OS DELICIOSOS ODORES E SABORES DA COZINHA DA VOVÓ.
OS DELICIOSOS ODORES E SABORES DA COZINHA DA VOVÓ:
Lembro-me ainda daquelas manhãs outonais, amenas, lá pela década de cinquenta, minha Vó a circular no velho galpão que servia de cozinha para a grande família de filhos, netos e noras; em sua magra elegância, denotava-se o porte esguio, semblante serio com certa severidade no olhar penetrante, emoldurando um rosto expressivo e sem rugas apesar dos seus setenta e tantos anos, olhos negros e brilhantes como estrelas a cintilar em noite sem lua.
Era um tempo de suavidades e bucólicas delicadezas; há que saudade! O feijão preto no grande panelão a exalar o cheiro peculiar com suas misturas de pezinho de porco, costelinha salgada e linguiça de vara, defumada no próprio local onde tudo era preparado na faina diária da matriarca daquela família, que tanto me encantava com seus cabelos brancos como neve, presos por um pequeno coque a lhe salientar a sobriedade do vestir dos seus trajes escuros e bem cortados que lhe destacavam a natural elegância.
O cotidiano era calmo e vagaroso, mas sempre repleto de novidades. Eu tinha uns oito anos, já frequentava o grupo escolar e dominava com certa facilidade a leitura e a escrita, sabia me expressar bem apesar da pouca idade e também por um talento natural era um observador precoce e muito interessado em história e histórias, embora pecasse quanto à matemática, talvez por malandragem mental quanto a cálculos e a raciocínios mais apurados, mas isso com o tempo foi diminuindo e o que aprendia com muito esforço dava para passar de anos no colégio sem maiores transtornos.
Minha primeira referencia feminina houvera sido minha irmã, após perda da minha mãe aos quatro meses de vida, esta por sua vez aos onze anos praticamente passou a ser a pessoa que a substituiu em todos os sentidos, dando-me carinho e cuidados na falta de nossa mãe.
Houve um tempo de afastamentos por circunstancias diversas que não vem ao caso mencionar, pois seria muito triste e doloroso e como este conto é de doces e cheirosas lembranças às mazelas ficaram fechadas no baú das memorias.
Como citara éramos uma família grande, com muitos irmãos, tios, primos, pessoas simples de diversas profissões e conhecimentos diversos, uns mais estudados outros nem tanto, mas no geral pessoas bem postas na vida com suas virtudes e defeitos como tantas outras famílias comuns deste nosso populoso e maravilhoso Pais tão cheio de contrastes, de culturas diversas, etnias, e principalmente um Pais de sonhos intermináveis num futuro melhor e grandioso.
Mas voltando aos cheiros e sabores lembro-me dos Natais e Anos
Novos; da época de Semana santa e Pascoa e tantas outras festividades onde a comilança campeava.
O Peru a ser embebedado as vésperas do Natal; algo que na minha meninice e até hoje não entendo muito bem, dizem que é para amaciar a carne; quem sabe. Os doces em quantidades fartas e de todos os tipos e sabores e tantas outras guloseimas que enchiam os olhos e despertavam a gulodice própria e natural na Piazada da casa.
No ano novo era um pouco diferente, esperava-se o passar do ano quase sempre com churrascada a moda Gaúcha e lembro-me que íamos até de manhã do dia primeiro naquelas comilanças.
Mas o que eu gostava mais era da semana santa, pois apesar dos dias que antecediam a Pascoa serem dias de reflexão e certa tristeza a espera pelo sábado de aleluia e o domingo de Pascoa era gratificante.
Normalmente comia-se carne de porco, morto pelo vovô Estevão, Castelhano de origem e afeito as lidas campeiras nos idos de sua mocidade, o prato principal era sempre Sarrabulho, (miúdos do porco temperado com bastante tempero verde e pimenta), uma iguaria que muitos não gostam por causa da aparência, pois era feito no sangue do suíno da mesma maneira que faziam a morcela ou morcilha; como queira denominar.
Um tempo de delicias onde as reuniões familiares estreitavam os laços humanos e os costumes renovados nestes dias festivos e alegres, principalmente para as crianças que em suas brincadeiras singelas criavam sonhos em suas mentes em desenvolvimento sadio onde a criatividade era uma mistura de energia a explodir naquela vida simples e totalmente integrada à natureza onde a malicia das modernidades ainda não se fazia presente.
Mas voltando ao inicio da narrativa; o mais expressivo nas minhas lembranças eram os odores e sabores peculiares das guloseimas que vovó stael preparava com tanto zelo e carinho.
O Pão caseiro e a broa de milho eram sem dúvida os mais significativos, pois eram feitos amiúde e naquelas tardes, principalmente no inverno rigoroso do sul, enchiam o velho galpão que servia de cozinha, com o cheiro delicioso a abrir o apetite, acompanhados sempre com generosas canecas de café com leite esfumaçam-te que aqueciam não apenas o estomago, mas a própria alma dos viventes.
Assim vivíamos aquelas simplicidades sem mesmo nos darmos conta que um dia a saudade daqueles tempos seriam tão fortes e presentes. Mas como dizia minha vó do alto de sua vivida sabedoria; (não a bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe). O tempo passou, as pessoas passaram, os costumes mudaram, enfim a vida é dinâmica e surpreendente e o importante são as lembranças que ficam que o tempo não apaga, pois foram lembranças envoltas em relações de amores construídos na simplicidade dos momentos de ternuras vividos plenamente.
Valmirolino.