A MESA DOS ANJOS
A mesa dos Anjos
Era costume no sertão fazer uma grande festa quando acontecia o casamento dos filhos dos proprietários rurais. De acordo com a extensão da propriedade e de suas posses era tamanho da festa. Ia desde macarronada com frango assado, leitoa e cerveja (sem gelo), até 8 ou 10 novilhas regada a vinho (vários quintos) e mais boa quantidade de cerveja (sem gelo). Acompanhava a tradicional macarrona, mandioca, arroz branco, virado de feijão, lombo cheio e carne assada em espetos de vara na fogueira feita em valas. Para a noite não faltava uma roda de viola acompanhada de Catira. Para os mais jovens, bailão ao som de violões, sanfona e o que mais a criatividade determinasse.
A abertura e parte mais importante era o almoço. Isso requeria algum planejamento para facilitar a execução. Como a clientela tinha fundamentalmente dois níveis de interesse, assim a estratégia funcionava. Misturar a criançada com adultos ia dar aborrecimento aos adultos (e falta de sossego aos pais). Então na primeira etapa (às 10 horas) seria servida a MESA DOS ANJOS. De barriga cheia mais da metade dos problemas estariam resolvidos. Logo em seguida (duas horas após) seria a mesa dos demais. Dessa forma a parte do “eleitorado” que representa sempre a maior fonte dos problemas, num tinha o que reclamar. A “molecada” iria brincar e a turma que já estava “empenando” iria namorar. E assim a fração “mais importante” ficava em paz...
Pois bem, fazendo um paralelo relatarei a minha (mais família, mulher e a primeira flha) participação numa destas festas, mas como ANJOS.
Ilha Solteira. Segunda metade do ano de 1 972. Preparo para a grande festa de inauguração da maior Hidrelétrica do Hemisfério Sul. CAIS era o clube cujos usuários tinham nível universitáio (professores, médicos, engenheiros, etc.). Era também a camada, que embora nos anos de chumbo da ditadura, tinha lá suas manias de contestar. Pois bem... Na minha concepção esse era o time dos ANJOS.
Bem, o “poder dominante” num ganhou esse título na loteria. Usufrui do “Status” porque também sabe preservá-lo.
Já por volta de outubro ao chegar ao clube, vimos um movimento de máquinas pesadas e dezenas de operários trabalhando no nosso “luxuoso” campo de pelada. Indagando do porquê, soubemos que se tratava do preparo para a cerimônia de inauguração da Usina que se daria no início do ano seguinte. Em pouquíssimo tempo, o nosso campo se transformou numa obra de fazer inveja a muitos restaurantes de luxo. Tudo feito em concreto armado. Cosinha, sanitários, adega, palco para show artístico e tudo mais que o conforto exigisse. Num se pode menosprezar a criatividade do “poder dominante”. Quem poderia questionar alguma coisa, embora também carregando o fardo da “gloriosa”, eram os ANJOS. Enfim nós, representantes da parte mais exclarecida do trabalhadores (pelo menos em tese).
Todos os sócios deste clube (elite da cidade de então) foram convidados para uma festa de “inovoração”, uma semana antes do Natal. Usaram o nome de festa de confraternização de fim ano. Foi a mais opulenta festa que participamos em toda vida. Só restou para todos: Elogiar!
Nessa mesma semana fomos visitar, com uns parentes de minha mulher que nos visitavam, o aeroporto de Jupiá. Quando lá chegamos nos deparamos com um Boeing Presidencial, aberto inclusive á visitação. Entramos, em dois blocos. Não por exigência da segurança, mas porque minha filha, com dez meses de idade negou-se a dedicar enorme prestigio às autoridades que estavam por vir. Um grupo ficou com ela enquanto o outro fazia a visita. Como todos bons turistas, quizemos saber as razões de tão grande aeronave estar ali estacionada e aberta a visitação pública: ... é o seguite disse o guia. Este avião deverá fazer cinco viagens, nos próximos dias, para que o piloto fique familiarizado com o trecho e elimine qualquer surpresa no dia da viagem do Presidente da República.
Logo nos primeiros dias do mês de Janeiro de 1 973, deu-se a inauguração e o banquete aos convidados (evidente que, por força da ierarquia no universo dos trabalhadores da obra, muitos ANJOS ainda estiveram presentes).
Não deu tempo de ninguém questionar o que seria feito daquele “elefante branco” no campo de pelada do CAIS. Quem construiu, desmanchou. Maquinas, caminhões, britadeiras transformaram em cacos e os enormes caminhões levaram tudo, num deixando nem poeira. Poucos dias depois nosso campo de pelada lá estava, com seu piso de areia lavada, como sempre estivera desde o início... (oldack/24/06/016 - 01h49)