O BOI ESFOLADO


Fui uma criança muito inquieta e curiosa. Quando tinha oito ou nove anos fomos, meus pais, irmãos e eu, passar um fim de semana na casa dos avós maternos, na fazenda onde moravam.

Naquele tempo, sessenta anos atrás, quase tudo era produzido em casa. Muitos alimentos eram plantados na própria fazenda e as carnes vinham dos rebanhos ali criados. Havia bois, ovelhas, porcos e aves, como patos, marrecos e galinhas. Tirava-se o leite das vacas bem cedo e íamos ao galpão da ordenha já levando uma caneca de lata para tomar o apojo, o primeiro leite tirado, ainda quente e espumante, que vovô chamava de “camargo”. Na propriedade havia também cavalos e cães, usados na lida com o gado, e alguns gatos. Tudo isso era uma festa para mim, que vivia na cidade.

Assim que chegávamos, eu cumprimentava os avós e tios e logo sumia no quintal ou na mata de muitas araucárias, próxima à casa. Ou então, corria para ver o rio e os animais nos galpões e currais. Desta vez, não foi diferente, assim que saí da cozinha, corri até um galpão próximo à casa para espiar o que havia lá.

Ao soltar a taramela da porta, me deparei com uma visão medonha para meus olhos de criança. De um gancho supenso do teto pendia um boi sem o couro, esfolado, ensanguentado. A visão me deixou sem fala. Vovô e um empregado da fazenda haviam “carneado” o animal e ninguém lembrou de avisar para que as crianças não fossem bulir naquele local. Do boi tudo era aproveitado e a tarefa de tirar o couro, cortar a carne, fazer o charque, etc. durava dias.

Por algumas semanas tive medo de dormir sozinha e mamãe me levou para o quarto dos meninos. Acordava no meio da noite, suada, agitada. Nos pesadelos o boi morto aparecia, enorme, ameaçador.
Aloysia
Enviado por Aloysia em 11/12/2016
Reeditado em 11/12/2016
Código do texto: T5849706
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