Eleonora
Berílo MG
05 de maio de 1970.
...dona Dolores corria, corria o mais depressa que suas pernas lhe permitiam.
Era uma mulher Já de seus 45/50 anos de idade e com uma fila de meia dúzia de barrigudinhos para criar. Não era dotada de um corpo de uma corredora nata, mas neste dia Dolores precisava correr como se sua própria vida dependesse disso...
-Ochente cumpádi, quem é quela que vem lá sô?
-Vichhhhh mariiiiia, parece cumadi Dolores uai...
Vai toma o trem cumadi!!!
Diziam aqueles à bater com suas enxadas à beira da estrada naquela terra dura e seca do norte de Minas Gerais.
Há muito tempo que não caía uma só gota de água por aquelas bamdas.
Eram tempos difíceis, com a última geada que se deu então, plantações inteiras se perdera, soja, milho, cana, algodão, arroz, café... mas sem tempo para lamentações, Dolores continuava a correr.
Aproximando-se de uma casinha de pau-a-pique numa comunidade visinha, que não ficava a meia légua da sua (ali pertim), morava dona Eleonora.
-Cumádi... Ôooo cumádi Nô!!
Gritava Dolores enquanto corria.
Da janela da casa vizinha à de dona Eleonora, apareceu uma senhorinha já com seus 70 e lá vai mais alguns anos de vida em perfeita saúde e de excelente audição.
Vendo Dolores à correr como nunca tinha visto antes, disse firme e forte:
-Qui pressa é essa minha fia, cumádi Nô tá lá no ri!!
Sem tempo (prum dêdim di prósa), Dolores passa por dona Emília como um pé de vento e desemboca no carrero (trio) em ladeira abaixo.
-Eita muié qui nun sussega in casa sô!! Resmungou Dolores com a ausência de sua comadre.
E descendo pelo carrero em direção ao ri (ops, ao rio) avistou lá embaixo dona Eleonora à lavar roupas naquelas enormes pedras que agora se via de muito longe devido a seca e as dragas endemoniadas que procuravam ouro e soterravam os rios, trazendo mais tristeza pra aquele pedaço de chão.
-Cumádi, Cumádi, Acodi cumádi, vai nacê!!!
Esguelava Dolores.
Eleonora, vendo Dolores se aproximar aflita e língua de pendurada, foi a seu encontro já berrando:
-Carma muié, fali di vagá qui num mi iscuto dus ouvidu uai!!
Eleonora era a moradora que mais perto daquele rio morava.
Por causa dos estrondos das explosões e do barulho das dragas e das máquinas escavadoras, afetou-lhe os ouvidos.
-Vin vuanu cumádi, pámodi chama ocê uai.
Cumádi Matildi tá lá qui nun si guenta tanto di dô!!
Dona Eleonora era a única médica, parteira, curandeira, benzedeira, confidente, conselheira etc, etc, etc... daquela região.
-Mais já vai nacê?? Disse Eleonora alçando as sobrancelhas.
-Ochent, mais nun tô falanu, cumádi Matildi vai pari sô!! Retrucou Dolores de cara toda enrugada.
-Minha nossa senhora do pepeto socorro, agora lascô di veis, pelas contas a criança vai nacê fora di ora uai!! Espantou-se Eleonora.
Vo tê qui corre!!
Anda muié, sebu nas cânela sô!!
Dona Dolores, mais que enrugando a testa e serrando os dentes, carrancuda, pôs-se à correr novamente:
-Num dô conta uaiii!!!
Se contorcendo e toda ensopada de suor, dona Matilde gemia que dava dó com as dores daquele parto complicado.
Era uma mulher de cor, pequenina e franzina, mas no corte da cana de açúcar, ninguém ganhava dela. Seu Manoel o marido, sabendo que a qualquer momento a criança viria, tampouco estava preocupado colhendo pequi para vender na feira nos finais de semana, onde se ganhava uns trocados com viajantes que por ali passavam. Mas esse, não era o motivo principal d'ele não se importar com o fato, corria um boato que filho seu não era não.
-Eita lasquera!!! Abismada Disse Eleonora vendo a situação em que se encontrava comadre Matilde.
Sem demora, botou panelas d'água no fogão à lenha para ferventar e correu pra janela à gritar por Dolores que vinha chegando de língua de fora e de mãos cheias de ervas de tudo o quanto era tipo:
-Ôoooo cumádi, pega tudo os pano limpu qui ta atrás da casa!
Sem parar para tomar, (um golim de foligo), Dolores deu a volta por trás da casa e ouvindo o gemido da comadre Matilde, se apressou à recolher o que Eleonora havia lhe pedido.
Foi um Deus nos acuda, as comadres se tromba daqui e corre dali, nisso, ia chegando seu Manoel, com cara de poucos amigos que lhe era de natureza, e um saco de pequi nas costas que jogou num canto e foi pro terreiro pitar seu cachimbo de fumo de corda.
Um tiquim de tempo depois se ouviu o ecoar do choro daquela criança naquela casa...
-É mininoooo...
Gritou Eleonora que já foi completando...
-Mas agora disgraço diveis sô!!!
-Qui ta conticeno cumádi? Disse Dolores vendo o espanto de dona Eleonora.
-Mais é branquim di mais uai!!
Miiiinnha nóssa sennhora cumádi, agora danô tudo!!
O menino era da cor de jambo clarinho clarinho, pra desespero das comadres já que os pais eram de cor.
Enquanto a criança se acabava num choro estridente, dona Matilde sem forças e tão debilitada que estava desmaiou num sono profundo. Seu Manoel, escutando o choro correu para dentro da casa para ver a criança, dona Eleonora na tentativa de encobrir com um lençol limpo e branquinho não adiantou.
-Qui Disgraceeeeera é essa sô!!! Abismou irado seu Manoel.
-Ôooo cumpádi dexe disso ôme, o mininu tem cupa não uai!! Apelou Eleonora com medo de uma desgraça.
Tomando o menino dos braços da comadre Eleonora, saiu para o terreiro dizendo que ia jogar a criança no rio. Apavoradas com a atitude de Seu Manoel, as comadres vão atrás tentando impedi-lo de cometer uma atrocidade daquele tamanho.
-Pois intão, si o sinho num quize o minino dexe qui eu levo pra bem longe cumpadi!! Disse Eleonora disposta a cuidar daquela criança.
Seu Manoel parou perto do riacho e ali ficou com seus pensamentos, pra sorte daquela criança, seu Manoel era um homem que temia e respeitava as leiz de Deus, dobrou os joelhos e caiu por terra a chorar.
-Ocê me iscuta o que vou lhe fala cumádi, minha vontadi é di joga esse mininu no rio, mas so tementi a Deus sô!
Se ocê leva pra bem longi podi leva e nunca mais trais pra cá si não eu mato.
Dona Eleonora mais que depressa, pega a criança nos braços e nunca mais pôs os pés naquele chão novamente.
Para todos daquela região e principalmente para Dona Matilde, a criança nasceu morta e foi jogada no rio.
F i m