A cidade de ViraeVolta
Lá pelos idos de nem sei quando, em uma cidadezinha que acredito hoje nem mais existir, tudo era pacato, era muito parado e só o vento a fazia correr; mas nem isto acontecia muito, naquele rincão esquecido nem o vento gostava de fazer curva, a serra escondia aquele pedaço de sertão e sua humilde população.
Era um povoado muito simples, com algumas dezenas de habitantes apenas, não sei se lá moravam, ou se escondiam, mas felizes com certeza viviam.
A cidade se chamava ViraeVolta, talvez uma ironia do destino, nunca se sabe, apesar de um povo acolhedor, nunca alguém ficava lá muito tempo... o nome do município talvez tivesse influência, todos que lá chegavam, não demoravam e já viravam e voltavam por onde entravam.
Vamos tentar conhecer um pouco melhor de ViraeVolta antes de julgar nosso simples e aconchegante povoado. Era uma cidade pequena, como já comentamos, mas tinha muitas modernidades, ela possuía apenas algumas ruas em quadriculado os quarteirões formados, a via central que não por um acaso era a mesma por onde se chegava na vila era uma avenida até possuía asfalto e canteiro central, não sei se tudo isto era para chamar a atenção ou se foi para explicar investimentos, lá quando o governador estivera em uma época passada, a avenida era muito adorada por toda a população, logo na entrada da cidade havia uma grande placa com os dizeres “Seja muito bem vindo: ViraeVolta”, alguns riam e diziam que a placa já expulsava quem ali chegava, no entanto já outros contavam que faltou tinta quando foram escrevê-la e que o texto original seria “Seja muito bem-vindo a ViraeVolta, sinta-se em casa!”.
As demais ruas não possuíam ainda o asfalto, ele era somente vantagem da avenida, as outras possuíam um chão de terra batida, quando não de terra curtida e que nem areia vingava.
Na cidade havia alguns poucos comércios, que faziam a conta da sua população.
Tinha a vendinha do “Seu” Joaquim, um senhorzinho muito teimoso e que vivia querendo criar histórias, casos e desejava na cidade novidades implantar, queria ser político, infelizmente nem o apoio de sua família conseguia. A venda não era somente seu ganha pão, era também sua forma de interação, de conversar com todos os demais, afinal de contas todos vinham a até ele, ele não precisava ir até ninguém para prosear.
Tinha também a padaria do “Seu” Manoel, mais conhecido como seu Mané, engraçado que quase sempre definem como português a todos que chamam Manoel, ele se dizia ser legítimo da terrinha, alguns acreditavam, mas sua aparência muito diferenciava e se enganava quem acreditava.
Tinha a barbearia do “Seu” Tinô, nem sei dizer como era o nome dele, todos o chamavam assim e se ele um dia teve um nome, com certeza nem ele mais lembrava, talvez somente quando sua identidade ele olhava é que ele se recordava.
A lojinha popular era da dona Vandicléia, mulher mudada, nasceu em ViraeVolta, mas foi para a cidade grande estudar, voltou por causa dos pais e lá uma lojinha resolveu montar, como o movimento era fraco, resolveu um salão e manicure também agregar, ela sozinha conseguia fazer tudo, não tinha funcionária, atendia uma e a outra também, quando é claro mais de uma cliente na loja resolvia entrar, as mulheres do povoado ao frequentarem a loja se sentiam modernas e da cidade, espelhavam-se em dona Vandi como ela preferia assim ser chamada.
E por fim a farmácia do “Seu” Luiz finalizava o comércio da pequena cidade, era uma farmácia onde tudo se tinha e de tudo se encontrava, lá também era correspondente bancário, servia como correio por mais incrível que possa parecer, era o comércio mais antigo, então era muito afamado. Seu Luiz servia de farmacêutico, apesar de que para isto nunca ter estudado, de enfermeiro, benzedeiro, médico e tudo de que na cidade se precisava.
A igreja era bonita, tinha uma única torre, uma meia dúzia de bancos que só no dia da procissão ficava lotada, todo final de semana os fiéis a frequentavam, mas como o número era pequeno se dividiam e sempre lugar sobrava. As mocinhas felizes lá iam buscar de um par encontrar, no meio das mães que queriam que prestassem atenção ficavam ao redor sempre a olhar.
A prefeitura era o último ponto a que muitos empregava, o prefeito também era o carcereiro, delegado, juiz e vereador lá quase nem ficava.
Não havia uma escola decerto, as crianças aprendiam com seus pais as poucas letras, mas na verdade aprendiam na enxada logo cedo pegar.
Esta era ViraeVolta, uma cidade no meio do nada. Que por um acaso do destino quase nem no mapa se situava.
Mas um dia uma revolução a esta população acabou por encontrar; uma praga de percevejos ali resolveu se instalar, era um coça, coça sem parar. Parecia mais uma dança, um grande bailar, ninguém conseguia ficar quieto, era um tal de ir para lá e para cá...
Todos na cidade se puseram a tentar se cuidar, mas quando descobriram a infestação já era tarde demais, nas camas, cortinas, roupas, tapetes, um percevejo ao menos fazia seu reino e ali sua casa fazia implantar, foi uma matança de bichos, todos tentando melhorar, muitas e muitas picadas, corpos totalmente modificados onde não se viam resultados e nem com os percevejos acabar.
Foi muito trabalho para o seu Luiz, que iniciou multirão de devastação da praga, juntou com seu Joaquim, seu Manoel, seu Tinô, dona Vandi, o prefeito e até mesmo o padre que mal lá ficava resolveram uma frente de trabalho criar, conscientização da população como nunca se viu, ViraeVolta se uniu para com este inseto acabar, de tudo todos faziam, desde prevenção, precaução, correção e até mesmo em todas formas ao percevejo atacar. Deu dó de dona Vandi, uma parte do seu estoque acabou por depois ter que vender como roupa de segunda mão, já que tudo pôs a lavar, sugar, secar para aos exploradores atacar.
As famílias diante da urgência cuidados passaram a utilizar, todos unidos e reunidos com na dificuldade depois de um bom tempo enfim conseguiram se livrar, muito se perdeu é claro, mas com a infestação conseguiram detonar.
Ninguém sabe de onde veio, mas com eles ninguém queria ficar.
Foi de extrema tristeza que o único turista que a placa não conseguiu afastar, foi um pequeno insetinho que toda cidade se pôs a coçar, foi difícil, mas se foram, com muitos prejuízos, mostraram força e determinação.
ViraeVolta, uma cidade guerreira que não sei se ainda existe no mapa, não sei se ainda sobrevive, mas que ao menos uma vez na vida fez história e que história, mais para drama ou talvez pastelão, a infestação de percevejos que nela um grande baile resolveu criar. Coça, coça e coça, credo!
Publicação original: "Quem vai pegar o morto?" - Fevereiro de 2016
http://www.camarabrasileira.com/pm15-010.html