O CHEIRO DA ONÇA
Esse personagem aqui descrito é uma figura bastante conhecido na nossa região, de fala fácil, está sempre de bom humor, com um sotaque e um vocabulário bem característico, e um humor as vezes picante e chulo, mas muito interessante. Por isso mesmo, sempre tem um causo para contar, e eu, particularmente, adoro ouvir. Por isso, resolvi produzir na íntegra uma de suas narrativas.
— Ôh! Baiano, conta uma história aí pra nós.
— É mole pra nois. Ocê sabe que sou lá das lavras Diamantinas, e vim passando por cima de tudo isso aí, até chegar aqui, com a barra da carça já mijada, mais cheguei.
— Sei não viu baiano, você fala muito da Bahia, mas me contaram que você só nasceu lá, nem conhece a Bahia.
— Deixa de se besta. Com doze anos eu já ajudava aqueles home que vendia remédio, os propagandistas, o home da cobra. É..., era uma cobra e um lagarto e fazia propaganda de um remédio que curava di tudo, curava dor-dói, ramela, sapiranga, moleza de homi, doença de muié, nó na tripa e evitava até di morre de repente.
— Mas , vai contar ou não vai?
— Vo sim, mais o caso de hoje, aconteceu no Mato Grosso, num foi na Bahia não.
— Não?
— Não. Nessa ocasião eu trabalhava pra um japoneis, que comprou uma fazenda no Mato Grosso... Aí... Ele me chamou e falo... Semana que vem nois vai pra Mato Grosso, no meu novo fazenda, se prepara, vamos ficar lá por três meses, vou inclusive levá famía minha.
Eu, muleque novo, num tinha nem um passarinho pra da água, e já de zói na japonesinha, cunhada dele, topei na hora, pensando..., quem sabe não faço um alicerce com essa japonesinha. O que não deu muito certo não, a danada da japonesinha era arisca como o diabo e falava pra mim, hiiiiii! Brasileiro muito malandro, só que proveitá. Eu até gosta de você, mas num confia né.
E cum isso, devido essa minha incrinação, essa bestage, acabei invurvido e ficando mais do que o necessário.
Mais a história que eu tenho pra conta, e da caçada de uma onça. Naquela época tinha muita pintada e caça num era improibido... Sempre me falaro que cachorro tem medo até do cheiro da onça, e eu, num aquerditava, mas, dessa veiz discobri que eles tem medo mesmo.
Certo dia, o capatais de uma fazenda vizinha veio convidá nois pra ajuda a caça uma onça que tava cumeno bizerro . Claro que aceitamo, vizinho é pressas coisas, um ajuda o outro, na hora da pricisão, principalmente lá nos cafundó do sertão. Combinamo que a caçada seria na semana vindoura.
Na segunda e na terça, adiantamo nossa obrigação e saimo na quart-feira bem cedin, munidos de boas armas e munição à vontade. Chegamo na fazenda pur vorta das quatro horas da tarde. O fazendeiro nos recebeu, prusiemo um pouco, falamo da onça, do estrago que ela vinha fazendo e como nois pretendia caçá a danada. Nisso já tava quase anoitecendo, logo foi servido a janta, a base de mandioca e carne de paca, pensa num trem bão, prosiamos mais um pouco e fomos dormir, porque no outro dia, a caçada começava, e nois só ia vorta depois de matar a pintada.
No outro dia montamos acampamento próximo ao lugar onde ela costumava atacar o gado, passamos o dia e a noite interinha de campana e nada de onça, a bicha tava adivinhando, ela num é besta nem nada, deve ter sentido nosso cheiro e não apareceu.
Nu outro dia, por vorta das onze horas, quando já estava nos preparando pra armuçá, cumeço a ventá de dento da mata pra fora, foi quando o capataiz, que tava no comando e mais experiente que nóis falou.:
— Hoje ela sai, pode ir preparando as ferramentas, o vento virô, ela num sente mais nosso cheiro e ela vem. Hoje ela num iscapa.
Dito e feito, lá pelas seis e meia, sete horas, no turvà, bem na boca da noite, quando menos se espera aparece a bichona. Pensa num trem bunito. O Sol poente com aquela cor meia avermeiada batia no lombo dela e nos oferecia uma visão linda, de caí o queixo. Ói minino, sou caçado e já matei muitos bichos, mais só pra comê, ti juro que não deu corage de atirá nela não a bicha era bunita dimais, mais, fazê o que? Nóis fumo lá pra isso....
Matamo a bichona, num misto de felicidade por ter cumprido a tarefa e dó por ter matado animal tão bunito. Passado aquele espetáculo lindo e ao mesmo tempo brutal, fumo observar a bicha de perto, tirar o couro e carnear.
Depois de carnear, acendemos uma fogueira, escolhemos um quarto traseiro e mandamos pra brasa. Passamos a noite inteira comendo churrasco de onça e bebendo cachaça. Foi a maior farra.
De manhazinha, pegamos os burros e vortemo pra casa. Eu num sei,minino... se foi a carne, o se foi a cachaça ou o balanço do burro, só sei que que foi me dando um desarranjo intestiná, e aquele negócio foi se avolumando na minha barriga, que eu não via a hora de chegar em casa.
Quando risquei com o burro no terreiro, o negócio tava em tempo de explodir, a cachorrada vieram toda latindo, e era bem uns deiz. Assim que apeei, sortei um peido daqueles bem longo e profundo, que mais parecia um bando de bugiu roncando.
Minino, os cachorros pegaram numa gritaria, correram todos pra dentro de casa com rabo entre as pernas, e eu, sem intendê nada.
Foi aí que o japoneis falô. Hiii! Baiano porco né. Peidô onça pura. Aí, é que fui entende, por que tanto medo dos cachorros, correram do cheiro da onça. Tão correndo até hoje....