Um amigo de penas...

Com onze anos de idade, além da escola, ele fazia o curso de admissão, para ingressar no antigo ginasial. Já tinha uma responsabilidade maior com os estudos e mesmo assim, suas obrigações continuavam as mesmas e seu mundo de sonhos, começava ter outro sentido.

Seu único companheiro de quintal, na chácara, era um galo índio que ele cuidava como fosse um animal de estimação. Era um galo novo, todo emplumado, de cores vivas, crista vermelha, corpo magrela, e como todo galo índio, era de briga. Nesta época, era normal "criadores de galos" participarem de brigas em rinhas de galos. As lutas era disputadas, para apresentar melhor galo de briga, por melhores criadores de vencedores.

Seus tios tinham galos de briga e seus primos sempre levavam seus galos, para brigar com o Jorge, esse era o nome do galo do garoto, mas o jovem galo de nome Jorge só apanhava e muito. Sempre machucado, o garoto fazia todos curativos necessários. Caprichava sempre nos alimentos, muito milho, couve picada e frutas, o Jorge gostava de banana. Sempre que o garoto chegava da escola, o galo que vivia solto no quintal, corria até ele. Enquanto o garoto fazia seus afazeres na chácara, lá estava o Jorge, sempre ao seu lado. De tanto apanhar nas brigas, o galo foi encorpando, perdeu sua crista, suas plumagens já eram "bem menos", suas esporas ficaram grandes e fortes, e começava dar a volta no jogo, suas vitórias nas brigas já eram tão frequentes, que ninguém queria levar seus galos para brigar com Jorge, ele ganhava todas. Até Jorge sabia disso, e ficava cada vez mais confiante e imponente, era o rei do galinheiro, literalmente.

Sabendo de sua fama, que "correu rápida" pela vizinhança, de galo imbatível, seu tio, irmão de seu pai, pediu para o garoto, que emprestasse o galo para uma apresentação em uma rinha da cidade. Foi por intermédio de seu tio, que seu pai ficou sabendo que seu filho tinha um galo de briga famoso; criava-o mais como um animal de estimação. O garoto permitiu, e seu tio levou o galo a tal rinha. Foi um sucesso; o Jorge ganhou do galo mais famoso, de um grande criador de galos índios da região. O tio elogiou muito o garoto ao pai: como garoto treinava o galo, como o tratava; a alimentação correta do galo. Era melhor que muitos criadores que viviam disso.

No fundo o garoto esperava alguma palavra de elogio do pai, mas não só o de sempre. "Que ele ao invés de trabalhar na chácara, ficava perdendo tempo com galo de briga, que futuro tem isso?"

O garoto deu continuidade a sua vida, não quis mais lutas com seu galo, cuidou de todas feridas da ave, e voltou ao ritmo normal de todos os dias: à noitinha prendia seus galo no galinheiro, ia para dentro de sua casa jantar, ler seus gibis e dormir, pois de manhã tinha escola.

De manhã acordou, tomou café colocou seu uniforme escolar, foi até o galinheiro e soltou o galo para exercício, Jorge gostava de correr solto no quintal e foi para escola. Depois de estudar, voltou para casa, como de costume, antes de entrar, foi até o quintal ver seu galo, o grande herói das lutas, agora aposentado, o Jorge. Mas para sua preocupação, não o encontrou, chamou pelo nome, procurou no pomar, nas plantações, no galinheiro, todas as galinhas, galos caipira, garnisé, estavam lá, menos o Jorge. Quando sua mãe o viu no quintal, chamou-o para se trocar e almoçar, muito triste se trocou, lavou as mãos, e foi a mesa do almoço onde todos já estavam sentados só esperando o garoto, o ambiente estava estranho, seu pai e sua mãe sorrindo, até que sua mãe, sarcasticamente, comentou levantando a tampa de uma panela grande:

- Fiz um galo especial para você.

Era o Jorge, seu companheiro, o campeão. Ela tirou uma coxa da panela e serviu em seu prato junto com outros alimentos, mandando que comesse tudo. O garoto chorando em silêncio foi obrigado a degustar aquele almoço e que jamais iria esquecer daquilo. Daquele dia em diante, ele nunca mais quis um animal de estimação...

"Quanto mais lidamos com monstros, mais chances

teremos de tornarmo-nos monstros" ( Tempos de hoje ).

Novaes Viva Mocidade
Enviado por Novaes Viva Mocidade em 20/04/2016
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