920-EU TAMBÉM NÃO TE MATO -

EU TAMBÉM NÃO TE MATO

Estávamos os dois saboreando o chope do Pinguim, o melhor de todo o interior do estado, bem “tirado” por profissional, com o colarinho na medida certa sobre a dourada bebida brilhando de tão gelada.

O calor lá fora era típico da cidade: Ribeirão Preto, famosa também (além do calor) por boas faculdades e notáveis hospitais, onde competentes médicos realizavam milagres, como diziam.

Conversa vai, conversa vem, o assunto foi derivando para o passado, para nossos tempos de estudantes, para os fatos pitorescos e engraçados, ou trágicos e traumáticos.

Carvalho e eu fomos colegas desde o curso de admissão ao ginásio, passando pelo ginasial propriamente dito, e pela escola de comércio. E depois, como nossas esposas eram primas, a amizade continuou tempo afora.

— A figura mais marcante de minha passagem pelo ginásio foi a do Irmão Frans. —Eu disse. — Não pela sabedoria nem pela pedagogia, mas por sua robustez. Como professor, era medíocre, mas para fazer trabalho pesado...

— Franz, realmente era uma figura ímpar. — Carvalho continuou meu pensamento. — Acho que sua força maior estava nos braços, que no cérebro.

Dei uma bicadinha no chope e disse:

— Sozinho, durante um período de férias, ele jogou esterco de curral em todo o campo de futebol “dos maiores”, o oficial. Eu o vi puxando uma carroça cheia de esterco a fim de levar pro campo.

— Você se lembra, ele lecionava muitas matérias no primeiro ano do ginásio, mas era fraco em todas. Em religião, nem se fala. — Carvalho, que tinha boa memória ia rememorando.

Continuei o papo:

— E as gafes e as impropriedades que dizia... Não tinham conta.

— Se fosse descrever o elenco de causos que o tinha como protagonista, seria papo pra mais de metro.

Carvalho fez uma pausa, tomamos mais um gole de chope e ele prosseguiu:

— Um deles, que ficou bem marcado, foi durante uma aula de religião, realizada na Capela do ginásio, quando ele falava sobre as ameaças de apedrejamento na Maria Madalena. A certa altura, ele disse que ela foi agradecê-lo por tê-la salvo, então Jesus disse:

—"Maria Madalena, ninguém te matou?

—“Não, Senhor”.

—“Então vai, porque eu também não te mato".

A molecada caiu na risada. O João de Deus fez um estardalhaço tal, que foi expulso da Capela.

E por aí fomos lembrando e relembrando os tempos de ginásio e principalmente do incrível Irmão Franz.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 29 de outubro de 2015.

Conto # 920 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS .

Outro conto do Irmão Franz: # 459 – Irmãos Franz, Pau para toda a obra.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 18/04/2016
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