As opiniões e histórias de Zé do Arilo.
Durante a cavalgada levei a máquina digital e fiz registros fotográficos das margens do Jaguaribe no local que é conhecido por Serafim, e foi tudo muito bom, mas o melhor ia ser a conversa que eu ia ouvir depois. Cedo da noite saímos, eu e o Zé de São Bento. Visitei a igreja e pude ouvir bem o bonito som dos sinos de Jaguaruana; estes, me fizeram lembrar o homem do Aracati dizendo que os sons dos da igreja matriz de lá, eram sons de lata. Passamos pela praça em frente à prefeitura e o Zé resolveu me levar para conhecer um prosador. Ele começou a rir e eu perguntei o motivo da graça, disse que eu me preparasse, bastava perguntar alguma coisa sobre política ou igreja de padre ao homem e deixar que o tal ia desfiar muito sobre o tema e que, eu não me preocupasse em lhe perguntar mais nada, pois o repertório do prosador era bem vasto, além das muitas ideias e pareceres. E foi tiro e queda. Lá estava ele no seu ponto, em sua calçada ventilada, numa confortável cadeira de balanço esperando por algum ouvido ouvinte.
Fui apresentado a Zé do Arilo. Trata-se de um senhor alto e branco, tipo um ariano. E ele por saber que eu era de fora, começou me dizendo que viajou para o Recife quando era rapaz, trabalhou e estudou por lá, depois, resolveu voltar. Gostava do seu lugar, mesmo com todos os atrasos e dilemas. Sabia que em sua cidade o povo era muito preocupado com boatarias, e muito envolvido com eleições. Eu lhe disse que isso era muito normal em outras cidades e ele, mesmo sem ter vivido em muitas outras cidades, foi prontamente discordando de mim e dizendo que não, não era possível que em outras cidades acontecesse a "escuilambação" que acontecia ali. E eu ao notar que ele se afligia por pouca coisa, resolvi não apresentar argumentos contrário. E ele continuou.
Podia falar com toda certeza que, igual ao povo da Jaguaruana não podia existir. Por ter se calado, ferroei, o que ele achava da política eleitoreira, e ele disse que política mesmo era algo muito sério e desse assunto ele não falava, como não discutia causas religiosas... que política era coisa de interesse dos politizados e estes viviam ocupados com as suas grandes responsabilidades. Porém, para não ficar calado poderia dizer alguma coisa sobre a sordidez do povo do seu lugarejo na época das campanhas. Do povo, e era bom não esquecer que candidato a cargo eletivo é sempre alguém do meio do povo e que quando há sujeira, esta afeta aos dois indistintamente. Quem estudou sabe que a luta pelo poder é coisa antiga e manjada, mas, disso também não falava, preferia dizer alguma coisa dos esdrúxulos acontecidos da região. Que eu soubesse que naquela cidade havia família que se dividia, irmãos que brigavam, casais que se separavam e gente que fazia pequenas e grandes apostas nas eleições. Havia vandalismo, traição e muito mais coisas no meio da politicagem. O que se passava na cabeça dos sectários ninguém sabia, mas dava para se ver muito bem as suas ações e efeitos...
Era incrível, mas ele conhecia um cidadão dali, dentre tantos e tantas outras pessoas que, nunca havia trabalhado nem sido beneficiado com nada vezes nada do meio dos políticos locais. Um homem já bem velho que nunca tinha ido sequer a uma reunião na câmara de vereadores durante toda sua vida. Pela idade, nem precisava mais votar e por aí eu tirasse. Pois bem, esse dito cidadão, se transformava no período eleitoral. Ficava nervoso como quem está defendendo a todo custo a sua integridade moral e física diante de um tribunal de acusação. Que o tal fanático, efetuava trabalhos manuais de redes e quando em discussão com oposicionistas defendendo seu candidato, tremia e até mudava de cor, alterava-se visivelmente ao se referir ao opositor do seu candidato.
Naqueles momentos, ele, Zé Arilo, tentava fazer o exaltado senhor sair da angustiosa vibração. O engodo era muito grande por essas causas, muito maior do que discussões sobre quaisquer outras preferências. Sabia de casos de casais que devido às suas diferenças eleitorais, se desentendiam durante as campanhas, e muitas vezes chifres apareciam na cabeça de alguns. A "escuilambação" era grande, não era brincadeira não, o carnaval perdia, o carnaval era só três, quatro dias e tudo voltava ao normal, mas as campanhas dos políticos eram semanas. Cada comício um passeio e muita gente agarrado às suas cumplicidades, o povo dali gostava era de disputa, eram loucos por essa farra, e a cada eleição a coisa só piorava.
Que havia pessoas interessadas em trabalhar isso era verdade, como igualmente existiam espertalhões com a finalidade de se darem bem em tudo que faziam. Falou depois que na eleição do ano seco de 2012, um chefe da política local que era apoiador e aliado da vencedora do pleito, falou no microfone da rádio logo após o término da contagem dos votos: "Eu botei o atual prefeito pra dentro e estou agora botando pra fora!" Por aí eu tirasse como era a política em pleno século vinte e um na bela e majestosa cidade dele.
Eu o ouvi com atenção e fiz menção de concórdia e foi mesmo que botar mais lenha na fogueira. O homem continuou com maior veemência agora cambiando o assunto para o lado eclesiástico. Que hoje em dia, até padres estavam engajados em causas da política. Ele não concordava com aquilo. Padre é para ser padre, político é para ser político. Os noticiários divulgavam notícias de padres que largavam a batina e se casavam, tudo certo, desses, ele não falava, mas padres pedófilos eram criminosos. Que eu reparasse numa coisa, se hoje o homossexualismo era aceito no meio social, imagine quando padres declarados homossexuais se manifestassem para serem aceitos pela igreja... sim, aí ele queria ver qual seria a posição dos batinas mais velhos, até quando iria continuar a tradição do celibato? É, a "escuilambação" era grande, pois que até mesmo houve Papa na história que teve mulher... coisa antiga, havia o padre Amaro de Eça de Queiroz, um criminoso aproveitador.
Depois contou-me que fez romarias para Canindé, Juazeiro e que tinha ido até Fortaleza quando João Paulo II veio ao Brasil. E falou e falou. Que ele mesmo, já havia sido muito fervoroso na prática, porém o que via era muita gente criando fantasia em torno de preferências e de uma religiosidade besta. Achava que romarias para lugares daqui e do estrangeiro hoje em dia, estavam mais era para turismo mesmo. Para Juazeiro e para Canindé o povo que faz promessa e ainda leva aqueles votos de madeira, e muitos dizem que conseguiram graças e disso ele não duvidava, mas que o comércio em torno das romarias era forte, isso era.
Disse ainda que eu prestasse bem atenção, se ele não estava certo. O caso do padre Cícero era uma prova de que padre não devia se meter com política. E que eu visse que o cantador Pedro Bandeira ainda teve a coragem de fazer um poema-cordel propondo ao papa João Paulo II, a canonização de Cícero Romão Batista, um vigário que foi até proibido pelo vaticano de celebrar missa. Que eu entendesse que ele não estava falando mal do poeta, mas do absurdo dos versos do infeliz cordel, se tinha cabimento um sujeito padre, engajadíssimo em coisa de política naquela época?! A prova estava nas decisão tomada pelo vaticano. Ele ia ficar calado, sabia dos fatos contados pelos livros, Deus sabia o que o padre do Juazeiro havia feito, mas, quem garantia, que a história no futuro não poderia até dizer outra coisa sobre o milagreiro? Quem sabe né? Ninguém sabe!
Zé do Arilo não parava de desfiar seus conhecimentos de casos polêmicos e torpes até. Agora vinha com outro relato de que na cidade vizinha existia um padre que ele conhecia bem. Este, havia tido um caso com uma mulher há algum tempo atrás quando foi pároco de outra cidade. O religioso era e continua sendo bom pregador e bom cantor. Só isso, já impressionava bastante os fiéis. Não se sabe se a mulher foi seduzida por ele, se foi ela quem o seduziu ou se ambos começaram a despertar juntos as emoções naturais de homem e mulher. Muitos moradores antigos do lugar, lembram do caso... e ele, Zé do Arilo, não ia longe não, ali mesmo, nas barbas dele, havia acontecido coisas do arco da velha. Um padre recém-chegado, fora assassinado, pelo meio do crime havia envolvimento com práticas sexuais abominadas pela madre igreja, um negócio sério, caso de polícia mesmo.
Outro caso antigo de padre dali, sim porque ele não era de ficar falando de casos de outros lugares, noticiados por jornais e televisão. Pois bem, esse tal religioso que chegou a monsenhor e já era falecido, fora pai de filhos, filhos de carne e osso engendrados em mulher por ele mesmo, não havia segredo. O dito monsenhor era muito querido na região por ser um pregador prático, contrário à burocracia da igreja, casava e batizava no atacado quem aparecesse e não fazia exigências. Era um glutãozinho, amante da boa mesa, adorava uma galinha caipira nas festas e fazia questão de ser convidado para todas. Para compensar o lado carnal, era um profundo leitor de filosofias e como nada é perfeito era um tremendo desastrado ao volante do carro que dirigia, só não ia dizer o nome do santo por uma questão de ética cidadã, mas pelo milagre se identificava muito facilmente o santo.
Ele, Zé do Arilo, não estava ali para tapar o sol com uma peneira, com ele não havia mistérios nem segredo, não gostava era de boatos falsos, quando uma conversa chegava aos seus ouvidos, ele aguardava os acontecimentos para depois se convencer ou não do que diziam. Admitia que pelo seu jeito sincero, era uma pedra no sapato de muitos, mas, não queria criar inimizades, contava-me aquelas coisas pois, nada daquilo era segredo para ninguém do lugar. Os casos não paravam. Disse-me que um amigo dele, vendedor de rede em Mossoró, frequentador de uma igreja lhe falou sobre um padreco de lá, ainda novato, mas que era bom de sermão e encorajador das famílias. Era conhecido pelo fervor que demonstrava nos funerais, encorajando os parentes dos finados. Morava com a mãe e esta, um dia muito doente, faleceu no hospital. O padre, fervoroso consolador dos aflitos nos funerais alheios, se comportou de forma tão indecente dentro do hospital, que o médico teve que tomar algumas medidas para salvá-lo. Foi muito escandaloso o espetáculo que deu o homem de fé. É colega, era muito fácil encorajar os que estavam sofrendo, outra coisa é o “cabra” segurar a dor.
Demonstrei espanto quanto ao caso, mas continuei calado. Falou-me de um cidadão morador da cidade apegado aos cerimoniais da paróquia, e que agora se candidatara ao cargo de vereador. Até aí tudo bem, “mas uma coisa era a proposta de um representante do povo, onde o que ia valer eram as obras, coisas que o dinheiro faz, e outra era a moral da fé”. Na cabeça dele, não era para se misturar nunca uma coisa com outra. Que eu ficasse sabendo que a tônica do discurso desse candidato era a igreja, seus santos e a fé dos fiéis, dava para entender uma proposta dessas? Nada respondi, apenas balancei a cabeça negativamente. Eu observava que o seu Zé era mesmo fascinado por esses dois temas. Nada perguntei, fiquei na escuta e o que veio em seguida foram coisas inesperadamente escabrosas. Disse que casos de freiras lésbicas também chegaram aos seus ouvidos, ele citava essas realidades sem esquecer que as Madalenas haviam merecido o perdão de Jesus, mas será que as saboeiras e os veados iam ter direito às mesmas complacências? O que é que eu achava!
A pergunta me surpreendeu e eu lhe disse que uma coisa eram as leis da instituição eclesial com seus códigos e proibições, outra eram as leis naturais, estas estudadas pela ciência. E outra bem mais polêmica eram os princípios da fé e da consciência de cada um. Ele parece que nem ouviu o que eu disse, pois, nada disse a respeito da minha opinião, nem mesmo se concordava ou não. Citou que o que se devia fazer era, se procurar as boas inclinações, que qualquer um podia andar em qualquer caminho ou vereda, mas devia refletir e procurar viver a oração do pai nosso.
E não parou, disse-me que conhecia muitos beberrões que só estavam vivos hoje por terem entrado para o AA. Exemplificou que na cidade vizinha, havia um grandão da política que num passado recente, bebia tanto que acabava caindo e dormindo ao chão igual um cachorro. Disse que conheceu outros por ali que acabaram perdendo o viço, os cabelos, os dentes, que iam ficando pálidos, trêmulos e agora dormiam o profundo sono no campo santo. Conhecia desses viciados que paravam com o mau hábito e voltavam a ser o que eram antes do vício, e que havia outros que resolviam adotar novo credo. Ali na sua rua, havia um safado que era desse time de pilantras, e que ele, Zé Arilo, havia feito uns versinhos sobre a mudança do sujeito.
Levantou-se e foi buscar um papel, que em seguida leu para mim:
Hum rum que mudança!
Se hoje fala de paz
É por não poder brigar
O cigarro lhe fez mal
O álcool o derrubou
Foi coisa desimportante
Mas a mudar começou
Agora vislumbra a morte
E medroso se acovarda
Rejeita os seus parceiros
Dos tempos do fuzuê
É do rol dos cavalheiros
Dos salvos não sei de quê
Mas já bateu na mulher
Santo que fez diabo
Por hora mudou de lado
Até se diz convertido
Já foi um fardo pesado
O bandido arrependido
É sujeito moralista
Mas não confiava em nada
Hum! isso lá era gente
Já foi uma besta fera
Mas agora persevera
Pra se manter são e clemente.
Aplaudi o poemeto, comentei que ainda bem que a mudança do arruaceiro havia sido para melhor. Ele guardou o papel como que zangado. Perguntei se eu podia fazer uma cópia dos versos. Tirou do bolso o papel e me deu. Disse que era meu, estava salvo no computador do seu neto e que eu podia levar, agradeci. Depois disso ainda citou casos de suicídios acontecidos na cidade, e teria falado muito mais se eu tivesse mostrado disposição para ouvi-lo. Eu, estava me saturando e resolvi despedir-me do falante, era hora de tomar uma cerveja e comer alguma coisa, porque ninguém é de ferro. Quando saímos de lá, o Zé de São Bento que apenas me apresentou ao Arilo e durante a falação do homem permaneceu calado, outra vez entre risos foi me perguntando se eu teria ouvido e paciência para escutar um tipo daquele todas as noites, e eu disse que isso podia ser interessante, contanto que os assuntos fossem outros. Mas o meu amigo me disse que daquele ali só se podia escutar aquilo.