Cemitério de Inconfidentes

Em 1963, a hoje cidade Inconfidentes era Distrito de Ouro Fino, com a vinda do Patronato, uma instituição precursora da FUNDABEM, que tinha a finalidade de abrigar e educar meninos órfãos do Estado do Rio de Janeiro. Esta instituição evoluiu e hoje é um centro de excelência de ensino. Juntamente aconteceu o desenvolvimento rápido do Distrito, o que levou a se desvincular de Ouro Fino.

Nesta época, a coleta de lixo era feita por uma carroça puxada pela disciplinada mula Faceira, e o Carroceiro, Geraldo Teodoro, mulato forte disposto, amigo de todos, vulgo Canhão, devido ao forte chute nos campos de futebol. Não se dava nenhum comando à mula. Ela sabia exatamente onde parar e quando continuar, só pela batida das latas na carroça, virava à direita ou esquerda conforme as disposições das casas e o jeito mais racional. Quando o lixo atingia a borda ou o peso ficava insuportável ela mesmo decidia quando deviam ir até o deposito para aliviar a carga. Assim sucediam os dias, sem feriados ou domingos de descanso. Não havia protestos, nem dela e nem de Canhão.

O primeiro prefeito (Seu Mario), queria deixar uma marca da sua administração, escolas, não havia necessidade, as ramificações do Patronato atendiam bem este quesito. A única ponte necessária no município estava bem conservada. A ideia surgiu quando passou o féretro de um cidadão para Ouro Fino, distante 11 km. Um sacrifício para os caminhantes que acompanhavam a última viagem do amigo.

- Vou fazer um cemitério para a cidade!

Procurou e achou um terreno amplo em uma colina nos arrabaldes da cidade. Mandou murar, arruar, um portal imponente, e o velório municipal, com uma capelinha avizinhando. À orquestra municipal pediu, que ensaiasse a marcha fúnebre e ao padre um sermão que confortasse os parentes do falecido. Tudo pronto, ensaiado, nos conformes. Só faltava um falecimento, que não era assim tão frequente, pois a cidade era muito pequena ainda.

No crepúsculo de uma tarde outonal, os sinos da catedral tocaram inesperadamente, e logo se anunciou pelo autofalante o falecimento de uma idosa conhecida na cidade. Tristeza para os concidadãos, menos para o prefeito, que já mandou escovar o terno, limpar os sapatos e preparou o discurso de inauguração. Mandou o secretário (Seu Guilherme) contatar os filhos, deixando todo o aparelhamento municipal a disposição para o velório, gracioso para o 1º sepultamento de Inconfidentes.

Delicadamente foi recusado pelos filhos.

- Como vamos deixar mamãe sozinha aqui? Papai foi sepultado em Ouro Fino, assim como os pais dela.

Uma semana após, outro falecimento, tudo se repete, inclusive a recusa. E, assim foi acontecendo, falecimento após falecimento. O mandato do governo se aproximava do final. O prefeito se desesperava, afinal não iria inaugurar sua Grã Obra.

Mandou fazer um jazigo especial, revestido de mármores, com doação sem manutenção, ad eterna, para a família que se prontificasse a inaugurar o Cemitério de Inconfidentes. Sem sucesso.

No último mês do mandato o Secretário surgiu com uma ideia para finalmente inaugurar o cemitério.

- Seu Mário, lembro que quando estudei lá no Patronato, tinha uma caveira para estudos, que era de um menino (Jurandir) que veio do Rio de Janeiro e depois ficou na zeladoria o orfanato, pois não tinha família que o recebesse. Então, será que ele não merecia um terreninho aqui, após tanto serviço prestado ao município?

- Rapaz, não é que você teve uma boa ideia!

E assim, foi inaugurado o cemitério de Inconfidentes, com marcha fúnebre, velório, sermão do padre, discurso inaugural do prefeito, as carpideiras em função.

O féretro teve a honra de ser acompanhada a distância pela mula Faceira e Canhão, como a única exceção de sua rotina diária.

Defranco
Enviado por Defranco em 14/06/2016
Reeditado em 19/06/2016
Código do texto: T5667262
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