Cabos

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Cabos

Durtanhan, desde muito jovem, teve problemas com cabos. Aos dezoito anos, quando ingressou no Exército, como recruta, quase cometeu crime militar. Durante instrução na torre, o capitão gritou “Jogue o cabo, 062!”. O recruta, sem titubear, segurou o Cabo Minguasco pela manga da gandola e sentenciou: “Sinto muito, seu Cabo, mas o capitão quer que eu jogue o senhor lá embaixo...”.

Se Vasco da Gama tivesse navegado com Durtanhan, talvez não tivesse chegado ao Cabo da Boa Esperança – não nas condições em que chegou. Talvez nem o Vasco da Gama, o time criado no final do século XIX, por remadores cariocas, existisse. Conseguem imaginar um mundo sem Eurico Miranda? Cabo e Vasco das Tormentas... A Cruz de Malta foi um erro. Aliás, possui dois erros: heráldico e histórico. A cruz que o Vasco carrega é a Cruz Pátea – alguma coincidência com a Gávea, sede do arquirrival? Dizem, ainda, os historiadores, que essa cruz nada tem a ver com nossos irmãos portugueses de além-mar. O que importa, na realidade, é que o Vasco da Gama continua navegando, na segunda onda. Durtanhan também. O militar, depois de doze longos anos ‘mascando hora’ como soldado, foi promovido à segunda graduação. Agora, Durtanhan é Cabo, o Cabo Durtanhan.

Fazendo jus ao carma ‘cabal’, a promoção de Durtanhan não foi plena de alegrias, mas enxertada por discreta intempérie, conturbando a calmaria, que exigiu do militar tirocínio para responder a uma pergunta, de supetão. Vamos aos fatos.

Depois da cerimônia, Durtanhan se aproximou dos familiares e exibiu as duas ‘lapas’ de cabo, recém-colocadas pela madrinha de formatura. A farda, nova e reluzente, chamava a atenção. A mãe de Durtanhan se aproxima do filho e, curiosa, questiona-o:

– Meu filho, o que muda agora que você é cabo?

Durtanhan respirou profundamente, tentou disfarçar o embaraço – nunca tinha pensado sobre o assunto. Olhou dentro dos olhos da mãe, da esposa, dos filhos... De repente, voltando-se para os três pelotões de soldados em forma, num total de noventa homens, lançou a resposta:

– Mãe, a senhora está vendo todos aqueles soldados ali?

– Sim, meu filho, claro!

– Pois é, mãe! A partir de hoje, todos eles me chamarão de senhor!

Nijair Araújo Pinto

Fortaleza-CE, 17 de janeiro de 2016.

12h23min

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Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 17/01/2016
Reeditado em 17/01/2016
Código do texto: T5513989
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