POBRE SÓ VAI NA TOPADA

Por isso que eu digo: pobre só vai pra frente quando leva uma topada ou quando leva um empurrão, digo e não tenho medo de errar.

Saí de casa na carroça ainda era cedo, só vi comadre Cosma ciscando o terreiro, butei o burro na melindrosa e dei lavando, cheguei no mercado em menos de fosco e já peguei um frente, fui pegar um porco que Leleu tinha matado. Ele me chamou, acertei o preço, disse logo que num fazia fiado, ele ofereceu um bom dinheiro, se escafedemos pra pegar o bicho morto.

Saímos da rua, entremos na outra, ele mandou eu seguir reto, segui, fui mais até em cima da rua, passemos em uma porteira, uma estrada de barro, peguei poeira nos olhos, descemos assim, quebrando a jurema, até que chegemos em um lugar esquisito que eu não conhecia. Na parede tinha umas coisas escrita que não tive como ler, tinha esquecidos os óculos em casa.

Ele mandou que eu esperasse um tiquinho de tempo, esperei sentado na carroça, me deu um importuno, acendi um fumo, passou um vento, até que ele assobiou e eu fui.

Chegando assim, quando eu vi o porco lá, estirado nas cordas, eu pensei comigo, isso não é um porco não, é um garrote! Pense da lapa de tamanho, pensei logo que na carroça não ia dar para levar não!

A cabeça do bicho parecia a cabeça de um touro brabo olhando para mim, e o mocotó? Fiquei foi abestado com aquilo tudo!

Não sei se foi verdade ou se essa verdade meus olhos trataram de inventar, mas que eu vi, isso eu vi! Enquanto o cumpade machante tava ainda de costa, e eu ia passando assim, ouvi quando o porco arrotou! Juro pela alma da minha mãe já morta pra mais de trinta anos!

Eu disse pra mim mesmo, eu só posso tá ouvindo demais! Quando penso que não, senti foi uma chutada de rocha no meio do meu mucumbuco! Pense da dor! E quem foi? Foi não por certo, a praga do porco morto. Eu virei assim, ainda passando a mão nas partes dolorida, pois não é que eu vi as tripas do porco todas de pé dançando uma marchinha de Carnaval?! Mas eu juro por Nossa Senhora que não me deixa mentir, era um sobe e desce, um venha cá e vá pra lá, um rala-rala até o chão, um enganchado uma na outra que foi preciso eu riscar minha peixeira dos quartos para elas se endireitarem e respeitar meu bigode.

Quis chamar o compadre, mas ele sumiu para o lado assim com o tal homem que mirando assim para trás, o fedorento do couro do pai de chiqueiro, do tamanho de três garrotes, me pegou por traição, me cobriu o corpo todo que eu fiquei no escuro, sem força para nada, sem respiração, sem tempo nem pra pensar! Mais era gordura de porco nos meus olhos, nos ouvidos, escorrendo pelo pescoço, dentro da minha venta, quando penso que não, dentro de minha boca e eu na agonia de cuspir, passei foi a mastigar e sem querer comecei a fazer bolas como se a gordura fosse chiclete e depois passei a espumar como se fosse sabão, era tanta bolha que pensei que tudo aquilo iria estourar e seria gordura até no céu, daí gordura nos pés, nas pernas que não conseguia mexer nada, pois de tanto me espremer, soltei uma sola daquelas que nem o couro do porco aguentou, era pedaço de couro de porco para todos os lados e nessa hora senti quando o compadre, presepeiro que só ele, enfiava um galhinho de planta no meu ouvido, me acordando do sono que eu tinha pegado enquanto esperava ali, debaixo de uma mangueira frondosa.

Daí vi as bandas do porco em cima da carroça, as tripas, o fato e o couro em uma sacola.

Tiramos o caminho de volta todinho eu contando para o cumpadre o sonho que tinha tido, ele soltou uma gaitada, disse que o porco do meu sonho era ainda pequeno, grande era um porco que o pai dele criava lá na Fazenda da infância dele, o danado quando foi morto precisou de um caminhão para carregar a carne para o mercado, pia! Disse ele que o bicho, quando tava com fome, arrotava de provocar uma ventania e só queria beber água gelada e comer bolacha recheada, de chocolate, pia aí! Eu quis foi tomar uma pinga quando o Leleu disse que em noite de lua, o porco aparecia com asa e voava, nessa hora, a carroça trupicou numa pedra que quase viremos, foi um suspiro de nada. Ele disse que era o espírito do danado do leitão... Fiquei foi de butuca ligada.

A prosa foi comprida e a viagem mais ainda! De volta ao mercado, o cumpadre pediu para eu parar numa porta e levasse o porco para ser descarregado na outra, ele ia chamar o irmão dele para ajudar a levar a carne para a barraca, e assim eu fiz! Pois não é que quando eu cheguei na outra porta, a viúva do capitão Zé donzela não estava aos prantos, armada de espingarda, arrodeada de policial porque a porca dela, a Cheirosa, tinha sumido!

Mas só foi eu encostar a carroça assim que ela gritou:

___ É Cheirosa? ___ E foi logo abrindo o berreiro. Eu disse:

___Não sei, a veia que deve saber, ela que tem o costume de dizer: dê cá um cheirinho da cheirosa!

Pois ela foi e isse:

___É Cheirosa sim, conheço só de olhar, pela cor. ___ E abriu a boca num berreiro.

Pois não é que, no meio do caminho, tinha parado para mijar e esqueci o fleche aberto. Fiquei todo encabulado, cobri foi com as mãos. O soldado foi logo gritando:

___ Mãos para o alto, cabra, a viúva reconheceu a Cheirosa, o senhor está preso pelo estrago feito.

Eu não sabia o que fazer, levantei as mãos e perguntei:

___ Eu? Estrago? ___ A viúva disse.

___ Isso mesmo, arrombou a cerca, pisou na grama do meu coração , partiu pra cima e pegou a Cheirosa a força e me fez um rombo grande, tou aqui que é só dor, desde que você tirou ela de mim.

Eu não sabia o que dizer, até que saiu algumas palavras?

___ Eu? Arrombei? Pisei? Tirei?

____ Sim, minha porquinha de estimação.

Soltei foi uma gaitada! Fui logo dizendo que aquela porca nao era minha, era do cumpadre Leleu, eu só tinha indo buscar para ele.

Naquela hora, só vi o cumpadre saindo na carreira quem nem bala alcançava! Pois não é que ele tinha pego a porca escondida para saldar contas vencidas da viúva! Resultado?

Pensei que ia ganha bem naquele dia, acabei foi levando uma cadeia até que o Leleu foi pego para esclarecer os fatos.

Por isso que eu digo, pobre só vai para frente quando leva topada, se eu tivesse dormido mais um pouco, não teria passado por essa encrencada!

Contei para quatro, para cinco ou para seis, os que escutaram, passaram a ser freguês!