Marina assistia àquela cena com os olhos arregalados. Embora soubesse tratar-se de uma performance teatral itinerante, cultura popular da cidade, inspirada numa lenda que dizia que os mortos saiam de seus túmulos para vagarem pelas suas ruas, na madrugada, seguindo, em lamentos, até a primeira igreja fundada na época dos bandeirantes, uma onda de arrepios percorria-lhe o corpo enquanto aquela multidão de “mortos-vivos” caminhava em cortejo fúnebre, ganhando adeptos, aumentando o número de participantes, entre simpatizantes e curiosos.
A Procissão dos Mortos é uma lenda urbana resgatada pela Fundação Cultural de uma cidade do interior de São Paulo, que fica às margens do Rio Paraíba do Sul. O grupo, formado por atores e moradores local, se reune no museu de Antropologia e sai, exatamente à meia noite de uma sexta-feira, em direção à antiga igreja, ao som de matracas, velas acesas, cruzes e ladainhas. Diz a lenda que antigamente o cemitério da cidade ficava no centro, atrás da igreja de nome Nossa Senhora do Bom Sucesso. As almas que viviam por lá costumavam assistir à missa nessa igreja, mas, com o crescimento da cidade, o cemitério foi transferido para outro local e as almas que gostavam de assitir a missa no Bom Sucesso, então, tinham que sair dos seus túmulos e andar pela cidade, em cortejo, até a referida igreja.
Esse evento faz parte da programação de agosto, mês do folclore, tendo como complemento um grupo de músicos que executam a “ladainha dos mortos” e a trilha sonora da procissão. Ao final da procissão, os participantes são convidados a dançar uma ciranda. A ideia é mostrar que esse cortejo faz parte da cultura popular não só da cidade, mas do folclore nacional. Os integrantes do grupo, caracterizados, capricham na maquiagem, máscaras e trajes fúnebres que lembram um moribundo ou morto.
Marina morava no sul de Minas, estava passando uns dias de férias na casa da sua tia Beatriz e ao tomar conhecimento desse evento ficou muito curiosa para participar, mesmo que como espectadora. Adorava as histórias de assombração que a avó lhe contava quando menina, embora sentisse muito medo depois e sempre lhe batia à porta do seu quarto pedindo que sua avó a deixasse dormir com ela. Era aconchegante o colo da avó “Sinh'Ana” e só assim conseguia dormir tranquilamente.
No caminho para a casa, a tia Beatriz falou mais sobre a lenda, inclusive que os "defuntos" levavam velas acesas nas mãos, com as quais presenteavam algum pobre mortal que se deparasse com o cortejo macabro e se o infeliz apagasse a vela ela se transformava num osso humano. Beatriz falou também sobre o programa “Uma Noite no Museu”, criada com o objetivo de resgatar causos e lendas da região. Esse museu era conhecido pelas histórias de fantasmas com barulhos de correntes e gemidos, pois sabe-se que lá havia sido a residência de um escravagista famoso, que deu nome ao lugar de "Solar Gomes Leitão". Desde a criação do programa foram dezenas de lendas e causos de assombração que compõem o imaginário dos seus antepassados. Mula-sem-cabeça, lobisomen, cobra grande, loira do algodão, a filha do coronel, as escravas, a noiva do trem são alguns deles.
Era tudo muito surreal, pensava Marina, como o imaginário popular podia criar histórias assustadoras e ao mesmo tempo intrigantes e misteriosas.
Foi pensando em tudo que vira aquela noite, que Marina foi para a cama. Assim como antigamente, depois de ouvir as histórias da sua avó “Sinh'Ana”, uma sensação estranha começou a incomodá-la. Desta vez não era medo, era algo indecifrável que lhe provocava arrepios pelo corpo. Virou-se de um lado para outro, na tentativa de encontrar uma posição confortável para dormir e não conseguindo, decidiu levantar-se para tomar um copo de leite quente. Chegando à cozinha, preparou o leite e estava bebendo-o quando ouviu um barulho estranho vindo lá de fora, da rua, pareciam vozes cantando algo em coro. Ficou curiosa e abriu a porta da cozinha que dava acesso à varanda. A casa era um sobrado e lá de cima tinha uma vista privilegiada de toda a avenida que passava em frente.
Marina ficou petrificada, não acreditava no que seus olhos viam. Foi até difícil para ela contar, mais tarde, em detalhes, a cena que presenciou. Uma multidão, em cortejo, passava pela avenida, mas via-se somente os pés e as mãos, estas segurando uma vela acesa. Não tinham corpo, nem cabeça, nem tampouco rostos, somente pés e mãos, mas ouviam-se gemidos misturados com uma ladainha que ela já tinha ouvido há poucas horas atrás.
A face de Marina estampava medo, misturado com terror, que fez com ela deixasse cair da sua mão o copo com leite, o qual espatifou-se no chão e, não se sabe como, conseguiu voltar para dentro da casa, fechando a porta atrás de si, ainda ouvindo aquelas vozes que lhe martelavam os ouvidos.
Todos na casa dormiam e Marina voltou para a cama, levando seu pensamento à sua querida avó “Sinh'Ana”. Como ela sentiu falta do seu colo e da sua proteção naquela hora. Chorou, orou e pediu que ela lhe velasse o sono. Assim, conseguiu dormir, quase raiando o dia.
À mesa do café da manhã todos riram muito da história contada por Marina e seus primos fizeram caçoada dela, até brincaram fazendo caretas, imitando personagens fantasmagóricos, tudo para que ela se convencesse de que tratava-se apenas de um pesadelo...até que Dora, a diarista, entrou na cozinha carregando uma pá de lixo com cacos de vidro e foi logo perguntando:
- Quem foi que quebrou um copo com leite, na varanda?
Todos olharam-se entre si e um silêncio mortal pairou no ar, tomando conta da família...
A Procissão dos Mortos é uma lenda urbana resgatada pela Fundação Cultural de uma cidade do interior de São Paulo, que fica às margens do Rio Paraíba do Sul. O grupo, formado por atores e moradores local, se reune no museu de Antropologia e sai, exatamente à meia noite de uma sexta-feira, em direção à antiga igreja, ao som de matracas, velas acesas, cruzes e ladainhas. Diz a lenda que antigamente o cemitério da cidade ficava no centro, atrás da igreja de nome Nossa Senhora do Bom Sucesso. As almas que viviam por lá costumavam assistir à missa nessa igreja, mas, com o crescimento da cidade, o cemitério foi transferido para outro local e as almas que gostavam de assitir a missa no Bom Sucesso, então, tinham que sair dos seus túmulos e andar pela cidade, em cortejo, até a referida igreja.
Esse evento faz parte da programação de agosto, mês do folclore, tendo como complemento um grupo de músicos que executam a “ladainha dos mortos” e a trilha sonora da procissão. Ao final da procissão, os participantes são convidados a dançar uma ciranda. A ideia é mostrar que esse cortejo faz parte da cultura popular não só da cidade, mas do folclore nacional. Os integrantes do grupo, caracterizados, capricham na maquiagem, máscaras e trajes fúnebres que lembram um moribundo ou morto.
Marina morava no sul de Minas, estava passando uns dias de férias na casa da sua tia Beatriz e ao tomar conhecimento desse evento ficou muito curiosa para participar, mesmo que como espectadora. Adorava as histórias de assombração que a avó lhe contava quando menina, embora sentisse muito medo depois e sempre lhe batia à porta do seu quarto pedindo que sua avó a deixasse dormir com ela. Era aconchegante o colo da avó “Sinh'Ana” e só assim conseguia dormir tranquilamente.
No caminho para a casa, a tia Beatriz falou mais sobre a lenda, inclusive que os "defuntos" levavam velas acesas nas mãos, com as quais presenteavam algum pobre mortal que se deparasse com o cortejo macabro e se o infeliz apagasse a vela ela se transformava num osso humano. Beatriz falou também sobre o programa “Uma Noite no Museu”, criada com o objetivo de resgatar causos e lendas da região. Esse museu era conhecido pelas histórias de fantasmas com barulhos de correntes e gemidos, pois sabe-se que lá havia sido a residência de um escravagista famoso, que deu nome ao lugar de "Solar Gomes Leitão". Desde a criação do programa foram dezenas de lendas e causos de assombração que compõem o imaginário dos seus antepassados. Mula-sem-cabeça, lobisomen, cobra grande, loira do algodão, a filha do coronel, as escravas, a noiva do trem são alguns deles.
Era tudo muito surreal, pensava Marina, como o imaginário popular podia criar histórias assustadoras e ao mesmo tempo intrigantes e misteriosas.
Foi pensando em tudo que vira aquela noite, que Marina foi para a cama. Assim como antigamente, depois de ouvir as histórias da sua avó “Sinh'Ana”, uma sensação estranha começou a incomodá-la. Desta vez não era medo, era algo indecifrável que lhe provocava arrepios pelo corpo. Virou-se de um lado para outro, na tentativa de encontrar uma posição confortável para dormir e não conseguindo, decidiu levantar-se para tomar um copo de leite quente. Chegando à cozinha, preparou o leite e estava bebendo-o quando ouviu um barulho estranho vindo lá de fora, da rua, pareciam vozes cantando algo em coro. Ficou curiosa e abriu a porta da cozinha que dava acesso à varanda. A casa era um sobrado e lá de cima tinha uma vista privilegiada de toda a avenida que passava em frente.
Marina ficou petrificada, não acreditava no que seus olhos viam. Foi até difícil para ela contar, mais tarde, em detalhes, a cena que presenciou. Uma multidão, em cortejo, passava pela avenida, mas via-se somente os pés e as mãos, estas segurando uma vela acesa. Não tinham corpo, nem cabeça, nem tampouco rostos, somente pés e mãos, mas ouviam-se gemidos misturados com uma ladainha que ela já tinha ouvido há poucas horas atrás.
A face de Marina estampava medo, misturado com terror, que fez com ela deixasse cair da sua mão o copo com leite, o qual espatifou-se no chão e, não se sabe como, conseguiu voltar para dentro da casa, fechando a porta atrás de si, ainda ouvindo aquelas vozes que lhe martelavam os ouvidos.
Todos na casa dormiam e Marina voltou para a cama, levando seu pensamento à sua querida avó “Sinh'Ana”. Como ela sentiu falta do seu colo e da sua proteção naquela hora. Chorou, orou e pediu que ela lhe velasse o sono. Assim, conseguiu dormir, quase raiando o dia.
À mesa do café da manhã todos riram muito da história contada por Marina e seus primos fizeram caçoada dela, até brincaram fazendo caretas, imitando personagens fantasmagóricos, tudo para que ela se convencesse de que tratava-se apenas de um pesadelo...até que Dora, a diarista, entrou na cozinha carregando uma pá de lixo com cacos de vidro e foi logo perguntando:
- Quem foi que quebrou um copo com leite, na varanda?
Todos olharam-se entre si e um silêncio mortal pairou no ar, tomando conta da família...
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“Meia noite, hora das almas retornarem aos seus túmulos”. Há sete anos, o evento percorre as ruas da cidade para contar, em forma de teatro itinerante, a história dessa lenda folclórica.
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