Réveillon de polaco
 

Certo réveillon fui parar na casa do Boleslau. Um polaco alegre, festeiro, boa gente, carpinteiro de mão-cheia.
 
Cachaça e cerveja à vontade. Gasosa de limão, framboesa e abacaxi. Comida da boa para ninguém botar defeito na qualidade, variedade e quantidade. Música de sanfona. Dançava quem queria. Moço, moça, velho, velha, criança. Compadre com comadre.
 
Tudo ia muito bem, conforme o Boles planejara. Entretanto, perto da meia-noite ele se deu conta de que não tinha comprado os indispensáveis fogos para saudar o novo ano. Não se aborreceu. Foi até o quarto e retornou com um baita revólver, cano longo, e uma caixa de balas. Colocou seis projéteis no tambor e deixou a arma descansando sobre a cristaleira da sala, fora do foco e alcance dos menores.
 
Com os ponteiros do relógio na parede bem próximos de se encontrarem no alto do mostrador, a turma começou a se preparar para os brindes, saudações, abraços de praxe. O gaiteiro interrompeu o baile e pousou cuidadosamente o acordeão no assento de palhinha da cadeira. A criançada se alvoroçou.
 
Assim que o cuco apareceu na portinhola, para anunciar a hora, o Boles apanhou o três-oitão e foi até a janela aberta. Esticou o braço direito para fora e para o alto, e disparou seis vezes sucessivamente. 

 

Bam! Bam! Bam! Bam! Bam! Bam!

 
Dado o estado de euforia em que se encontrava, o polaco nem se lembrou de que entre seu braço estendido e o céu havia o beiral de forro paulista que circundava a casa. As balas atravessavam a madeira fina de pinho e completavam a festa estilhaçando as telhas logo acima, sem que ele notasse. 

 

Tum! Crash! Tum! Crash! Tum! Crash! Tum! Crash! Tum! Crash! Tum! Crash!

 
O pessoal mais próximo se entreolhava sem entender muito bem o triplo som dos tiros do revólver do Boles. Contudo, a cada estampido todos comemoravam festivamente com ele o ano-novo.

 

Bam! Tum! Crash! Bam! Tum! Crash! Bam! Tum! Crash! Bam! Tum! Crash! Bam! Tum! Crash! Bam! Tum! Crash! 


Muitos risos, cumprimentos, votos, desejos e promessas. O sanfoneiro voltou a pegar o instrumento e o baile continuou ainda mais animado, sem tempo para acabar. O beiral, o próprio anfitrião consertaria num dia de folga.


_______

N. do A. 1 - Na ilustração, Casa Polaca de Vivian Vidal (Rio de Janeiro - Curitiba, 2015).

N. do A. 2 - Este conto faz parte da antologia do III Concurso Literário Cidade de Paranaguá (2016).

João Carlos Hey
Enviado por João Carlos Hey em 08/02/2016
Reeditado em 31/12/2021
Código do texto: T5536998
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.