A Filha do Coronel!
A lei é como uma cerca - quando é forte a gente passa por baixo; quando é fraca a gente passa por cima.
Coronel Chico Heráclito
- Ninguém olha!
Era a ordem dada pelo Coronel Andrada. Quem mirasse sua bela fila, Mirela, teria arrancado um dos olhos, ou seria chicoteado, quem sabe até pregado em cruz de madeira ou enterrado até o pescoço, para que as formigas o devorassem após ser besuntado com melado.
- Dizem que é linda de doer os olhos!
- Parece que de tão bonita, chegou a entortar as vistas de pretendentes da Capital!
- O Coronel já recusou peso de ouro, até um navio de prata, pela mão da moça!
A lenda crescia em torno da beleza mítica de Mirela. Furtada para proteção especial desde os 4 anos indo receber educação refinada na Capital Federal, naquela época o Rio de Janeiro, ninguém da região passava um dia sem ouvir uma frase sequer a respeito da beleza que tanto deveria encantar.
Dona Jaciara, uma das antigas anciãs, cuidara da pequena. Órfã no parto doloroso que arrancara a pobre mãe da terra. Foi babá até o dia da sua partida para que fosse afinada de tanta etiqueta e postura por professoras francesas. Vivia afirmando:
- Tinha olhos azuis e cabelos de palha. Parecia que um pedaço do sol brilhava sobre a sua cabeça!
E não era só aquilo:
- E a pele? Branca de leite. Uma maciez de encanto. Era como tocar no veludo do céu!
Não havia homem, novo ou já galo velho, que não quisesse botar o olhar sobre a formosura lendária de Mirela. Por todo o sertão já corriam histórias, causos, cordéis e romances. Tudo da cabeça do povo que acentua em mil o que vale dez.
Finda a educação, tendo alcançado os 16, era hora da menina voltar e passar algum tempo com o pai até que pretendente honrado aparecesse. Havia, no entanto, um bem sapeca. Getúlio, filho de outro Coronel, Benito, tão abastado quanto, tão encantado quanto qualquer outro, persuadiu o pai a oferecer ao rival político um dote milionário. E eis a força da lenda e da lei que cerca a lenda.
- Fura a menina do jeito que der que o velho obrigará ao casório e metade do que é deles será nosso.
O rapazola, disposto ao triunfo final, corrompera alguns peões do Coronel Andrada. Teria acesso ao quarto de Mirela. Sabia do risco, do perigo, mas se atreveria a ser o primeiro e único da mais bela que aquela terra nunca vira.
Quando Mirela chegou, desceu do trem e toda a cidade se aglomerara na estação.
- Ninguém levanta os olhos! – Gritava Coronel Andrada a um grupo enorme de pistoleiros. Preguem fogo em quem levantar as vistas.
Mirela desceu do vagão tendo o rosto coberto por um véu. Nem que alguém quisesse poderiam ver a formosura da sua face. Temerosos, mal levantavam as vistas. Só se sabia que estava de branco e alguns, de soslaio, ainda divisaram dos tornozelos até a cintura. Em um salto alto, grã-fino, com uma meia de seda branca, enxergaram até a ponta da saia que ia bem abaixo dos joelhos.
- Vestido feito em Paris!
Dali em diante, tudo foi mistério. Do vagão entrou logo em um Ford Tudor que o Coronel Andrada alugara a preço de ouro somente para transporte daquela preciosidade.
A partir da chegada de Mirela, Getúlio, não mais dormira de ansiedade. A par do risco, já teria aberta a passagem até o quarto de tão divina musa. Tudo foi feito em uma sexta-feira à noite.
O Coronel Benito mal dormira de tanta ansiedade. Soubera, no entanto, que algo dera errado. No dia seguinte, logo pela manhã, recebia uma carta ameaçadora do Coronel Andrada. Getúlio fora pego dentro do quarto de Mirela. Sendo, entretanto, filho de outro Coronel, urgia que se desse um rápido enlace matrimonial para abafar o escândalo. Ninguém ali queria uma guerra. Coronel Andrada propôs um pesado ¨dote¨, praticamente um resgate pelo filho do outro. Sem ação ou reação, coube ao pai de Getúlio aceitar os termos, afinal, a beleza de Mirela deveria compensar a desfeita e a desforra viria com seu filho sendo o varão que lhe daria herdeiros de dois reinos. O futuro da família estaria garantido.
O casamento foi marcado em menos de uma semana. Getúlio, trancafiado em um porão, somente viu o pai no dia da cerimônia. Estava visivelmente abatido e vestia um terno qualquer, tendo a mira de espingardas às costas. Mirela entrara na igreja com o rosto coberto. A cerimônia toda assim ocorrera. O noivo tremendo, a noiva com a beleza ainda oculta. O mistério somente foi feito ao final, após a troca do ¨sim¨ quase eterno, veio o ¨Pode beijar a noiva¨.
Um suspense correu no ar. Mirela seria vista, enfim, por todos. Ao levantar o véu, apesar dos quilos de maquiagem, não houve quem não se assustasse. Mirela tinha uma fisionomia bisonha. Um nariz suíno, olhos esbugalhados, lábios grotescos, quase que simiescos. As lágrimas rolaram pelos olhos de Getúlio. O pai quase teve um ataque dos nervos, enquanto o Coronel Andrada ria por dentro...
A lei é como uma cerca - quando é forte a gente passa por baixo; quando é fraca a gente passa por cima.
Coronel Chico Heráclito
- Ninguém olha!
Era a ordem dada pelo Coronel Andrada. Quem mirasse sua bela fila, Mirela, teria arrancado um dos olhos, ou seria chicoteado, quem sabe até pregado em cruz de madeira ou enterrado até o pescoço, para que as formigas o devorassem após ser besuntado com melado.
- Dizem que é linda de doer os olhos!
- Parece que de tão bonita, chegou a entortar as vistas de pretendentes da Capital!
- O Coronel já recusou peso de ouro, até um navio de prata, pela mão da moça!
A lenda crescia em torno da beleza mítica de Mirela. Furtada para proteção especial desde os 4 anos indo receber educação refinada na Capital Federal, naquela época o Rio de Janeiro, ninguém da região passava um dia sem ouvir uma frase sequer a respeito da beleza que tanto deveria encantar.
Dona Jaciara, uma das antigas anciãs, cuidara da pequena. Órfã no parto doloroso que arrancara a pobre mãe da terra. Foi babá até o dia da sua partida para que fosse afinada de tanta etiqueta e postura por professoras francesas. Vivia afirmando:
- Tinha olhos azuis e cabelos de palha. Parecia que um pedaço do sol brilhava sobre a sua cabeça!
E não era só aquilo:
- E a pele? Branca de leite. Uma maciez de encanto. Era como tocar no veludo do céu!
Não havia homem, novo ou já galo velho, que não quisesse botar o olhar sobre a formosura lendária de Mirela. Por todo o sertão já corriam histórias, causos, cordéis e romances. Tudo da cabeça do povo que acentua em mil o que vale dez.
Finda a educação, tendo alcançado os 16, era hora da menina voltar e passar algum tempo com o pai até que pretendente honrado aparecesse. Havia, no entanto, um bem sapeca. Getúlio, filho de outro Coronel, Benito, tão abastado quanto, tão encantado quanto qualquer outro, persuadiu o pai a oferecer ao rival político um dote milionário. E eis a força da lenda e da lei que cerca a lenda.
- Fura a menina do jeito que der que o velho obrigará ao casório e metade do que é deles será nosso.
O rapazola, disposto ao triunfo final, corrompera alguns peões do Coronel Andrada. Teria acesso ao quarto de Mirela. Sabia do risco, do perigo, mas se atreveria a ser o primeiro e único da mais bela que aquela terra nunca vira.
Quando Mirela chegou, desceu do trem e toda a cidade se aglomerara na estação.
- Ninguém levanta os olhos! – Gritava Coronel Andrada a um grupo enorme de pistoleiros. Preguem fogo em quem levantar as vistas.
Mirela desceu do vagão tendo o rosto coberto por um véu. Nem que alguém quisesse poderiam ver a formosura da sua face. Temerosos, mal levantavam as vistas. Só se sabia que estava de branco e alguns, de soslaio, ainda divisaram dos tornozelos até a cintura. Em um salto alto, grã-fino, com uma meia de seda branca, enxergaram até a ponta da saia que ia bem abaixo dos joelhos.
- Vestido feito em Paris!
Dali em diante, tudo foi mistério. Do vagão entrou logo em um Ford Tudor que o Coronel Andrada alugara a preço de ouro somente para transporte daquela preciosidade.
A partir da chegada de Mirela, Getúlio, não mais dormira de ansiedade. A par do risco, já teria aberta a passagem até o quarto de tão divina musa. Tudo foi feito em uma sexta-feira à noite.
O Coronel Benito mal dormira de tanta ansiedade. Soubera, no entanto, que algo dera errado. No dia seguinte, logo pela manhã, recebia uma carta ameaçadora do Coronel Andrada. Getúlio fora pego dentro do quarto de Mirela. Sendo, entretanto, filho de outro Coronel, urgia que se desse um rápido enlace matrimonial para abafar o escândalo. Ninguém ali queria uma guerra. Coronel Andrada propôs um pesado ¨dote¨, praticamente um resgate pelo filho do outro. Sem ação ou reação, coube ao pai de Getúlio aceitar os termos, afinal, a beleza de Mirela deveria compensar a desfeita e a desforra viria com seu filho sendo o varão que lhe daria herdeiros de dois reinos. O futuro da família estaria garantido.
O casamento foi marcado em menos de uma semana. Getúlio, trancafiado em um porão, somente viu o pai no dia da cerimônia. Estava visivelmente abatido e vestia um terno qualquer, tendo a mira de espingardas às costas. Mirela entrara na igreja com o rosto coberto. A cerimônia toda assim ocorrera. O noivo tremendo, a noiva com a beleza ainda oculta. O mistério somente foi feito ao final, após a troca do ¨sim¨ quase eterno, veio o ¨Pode beijar a noiva¨.
Um suspense correu no ar. Mirela seria vista, enfim, por todos. Ao levantar o véu, apesar dos quilos de maquiagem, não houve quem não se assustasse. Mirela tinha uma fisionomia bisonha. Um nariz suíno, olhos esbugalhados, lábios grotescos, quase que simiescos. As lágrimas rolaram pelos olhos de Getúlio. O pai quase teve um ataque dos nervos, enquanto o Coronel Andrada ria por dentro...