro. Precisava pois as contas não paravam de chegar e estava desempregado.
Sentou-se ao seu lado, um senhor bem aprumado, camisa e calça social listrada, tirou um livro de sua maleta e começou a lê-lo em voz alta “O mundo à sua volta é o espelho de seu individualismo frustrado, o que é seu e que vê refletido nos outros chocam-se pela desumanidade”. Fechou o livro e suspirou, olhou fixamente para os olhos de Gustavo e disse: “Somos seres mortos por dentro, o único alimento para a alma é a ilusão”.
Com olhos espantados, não conseguiu pronunciar uma única palavra, estava admirado, primeiro um senhor sentar ao seu lado, sendo que havia outros bancos vazios, segundo por ler um livro em voz alta, era algum tipo de militante ou velho caduco. Fingiu que não era com ele e resolveu pegar seu celular, o senhor abriu o mesmo livro e continuou em voz alta “Segundo Nietzche, impulso universal, encontrado em todo homem...o comportamento humano pode ser reduzido a esta única força básica. Ele não endossa a vontade de poder mais que Freud ao desejo sexual, acredita, no entanto, que é melhor compreendermos a verdade a respeito de nós mesmos que condenarmos hipocritamente, os outros sem nenhum discernimento”.
Voltou-se para o rapaz e disse, “Prazer meu jovem, eu sou Paulo, estendeu sua mão para cumprimentar e Gustavo responde a saudação, cordialmente e faz um leve sim com a cabeça e pronuncia ” Prazer, Gustavo”. Simples e objetivo.
Paulo insisti no diálogo - Há muito frequento esta praça, sento no mesmo lugar, mesmo horario para ler meus livros, refletir sobre a vida - solta outra suspiro - parece que sou o único a fazê-lo ultimamente, as pessoas estão sempre caminhando para um lugar, voltando de outro, “não tenho tempo”, “preciso fazer x coisa”, é o que dizem, chegam no ponto onde querem chegar, e são tomadas pela sua obrigação.
Gustavo, levemente irritado, responde “As pessoas são ocupadas, pois precisam trabalhar para sobreviver, nem todos são afortunados para dispor de seu tempo, sentar em uma praça e ler livros, quem dera se fossemos todos ricos”.
Paulo olha no fundo dos olhos de Gustavo – “O homem pode encontrar “liberdade” através do desprezo pelo mundo, mesmo se obrigado a viver nêle” Conhece o mito de Sísifo, meu jovem?
Gustavo balança a cabeça negativamente – Paulo prossegue, Sísifo, proletário dos deuses, rebeldes e sem poderes, tem consciência de sua situação miserável, é o que raciocina durante a descida, pois foi condenado pelos deuses, a rolar uma pedra enorme para o alto de uma montanha, só para vê-la rolar para baixo, novamente, mas a lucidez que deveria torturá-lo, ao mesmo tempo coroa sua vitória. Não há destino que não possa ser ultrapassado pelo desprezo, - solta um riso sarcástico – e indaga, precisamos ler mais Camus, conclui.
Paulo, levanta olha para Gustavo e em um tom complacente se despede com a frase “Presente no presente para não estar ausente” solta um último sorriso e sai caminhando.
Gustavo com a boca entreaberta, olhar distante, pensa consigo “deve haver um outro mundo, outra realidade em que nós seremos livres de fato e teremos tempo para ler um livro”. Calça seu sapato, levanta do banco e põe se a caminhar, afinal precisará pegar um trem e dois ônibus até chegar em sua casa.
Um jovem vem correndo ao seu encontro, chorando desesperado, fala – senhor ajude-me meu pai está no chão e não quer levantar. Gustavo pensa “Mas que dia!” vai ao encontro do homem e vê que está com os olhos entreabertos, pega no seu pulso e conclui, está morto. Olha desesperado para o menino, pega o seu celular e liga para 190. Ali, a espera da viatura, pessoas se aglomerando para ver o ocorrido, enfim percebe algo que nunca havia sentido antes, estava leve, sensação de alívio, seus pés já não doíam, suas preocupações haviam cessado, estava desperto enfim para a vida.