Contos belenenses- 1.
CONTO 1
Certa noite estava em uma festa de aniversário com meu namorado, era os 23 anos de uma amiga dele, eu não a conhecia bem, mas como ele insistiu para que eu fosse acabei indo. A festa rolava numa boa, muitos convidados, muita comida e bebida, e eu até estava me divertindo discretamente, foi quando a aniversariante foi até a nossa mesa e me pediu para roubar meu namorado só um pouquinho, dei um sorrisinho falso e ele foi, achei que dançariam um pouco e tudo bem, mas não! Foram para a pista de dança, e ela se esfregava e tentava beijar o pescoço dele, pensei no mesmo segundo em ir lá e acabar com aquela palhaçada, no entanto lembrei que havíamos brigado naquela tarde por causa dos meus ciúmes e eu prometera me controlar.
Pensei um pouco, tomei uma cerveja e tentei colocar na cabeça que aquilo era brincadeira, que enquanto ele não permitisse que ela fizesse nada, estaria tudo bem. Então o tempo passou, passou e passou e na certa ele me esquecera lá. Começou a conversar com outros amigos da faculdade e beber e eu comecei a sentir que todos ao redor me olhavam e julgavam minha impotência. Até que em uma brincadeira estúpida de ping pong no copo ele fez alguma jogada surpreendente que fez todos os amigos se agitarem e sua aniversariante querida lhe deu um beijo no rosto, próximo da boca.
Olhei para aquilo incrédula, deixei o Candy Crush de lado e apenas me levantei e fui em direção a saída. Cheguei na porta do salão enfurecida, mas estava decidida a não fazer cena e perder minha razão. Ele veio correndo e nos encontramos, ele me perguntou se eu tinha visto e jurou que foi um avanço inesperado dela, que ela bebeu demais e perdeu os limites e na certa eu fui embora antes de ver ele empurrando-a, mas, tudo estava misturado, o álcool, a raiva de ver o beijo, o tédio de ter sido esquecida na mesa e o ciúme, então eu apenas disse “acabou”, peguei o primeiro táxi estacionado que vi e fui embora.
No carro olhei para trás e o vi pegando sua moto, apesar de estar bastante alcoolizado, aquilo me preocupou, claro! Mas não voltei atrás, eu não era desse tipo!
Como estávamos mais adiantados logo perdi a moto de vista, e o taxista me perguntou para onde de fato eu gostaria de ir, queria ir para casa –é óbvio- mas pensei melhor e achei que deveria dar um tempo, pois na certa ele me esperaria em casa e a ultima coisa que eu queria era conversar. Falei então para o taxista dar umas voltas pela cidade.
Quando chegamos à rua José Bonifácio, uma mulher fez sinal, ela estava sozinha, vestindo um vestido branco esvoaçante, tinha cabelos pretos e parecia estar com frio, e como o taxista estava dirigindo aleatoriamente, me perguntou se eu poderia dividir o taxi com ela até que eu decidisse para onde queria ir, eu estava pra lá de irritada então concordei sem pensar, afinal era uma mulher e aquela rua era perigosa demais naquele horário -em qualquer horário para falar a verdade- se fosse um homem com certeza eu recusaria.
Ela entrou no taxi e o motorista perguntou o endereço, ela falou que gostaria de ir para a Antonio Barreto, entre 14 de abril e 3 de maio, o taxista novamente perguntou se eu gostaria de ir primeiramente para meu destino ou queria esperar eu deixar a moça, respondi que esperaria.
Relaxei durante o caminho e acabei percebendo que o cara não tirava os olhos dos meus peitos, encarei-o, fechei mais minha blusa e me afastei, estava no banco do passageiro e a moça no banco de trás. De repente ela começou a choramingar e em seguida a soluçar, o taxista perguntou se estava tudo bem e ela disse que ele não devia se preocupar com ela, e voltou a chorar um pouco mais alto, na certa ela estava bêbada -pensei- e comecei a achar que dividir o táxi na madrugada com uma desconhecida não tinha sido uma boa ideia.
Chegando ao endereço que ela fornecera, vimos uma loja de artigos automotivos, ele parou e perguntou para ela se era lá, ela olhou para fora e pelo retrovisor eu vi seu olhar desconsolado, disse então que não podia voltar, pensei que ela estava com problemas com a família e então ele decidiu ir chamar alguém para entregar a moça e claro para receber seu pagamento pela corrida, perguntou então o nome de algum parente dela e ela disse que a mãe se chamava Marcelina.
O homem desceu do taxi e eu fiquei esperando, já estava cansada de passear por Belém, já tinha esfriado a cabeça e só queria ir para casa dormir. Vi o cara tocar a campainha e algum tempo depois veio uma senhora – na certa era a dona Marcelina- eles conversaram por um tempo e o taxista voltou para o carro e a mulher fechou a porta – não entendi nada-.
Ele entrou, olhou para trás e perguntou onde a moça estava, eu olhei para trás confusa e vi que ela havia sumido, eu disse que não sabia e que ela não havia saído do carro, olhamos para a rua e de fato não tinha ninguém! A rua estava deserta, não teria como ela se esconder tão rápido ou correr sem que fosse vista.
Ficamos atônitos, o homem me olhava pasmo e pálido, perguntei lhe o que a mulher havia dito e segundo ele a senhora disse que todo ano, naquele dia e mês alguém aparecia na casa dela falando dessa tal moça, disse que naquela casa não morava ninguém com aquelas características e que a única Marcelina que ela conhecia era a antiga dona do terreno, que por sinal, já havia sido vendido há 18 anos.
Após esse acontecimento, no mínimo estranho, dei meu endereço para ele, que me levou em casa e de tão nervoso que estava acabou me dando o troco errado. Em casa meu namorado –ex no momento- me esperava entediado, não pude conter minha agonia e relatei todo o ocorrido, ele e minha mãe ouviram sem acreditar muito, e ao final ele me disse que na certa aquele taxista nunca mais passaria na frente do cemitério Santa Izabel de madrugada, afinal, todos conheciam a lenda da “mulher do taxi”, é claro que eu não conhecia.
Fizemos as pazes e alguns meses depois encontrei o dito taxista trabalhando em um restaurante, lembrei-o do incidente e ele me contou que naquela mesma semana –da aparição- largou as corridas noturnas e por fim largou a profissão, foi a melhor coisa que ele poderia ter feito, mas algo que dizia que aquela não seria a última visita que a dona da loja receberia.
Adaptação baseada na lenda "A moça do táxi" que retrata a noite em que o espírito de uma bela jovem sai do cemitério Santa Izabel, situado no bairro Guamá em Belém do Pará e entra em um taxi, contudo, ao chegar no destino final o taxista percebe que no local morou uma moça, mas que ela morrera há muitos anos.
Esse conto povoa o imaginário popular, possui diversas versões e surgiu a partir de uma moça real, chamada Josephina Conte que morreu em 1931, aos 16 anos de tuberculose e que está de fato enterrada no dito cemitério e é considerada por muitos milagrosa, uma verdadeira "santa popular".