O HOMEM LOBO

Era época de quaresma. Histórias contadas de que existia um homem que se transformava em lobo, ou seja, em lobisomem, uma personagem folclórica brasileira.

Naquela tarde, eu e mais dois amigos fomos pescar em um riacho, perto do sítio de meu pai. No mês de março, alguma chuva forte caia e sujava as águas do pequeno riacho, convidando para uma ótima pescaria. Gostávamos de pescar o lambari, a cambeva e o bagre. Era festa para nós.

Pegamos as minhocas e as pusemos em uma latinha, o embornal para guardarmos os peixes, um vidro de água, uma boa lanterna, além de calçarmos as botinas e vestirmos calças grossas, com medo de cobra.

Saímos e fomos diretos para o riacho. No caminho, passamos por uma casa velha, meio abandona, mas restava ainda um senhor bastante idoso, que perdera sua esposa e o único filho do casamento. Já idoso, muito triste, vestia-se um paletó preto, calça arregaçada, calçava uma bota, da qual nós apelidamos esta bota de “sete léguas”, uma barba branca, muito grande, e os cabelos longos, pretos e brancos, e um chapéu preto, muito amaçado. Seu nome era Pedro, mas carinhosamente conhecido por Pedro do Correia.

Ele estava sentado, junto à porta da sala. Como cidadãos educados, nós o cumprimentamos e dissemos que íamos pescar no riacho. Ele, abanando a mão, cumprimentou-nos e desejou que tivéssemos sucesso em nossa pescaria. Fomos cantando, gritando, rindo, jogando pedrinhas uns aos outros, enfim, brincadeira de criança.

Chegamos ao riacho. A pescaria estava ótima. A água estava suja e mal jogamos os anzóis já começados a tirar os bagres e as cambevas. Pescamos mais ou menos trinta peixes. No fundo da mata, as jacutingas e os pássaros começavam a cantar, fazendo seus pousos para se acolherem na noite. A noite estava quente, mas algumas nuvens negras apareciam e anunciavam chuva. Relâmpagos, trovões e ventos começavam a anunciar uma grande tempestade. Ficamos atônicos, mas lembramos que os peixes pegos já dariam para um bom jantar. Juntamos tudo e saímos correndo.

Na mesma velocidade que corríamos, os pingos da chuva caiam fortes e chegamos justamente à casa do Sr. Pedro Correia. Não deu outra. Com sua voz mansa, ele nos disse:

- Meus filhos, venham se esconder aqui em casa. A chuva será forte e não dará tempo suficiente para chegarem em casa. Venham.

Chegamos, entramos e sentamos até que a chuva passasse.

Com a noite chegando rápido, a tempestade forte, cheia de raios e trovões, o Sr. Pedro Correia tinha apenas uma luz de lamparina, muito fraca, porque a casa ficava mais escura do que clara. Convidou-nos para jantar, mas não aceitamos. Então, ofereceu-nos uma xícara de café, com pedaço de queijo. Aceitamos e comemos. Estavam deliciosos, que ousamos a repetir algumas vezes. Comemos o queijo todo e ali permanecíamos e aguardávamos a passagem da chuva.

O tempo passou. Muitos trovões, muita água. A noite escura e o vento forte, várias vezes, fizeram com que a lamparina apagasse, mas estávamos atentos a tudo, a não ser quando falei para meus amigos que aquele lugar que estávamos era assombrado. A esposa do Sr. Pedro havia falecido naquele lugar e de vez em quando aparecia até ele para contar da vida do outro mundo. Sentava-se com ele e os dois conversavam por um bom tempo. Marcos, meu amigo, me disse:

- Quando ela aparecesse, ele precisa virar lobisomem para conversar com ela.

Júlio, outro companheiro nosso, disse:

- Vamos ficar atentos, porque quando ele vira lobisomem, gosta de pegar as crianças. Já somos grandes, ele pega e põe dentro daquela caixa em nossa frente. Depois come um por um, em sete dias diferentes. Eu não quero ser comido por lobisomem.

O medo passou por nossas cabeças. A cada som de trovão, a cada rajada de vento, o pesadelo vinha em nossa volta. Será que o Sr. Pedro é lobisomem...

Estávamos com medo e mais medo ficamos quando Júlio disse:

- Lembrem-se disto que lhes digo. Meu pai disse que a transformação de um homem em lobisomem é simples. Ele começa a tossir, a espirrar e um raio bate em seu corpo. Quando olhamos, ele já está transformado em lobisomem. Talvez a mulher dele venha em figura de mula sem cabeça. Será o nosso fim. Como vou chegar em casa e como vou falar para meus pais.

De olhos arregalados, prontos para correr, estávamos nós.

Em um dado momento, não sei ao certo, Seu Pedro começou a tossir e a espirrar. Um forte clarão de um relâmpago brilhou na sala onde estávamos e clareando seu Pedro, dando a impressão que seus cabelos foram para cima, mas era o movimento que ele estava espirrando, seus olhos brilhavam, a tosse era mais intensa, alguma coisa caiu na cozinha ou gato derrubou a panela, com sucessão de barulho.

Júlio levantou, pegou-nos pelos braços e disse:

- É agora ou nunca. Ele esta virando o lobisomem e sua mulher está vindo. Ouviram o barulho na cozinha. Ela está pegando a faca e nós seremos o jantar deles. Pernas para quem quer. Vamos, vamos...

Em gritos, saímos correndo. Para trás ficaram nossos lindos e preciosos peixes, nossas lanternas e latinha de minhoca.

Chegamos em casa muito assustados e contamos para meu pai o acontecido. Ele sorriu e no outro dia, estava lá seu Pedro com os peixes limpos, fritos e preocupado porque saímos correndo.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 08/02/2016
Reeditado em 25/03/2018
Código do texto: T5537473
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