Antes, os medos
Antes, quando pequena, eu tinha medo do escuro. Diziam que não havia nada lá, mas toda noite eu sentia que tinha, e fechava meus olhos com toda força possível.
Antes, quando pequena, tinha medo das nuvens escuras, do silêncio, da minha sombra. Eram medos bobos, simples, mas eram meus, e eles fizeram parte de mim.
Antes, quando pequena, mas não tanto assim, eu tinha medo de borboletas. Eram seres que não causariam danos algum, mas toda vez que via uma, corria.
Antes, com 10 anos, passei a ter medo de ladrão. Foi estranho, quando parei para pensar e percebi que eu tinha medo de algo humano. Humanos que prejudicavam outros humanos. Que mundo louco.
Antes, com 12 anos, passei a ter medo de lembranças. Não faz sentido ter medo de algo que existe em nós, entretanto minha cabeça sempre estava lotada de memórias, e eu tinha medo da maior parte delas.
Antes, com 22, passei a ter medo da morte. O tempo da juventude havia passado, o tempo das aventuras, e eu tinha medo de morrer sem conseguir fazer algo grandioso.
Com mais de 30, tendo um emprego ruim, fazendo uma faculdade ruim, não tendo ninguém, passei a ter medo de ser feliz. Foi assim, do nada, sentia um frio na barriga toda vez que via que algo poderia ser novamente bom. Não fiz nada para me livrar desse medo, me acomodei.
Hoje, aos 80 anos, penso nos meus anos de vida. O tempo todo tendo medo de algo, como se eu precisasse ter medo para sobreviver. A vida inteira tendo medo de arriscar, de mudar, de fazer a palavra "viver" ter um sentido bom.
Hoje, inválida, me sinto um pouco melhor, pois é meu primeiro ano que não sinto medo. Aconteça o que acontecer, não vou me permitir ter medo de algo. A parte ruim é que é uma pena ter conseguido mudar quando a morte já está vindo.