Ela veio me buscar
Estava tudo nublado demais, eu não via quase nada. Ouvi barulho dos trovões, o vento forte. Nossa! Como desejei que ele me levasse! Uma luz piscava perto de mim. Eram as luzes do carro, agora capotado. Eu estava jogado na rua, longe demais de todo mundo, olhando um céu em que nada via, sentindo um vento forte demais. Era tudo bonito, para falar a verdade. Era bonito, porque eu sentia a presença da morte. Eu sentia o medo, e ele perfurava meu peito. Era tudo silencioso por fora, barulhento demais aqui dentro. A orquestra da minha mente tocava o mais alto possível. O chão estava frio, molhado, eu não sabia do que. As luzes do carro piscavam e apagavam. Parecia que as batidas do meu coração estavam de acordo. Não me preocupava com nada. Naquele momento, não pensei em Suzen, minha delicada irmã, no banco de passageiro. Nem em Mattos, nem mesmo em Laura. Não pensei, simplesmente fiquei ali no chão, sem saber como me mexer. Desaprendi a falar, a me mover. Por um segundo, pensei em quanto tempo demoraria até o carro explodir. Pensei nos corpos queimando, e as chamas refletindo em meus olhos. Pensei em muitas coisas, mas do nada tudo começou a ficar escuro e se fechar ao meu redor. Fui para o escuro, para sempre. Não ouve a chama vermelha, só ouve escuridão. Não foram eles que alcançaram a morte, foi eu. Tudo ficou escuro, imóvel, eu não estava mais no chão da rua, e as luzes do carro capotado não piscavam mais. Eu havia ido, para sempre. Não tive medo da morte. Ela veio, com seu véu cobrindo-lhe o rosto. E, quando sorriu, foi o sorriso mais belo que vi. Fui, segurando em sua mão, rumo a escuridão em que ela vivia.