MUNDANA
A cidadezinha já adormecia, as luzes nas janelas iam se apagando e apenas restava o som dos cães e gatos em pé de guerra.
Tem um revolver escondido embaixo do banco para questões raras.
Eram poucos os que se atreviam a confrontá-la, sabiam da fama. Corria tão veloz quanto a polícia. E o melhor, os policiais nem se importavam se ela cruzasse o farol vermelho.
- Babacas – pensava.
Seu grande amor havia morrido em um acidente de carro, e a notícia no jornal após o acidente, que ocorrera a cinco anos atrás ilustrava o desastre:
“Homem embriagado ao volante causa acidente em rodovia movimentada, sete mortes ao total, sendo elas uma família, o pai, a mãe e três filhos.
Decidiu que nunca se entregaria de completo a outro homem. Desejavam um filho, mas não tiveram tempo de concebê-lo.
Ana enxugou as lágrimas que corriam por seu rosto e inundava seus poros, a face gelada pelo vento e o carro percorrendo a estrada vazia em alta velocidade.
Foi exatamente neste dia, por volta destas horas, as duas da madrugada que o acidente ocorrera. Sem ânimo para continuar a morar na cidade grande Ana decidiu se mudar para o interior, e permanecer lá para toda a vida. A ideia de tornar-se taxista surgiu como meio de sobrevivência. A cidade era pacífica apesar de algumas lembranças assustadora e emocionantes que Ana guardava na memória.
Certa vez estava na avenida principal da cidade, em baixa velocidade, procurando algum lugar em que pudesse parar o táxi e fumar seu cigarro. Estacionou na vaga de uma farmácia que funcionava vinte e quatro horas. Observou a extensa faixa de asfalto e os postes de luz iluminando o vazio das ruas.
Silêncio…
Estava no último trago quando um homem, que levava nas mãos uma enorme maleta veio correndo pedindo para que o levasse ao topo da montanha.
Tinha os cabelos brancos, aparentava uns setenta anos e encontrava-se eufórico, usava óculos redondos e vestia um jaleco branco, apenas mais um excêntrico, indagou a garota.
Era possível ir até lá, mas a estrada era repleta de curvas e abismos. A estrada circulava a montanha e subia até o cume, era o ponto mais alto da região, e de lá era possível visualizar milhares de estrelas a olho nu.
- Até o topo? Você sabe que horas são? – respondeu Ana, jogando a bituca longe.
- Te pago mil reais! – implorou o homem.
- A corrida vai dar isso! – respondeu a mulher, virando as costas.
- Te pago três mil, vamos, por favor! Eles irão aparecer a qualquer momento!
- Você é louco? O que está acontecendo?
- Te pago cinco mil!
Ana pensou… Se esse filho da puta tentar algo, eu o mato.
- Entre.
Ela esperou o velho se acomodar no banco da frente e adentrou em seguida. Encarava o homem com olhos de corvo. Enfiou o braço em um buraco abaixo do volante e puxou a arma.
- Você! – apavorou-se o velho.
- Cale a boca! Vou te levar até onde você quer, idiota. Mas se tentar algo, fique sabendo que existem seis balas aqui.
- Desculpe-me a pressa…
- Calado. Vamos em silêncio. Não quero você me distraindo.
- Tudo bem…
- Silêncio! – gritou ela, calando-se rapidamente quando percebeu sua exaltação.
- Podemos…
Ela o encarou, girou a chave e pisou fundo no acelerador. O motor rugiu e o pavoroso Gol quadrado, preto reluzente e com uma enorme faixa de táxi nas laterais saiu em disparada contra o vento por toda a extensa avenida.
O homem, percebendo a tamanha velocidade, recurvou o banco. Ana o encarou. Ele abria a maleta e retirava de dentro dela um notebook.
- Estamos atrasados…
- Pra que tanta pressa essa hora?!
- Olhe para você, dirigindo esse carro! – irritou-se o homem.
- Mas você é o cliente, otário!
- Vamos, vamos… – frisou o olhar pra rua.
O carro seguiu pela pista e chegou até o pé da montanha. Era uma longa subida.
- Vá mais devagar! Quer nos matar? Vamos cair! – gritava o homem.
- Você é velho, já viveu muito!
Ana deu uma risada exagerada, pisou mais fundo no acelerado e subiu veloz a pista sinuosa da montanha.
Lá do alto podia-se observar as pequenas casinhas que formavam a cidade.
- Mais devagar! Vamos morrer! – dizia o homem, com lágrimas escorrendo de seus olhos. Seu coração pulsava rápido com a adrenalina.
- O que? Estamos atrasados? Mais rápido? – Ana sorriu malignamente e retirou a proteção de um botão de cor verde. Ela o pressionou e os dois sentiram uma pressão de ar no rosto, o carro estava sendo impulsionado pelo turbo de emergência. Ana se divertia com o medo do velho.
- Vamos… Morrer… Por favor… Pare…
Desacelerou. O velho foi impulsionado para frente e colidindo com a cabeça no painel. Usava cinto, o que não evitou o choque.
Ana olhou para fora, via apenas as milhares de estrelas no céu e a cidade, um ponto minúsculo lá embaixo. Era lindo e tranquilo ali.
- O que veio fazer aqui?
Mas o homem não respondia, estava desmaiado. Ana sentiu sua pulsação. Ainda estava vivo.
- Não suportou a pressão, em? – chamou Ana, chacoalhando-o.
O homem não respondia.
Ana apanhou o maço e saiu do carro. Acendeu o cigarro e passou a contemplar o espaço. Foi a primeira vez que avistara uma estrela cadente, aproveitou e desejou algo.
“Daria tudo por uma cerveja agora”