A MULHER DO ELIZEU

A MULHER DO ELIZEU - por Olavo Nascimento (03/01/2016)

A mulher do Elizeu, um ex-vizinho meu não era fácil não. Pelo menos pra ele. Moça tímida, retraída e esguia, escondia de dia o que não deixava o marido esconder à noite. Moça recatada e com olhar desconfiado, foi trazida por Elizeu do roçado nordestino, após ser obrigado a se casar pelo pai da moça, simplesmente por causa de um beijo roubado e despretensioso.

O "velho coronel" Belisário Barata, o manda-chuva da fazendola, pegou os dois no amaço atrás do celeiro e não perdeu tempo. Levou-os no dia seguinte ao Cartório e obrigou, com a peixeira na cintura, o Dr. Juiz de Direito a casar os dois de papel passado. Ainda virgem aos trinta anos, o "coroné" não viu melhor momento para desencalhar a filha, o que ele vinha tentando sem sucesso há muito tempo.

Elizeu estava a serviço na cidadezinha para fechar contratos de fornecimento de cana-de-açúcar para a usina que trabalhava na cidade do Rio de Janeiro e foi pego como otário naquela armação de pai e filha. O rapaz havia chegado ao pequeno vilarejo há três dias e, após se enrabichar com outras raparigas libidinosas na casa dos prazeres do lugar, o pobre coitado foi se envolver logo com a Maria Aparecida Barata, a Cedinha Baratinha, como ficou conhecida a moça algum tempo depois de estar morando com ele naquela rua do subúrbio na cidade maravilhosa.

Elizeu já estava pronto para retornar no dia seguinte e nunca poderia imaginar que voltaria casado com uma mulher sem graça e sem qualquer atrativo. Não tinha frente nem verso, quase não falava e, com certeza, era por isso que ainda continuava virgem após tanto tempo. E foi assim então, por causa de um beijo trocado depois de uma bebedeira que lhe deixou cego e alegre demais, que Elizeu entrou numa fria e foi intimado pelo pai da moça a abrir os seus caminhos de mulher.

A noite de núpcias foi uma tragédia, por não dizer uma comédia. A moça insistia, se insinuava, se despia e se chegava para o marido que fugia daquele contato tão esquisito e indesejado, a ponto dela começar a gritar pelo quarto como se fosse o ganido de uma cadela. Os gritos ecoaram pela fazendola, chamaram a atenção de jagunços, empregados e provocando comentários como "a Cedinha está gritando de prazer", "está vendo o que sempre quis", "deve estar enferrujada" ou "o parafuso não entra e fica emperrado". Mas a moça berrava mesmo era de louca de raiva que estava por tamanha rejeição e só conseguiu ser penetrada quando ameaçou chamar e se queixar ao "coroné", dizendo que em casos assim na cidadezinha, geralmente o homem leva um cutelo e tem o pinto separado do saco.

E aquela noite foi a única e a última vez que Cedinha resolveu ceder a "baratinha" para Elizeu. Ela jurou nunca mais se oferecer pra ele e muito menos aceitar qualquer investida daquele homem que lhe rejeitou e lhe magoou nos instantes mais sublimes da sua vida que era a sua noite da lua de mel. Mas, mesmo assim, foi obrigada pelo pai, a acompanhar o marido aonde ele fosse. E o "coronel" fez mais: comprou e mobiliou uma casa no bairro de Higienópolis, na zona norte carioca e mandou os dois pra lá dez dias depois. O velho Belisário ainda prometeu uma boa mesada para a filha, recomendando ao genro que providenciasse logo um neto homem para substituí-lo na fazenda. E disse mais: "Você agora é o dono da minha filha e não quero saber de nada que venha a me aborrecer por brigas ou maus tratos. Portanto, quero que você tenha muito cuidado e carinho por ela. Senão... você já sabe o que pode lhe acontecer. Ameaçou o homem da peixeira.

E foi assim que a vida de Elizeu deu uma guinada para baixo e virou alvo de chacotas, piadas e dedos apontados na rua em que morava. A moça, depois da abertura, ficou insaciável como qualquer fêmea no cio. Ela tinha desejos incontroláveis por sexo e, como havia jurado nunca mais transar com Elizeu, começou a procurar outros aconchegos sem mirar a quem. A sua ninfomania tornou-se insustentável, a ponto de não se importar com a hora, o momento, o tipo e a quantidade de homens que passaram a visitar sua cama. E por ser uma mulher feia e com poucos atrativos em busca de seus orgasmos, ela aceitava o que caía na sua rede. Quem viesse era muito bem recebido com senha para voltar.

Tudo começou com o carteiro após algum tempo de abstinência e virou um entra e sai da sua casa várias vezes por dia. O seu fogo estava incendiando suas entranhas, quando o mensageiro dos correios foi entregar uma carta do pai Belisário e ela pediu para abrí-la em domicílio. O cara gostou da boa acolhida nas primeiras horas do dia e passou a colar frequentemente o seu selo na carta da moça mesmo sem correspondências.

Daí em diante, com a nova experiência, o número de convidados para entrar em sua casa, só aumentou. O padeiro português que passava todas as manhãs de porta em porta, passou a fornecer a sua "bisnaga" fresquinha e quentinha que ela adorava pelo tamanho e formato do pão. O leiteiro deixava a carroça presa ao burrico na calçada e depositava o seu leite quase todos os dias. O caixeiro do armazém da esquina, também um dos premiados, recebia suas gorjetas pelas partes de baixo da moça e não por suas mãos na parte de cima. Não sobrava ninguém e até alguns rapazes que costumavam jogar futebol na rua, passaram a aproveitar dos prazeres gratuitos, a partir do momento que a bola caiu em seu terreno e ela mandou um deles ir buscá-la. Com isso, outras pelotas começaram a cair a toda hora em sua porta e vários gols foram marcados com outras bolas.

Independente do número de homens que visitavam a sua cama por dia, Cedinha Baratinha ficava cansada, mas nunca satisfeita, com exceção do agarramento de um deles: O Tibúrcio. Tibúrcio era o gari da rua e, por não poder abandonar o seu serviço, aceitou um dia, o convite da moça para passar em hora fora do seu expediente. Isso porque, num momento rápido de recolher o lixo em sua casa, o moço deixou saudades. Tibúrcio era um negão alto, forte, feio e desdentado tal qual o Tião Macalé dos Trapalhões, mas conseguiu tocar o ponto G da espevitada caipira. O negão pegava-a de jeito e conquistou a "baratinha" de vez, apesar dela não abandonar os outros visitantes.

O seu caso com Tibúrcio ficou mais sério quando ela alojava-o em sua casa nas viagens de Elizeu e ele conseguia satisfazê-la a todo o momento com uma energia de leão, impedindo assim outras visitas e deixando-a mais sossegada. Não era sempre, mas quando Tibúrcio estava não tinha homem que se aventurasse a se engraçar com a Baratinha em respeito ao porte e tamanho do negão.

Isso tudo vinha acontecendo sem Elizeu tocar a mão em Cedinha. Além dele não se interessar por ela, a moça não estava nem aí pra ele. Mas os moradores e fofoqueiras do lugar não sabiam da situação dos dois e Elizeu passou a ser conhecido como o "corno sabido da rua". E ninguém entendia como ele não descobria as deitadas da mulher, muito embora Elizeu estivesse pouco ligando para aquilo. Acontece que ele já sabia das estripulias da mulher há algum tempo através de amigos da rua e deixava rolar para que ela arranjasse outro homem mesmo e lhe deixasse livre de vez.

E isso veio a acontecer exatamente com o Tibúrcio, quando Baratinha ficou grávida e deixou Elizeu à vontade para devolver a mulher para o “coronel”. Enviou uma carta para o homem da peixeira, relatou as falcatruas e a barriga de sua filha e apelou para a honra manchada de um homem que se preza. E foi a honra ferida de Elizeu que pegou o “coronel” desprevenido e desarmado, porque honra era algo muito importante para um homem macho de verdade. E por causa da sua honra, Elizeu conseguiu dar a volta por cima e ficar livre de novo.

Nove meses depois, Cedinha deu à luz ao neto que o "coronel" Belisário tanto queria. Ela apareceu na fazendola do pai com Tibúrcio e a criança no colo, que se surpreendeu ao indagar: -- Mas por que o menino é tão escurinho? Não parece nem um pouco comigo! E quem é este negro que veio com você?

-- Este negro é o Tibúrcio e ele é o verdadeiro pai do seu neto, meu pai. Por isso ele é tão escurinho... Justificou a filha e emendou: -- O pai da criança não é o Elizeu, vou desfazer o casamento com ele e peço que o Tibúrcio seja aceito por você aqui na fazenda. Ao contrário do Elizeu, o Tibúrcio preencheu meus momentos vazios, nos entendemos muito bem e é com ele que vou viver daqui pra frente.

-- Mas que história é essa? Devolveu Belisário, continuando: -- Você se enrabichou por uma figura dessas e ainda vem com um negrinho para cá? O que você pensa que os vizinhos vão comentar? Que vergonha é essa agora minha filha? Não sei onde estou que não lhe dou uma surra!

-- Êpa! Isso não! Reagiu Tibúrcio com o seu vozeirão olhando de cima parta baixo o atarracado velho da peixeira. E completou: -- Ninguém vai levantar a mão para a minha querida Baratinha, nem mesmo o senhor. E outra coisa: respeite-me para ser respeitado como deve ser o pai da minha mulher.

-- O que você está pensando seu fio desencapado? Você está na minha fazenda e aqui mando eu! Retrucou Belisário, ameaçando-o com a peixeira.

Tibúrcio se irritou, avançou pra cima do velho, tomou a peixeira dele e sentenciou: -- A fazenda é sua e dela também. Por isso, você querendo ou não, a gente veio pra cá para ficar. Quero acompanhar o crescimento do meu filho junto com a mãe e com o senhor. E lembre-se: se o senhor é brabo, também posso ser. É só me dar motivos que eu viro uma fera e não tenho medo de morrer.

Pela primeira vez o “coronel” recuou diante de alguém e viu que encontrara alguém decidido, mais jovem, mais forte e mais corajoso que ele. E, apesar da sua raiva de momento pedindo vingança, resolveu dar um tempo para as coisas se acalmarem. Os dias foram passando e Belisário se surpreendeu com a dedicação de Tibúrcio nos trabalhos da fazenda, se interessando e tomando conta de todos os detalhes. E com o “coronel” sendo acalmado com o correr dos dias, Tibúrcio e Baratinha passaram a viver um lindo caso de amor na fazendola de Belisário, com as graças e consentimento dele.

Os anos se passaram e hoje, cinco anos depois, Baratinha deu à luz a mais duas meninas e Tibúrcio passou a ser o capataz da fazenda com toda a confiança do “coroné”. Quanto a Elizeu, descasado e livre, continuou com suas andanças pelas cidadezinhas do país, vendendo o seu produto e visitando casas de tolerância sem compromissos e responsabilidades.

ESSA É A NOVA HISTÓRIA DA DONA BARATINHA. NA HISTÓRIA INFANTIL, ELA FICAVA NA JANELA CHAMANDO OUTROS BICHOS PRA CASAR E DEPOIS DE TANTO ESCOLHER, O BICHINHO ESCOLHIDO MORREU NO DIA DO CASAMENTO. ESSA NOVA BARATINHA, A CEDINHA, CASOU ANTES E PROCUROU OS OUTROS “BICHOS” DEPOIS.

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POETA OLAVO
Enviado por POETA OLAVO em 04/01/2016
Reeditado em 04/01/2016
Código do texto: T5499493
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