Eu pei, dou quantas vezes preciso for
Eu, pei, dei tudo que tinha. Achou ruim? Problema seu! Queria liberar tudo que estava dentro de mim, pei dei e não me arrependo, peguei uma ruma de gente no mesmo tempo, na mesma moita de boca aberta e todos tiveram de engolir caladinhos. Vi alguns ainda revirando os olhos, outros fechando a boca numa carreira e ficaram mastigando porque eu vi o movimento dos dentes. Outros não se aguentaram, tamparam o nariz, ai, eu, pei dei de novo em alto e bom tom! Alguns não se aguentaram, se levantam, fizeram cara de desagrado, ainda tentaram dizer alguma coisa, mas eu nem aí, não devo a ninguém, não ia guardar uma coisa que estava presa dentro de mim porque ia chocar ou desagradar alguém que nem sei se se importa comigo. Pei dei novamente! Dessa vez com direito a estralos e tudo! Até parecia que estava cantando o hino nacional. Um besta que ia passando no ônibus, da janela gritou alguma coisa, nem liguei, foi só pei e dar para ele a resposta, na cara, na mesma hora! Tá pensando o que, que tem mais direito que eu? Pois não tem não, os direitos são iguais! Pei dei uma vez silencioso! Pei dei outra vez seguida com um tantinho de barulho e pei dei mais uma vez mais molhado, dessa vez mais prolongado, só para escandalizar mesmo! Fiquei um tempo observando a cara do povo ao meu redor. As senhoras pegavam os lenços e enxugavam um suor na testa franzida que nem existia, os homens punham os óculos escuros e fingiam ler o jornal de cabeça para baixo, os mais jovens cutucavam uns aos outros e escancaravam as bocas em risos, eu, descarado que sou, nem ligava. Sentado no banco, passava a perna, pei dava com gosto, sem me importar com quem estava olhando, passando ou falando mal de mim. Se insistissem, eu pei dava no mesmo instante sem parar, mais demoradamente.Não tem coisa melhor na vida do que liberar o que está preso dentro de você, te oprimindo, causando dor, angústia, mal humor, revolta, coisas do tipo, só porque as pessoas acham feio, um absurdo, quebra de intimidade, que são coisas que devem ser feitas as escondidas, sem ser na frente de ninguém, mas chega um dia que você cansa, que o corpo pele e você, aos poucos, vai liberando, liberando, quando menos percebe, já perdeu a vergonha e pei dá em qualquer lugar, qualquer hora, sem pudor! Não importa se vai se de forma tímida, cantada, estralada, molhada, daqueles que arde até a alma, agoniado, quente, ardente ou só de leve. Pei dei agora. Ninguém disse nada, nem se quer fez boca torta ou cara marretada. Só do outro lado da rua eu vi um senhor resmungando alguma coisa, mas não deu para ouvir! Pei dei alto, o homenzinho que ia chegando e ia abrindo a bíblia disse que aquilo, ali, na frente de todo mundo, na hora que ele ia abrir a palavra de deus, era uma pouca vergonha, que eu deveria ter vergonha, colocasse os joelhos no chão e fosse orar porque eu estava possuído pelo espírito do inimigo! Que aquele meu ato chegava a feder, incomodar, irritar os olhos dos outros... Eu fiquei assim, olhei para ele, fiquei de costa, me agachei um pouco e pei dei um demorado, alto, gritante, bem sonoro, quase que não terminava, chega fiquei cansado e sentei de uma vez, escangotado, morto, mas feliz, muito feliz pelo meu protesto! Ele, com mais de cem, fechou o livro e saiu gritando que eu estava amarrado, amarrado pelos pés e pelas mãos e de tanta insistência dele, com palavras tão ofensivas, eu pei dei de novo. Aos poucos a parada ia esvaziando, no céu a lua nascendo e eu que não sou besta, liguei o meu raidinho de pilha, esperei uma música bem romântica e pei dei mais um beijo gostoso na boca de minha veia que estava alí vendendo milho, batqatinha e confeito comigo! Que que tem? Só porque já tenho mais de sessenta, não posso namorar com minha veia que já perdeu metade dos dentes? Pois eu pei dou quantos beijos ela quiser, inté arrevirar os beiços.