A SOGRA DO MEU AMIGO
(Extraído do livro “Tute-Brincadeiras de Papel” do autor Samuel De Leonardo – Tute)
Quem me contou esse fato foi um amigo. Não citarei o seu nome por questões de segurança, ele é um tanto destemperado e passa por uma fase beirando a depressão. Tentarei narrar na íntegra e sem distorção o que ele relatou:
— Minha sogra veio passar uma temporada em minha casa. — o meu amigo iniciando a conversa.
Seu semblante era de um ar de tristeza, digno de pena. Sua narrativa era de uma melancolia profunda, difícil de traduzir aqui numa simples escrita. Pelo que me contou ela trouxe uma sacolinha de roupas, umas três ou quatro mudas somente, o suficiente para poucos dias. No primeiro dia armou um barulho dos diabos. Queria porque queria ficar no quarto de Samanta, sua filha mais velha, invadiu o aposento e se apoderou do espaço da adolescente. Inconformada, a menina foi se queixar com a mãe que logo botou panos quentes na situação, instalou a jovem no quartinho da edícula. Mesmo contrariada a neta obedeceu às ordens.
— Ela até que não é má pessoa, enviuvou há pouco e ainda dá um bom caldo, a gente não pode despreza-la, mas muita intimidade na casa incomoda e tira a liberdade de todos, menos a dela — meu amigo se justificando.
— Eu não queria estar na sua pele — comentei — mas é preciso relevar.
— Mas aquela senhora é de difícil relacionamento, um entojo — desabafou.
Deduzi tratar-se dessas madames da alta burguesia, cheias de nhém-nhém-nhém, que comem comidinha especial em horas agendadas acompanhadas por pílulas milagrosas e que sempre teve uma serviçal para explorar, precisam de muitos cuidados, enfim, uma atenção toda especial. E, como se isto não bastasse, implicava com o dono da casa.
Vivia toda serelepe pela casa, dominando o ambiente e só sorriso para todo mundo, mas quando meu amigo entrava, vinha logo com aquele discurso dizendo que ele não tinha horas para chegar em casa, mais parecia um estranho. Repetidamente dizia que ele não morava em uma pensão. Que respeitasse a filha dela. Na verdade a sua carreira de delegado sempre o fez viver em incontáveis plantões. Ainda por cima era hipócrita. Quando estavam a sós era atormentado, ela o olhava ameaçadora, mas quando a patroa estava por perto era toda simpatia, fingindo-se amiga.
— Quando eu reclamava, dizendo que a tal senhora era uma cínica, minha mulher brigava comigo, dizendo que eu implicava com a “pobrezinha”. — meu amigo quase aos prantos.
Num rápido balanço ele fez a seguinte estimativa: a velha se apoderou do controle remoto do televisor, proibiu-o de assistir ao futebol, bebeu todo o seu vinho do porto, esgotou o seu estoque de cerveja, comeu três quilos de tremoço em apenas um dia, rabiscara diversos livros, quebrou sua caneca preferida e sumiu com a sua carteira de identidade policial. Sem contar as encrencas com a vizinhança por ouvir rádio nas alturas durante as madrugadas.
— A vida lá em casa esta se tornando insuportável — Indagou.
Estava vendo o momento em que se divorciava por causa daquela senhora. Quando tentava expor a situação para a esposa, ela simplesmente rebatia:
— Você é um desalmado, mas nem eu estou suportando — para em seguida conforta-lo — estamos no mesmo barco, aguente um pouquinho mais. Ela logo vai embora.
— Mas você diz isso há onze meses.
O meu amigo com o olhar perdidamente abstraído emudecera por alguns instantes. Então o trago de volta ao mundo real e tento travar um dialogo:
— Conte-me mais, está interessante.
— Eu fiz questão de apresenta-la a um colega de trabalho, um velho solteirão, um escrivão aposentado chegado em velhinhas, parece que rolou um clima — completa o amigo..
— E aí, a velha foi embora ou continua lá? — Indaguei.
— Foi sim. Mas ela logo voltou e a coisa ficou pior.
— Ué... Então, ela não se arranjou?
— Arranjou sim, arranjou para a minha cabeça. Problema é que agora eles moram juntos — explicou — não na casa dele, na minha casa.
E suspirou melancolicamente.